CHECKLIST uso e disciplina

Usar o Checklist não é sinal de inexperiência!!

Muitos pilotos acham que chegar ao avião, dar à chave e ir para o ar é já um sinal de muita experiência acumulada. Que o recurso a qualquer auxiliar de memória será a admissão de um sinal de fraqueza.

Apesar de ser um facto que o acumular de horas de voo no mesmo tipo de avião leva a que os procedimentos se tornem tão familiares e rotineiros que todos os dias os fazemos de cor, está provado que a mais pequena perturbação das habituais rotinas pode conduzir ao esquecimento de um procedimento vital.

Investigações de acidentes provaram-no vezes sem conta e o resultado foi que, nas companhias aéreas comerciais, o uso de Checklist‘s ou Lista de Verificação é obrigatório para TODOS os tripulantes, mesmo para os comandantes com milhares de horas de voo e em quase todas as fases do voo.

Nos caças monolugares das forças aéreas, onde o conceito de tripulação não se aplica, também o uso de Checklist é obrigatório.

Poder-se-à perguntar: “Porque é que, numa actividade que se quer de lazer, com aviões tão simples, estamos a falar de Checklist’s, quando nem sequer os fabricantes de alguns modelos os fornecem?

De facto, é precisamente onde o piloto é a última, das (muito) poucas barreiras antes do acidente, sem o suporte de uma organização que o obrigue a seguir procedimentos, que a auto-disciplina se revela um factor fundamental para a prevenção desse mesmo acidente.

Uma atitude defensiva, reconhecendo a própria fraqueza do ser humano como animal de hábitos falíveis, perante uma actividade tão diversa como é a de voar aparelhos mais ou menos sofisticados em circunstâncias que mudam constantemente, como a meteorologia, a intensidade de tráfego, o espaço circundante e a própria fisiologia do piloto, ajudará a identificar as tipologias de erros comuns às variadas situações que se apresentam.

Por exemplo:  Quem nunca descolou ou pelo menos se sentou no avião para pôr em marcha com a cobertura de pitot a rir-se para nós bem enfiadinha no sítio onde a deixámos depois do voo anterior?  Quem não sabe da história do fulano de tal que foi para o ar com as torneiras de combustível fechadas?  A cobertura do motor mal apertada? A lança de reboque ainda na roda de nariz?  Os comandos de voo a funcionarem ao contrário depois de uma estada na manutenção? Etc., etc., etc.?

Todos estes exemplos aconteceram, de facto e podem MATAR!

Quais serão as consequências, depois de um belo voo e um lauto almoço com os amigos em Lagos, se nos esquecemos de abrir a válvula de combustível e o companheiro que levou o avião para baixo a deixou fechada? O motor pega normalmente, expeditamos a rolagem para descolar, e o motor apaga-se na pior altura…
Ou, se foi sozinho, mas porque está em ambiente não rotineiro, se esqueceu daquele procedimento que sempre faz mas desta vez foi interrompido por uma chamada rádio inesperada?

As consequências podem ser graves…

Como não há uniformização geral a nível nacional de instrução nem de procedimentos, a única maneira de contornar a questão é uniformizar os procedimentos para “o seu” avião. Como?
Usando o Checklist do fabricante ou, na inexistência daquele, usando o “seu” Checklist.
Adiante explicar-lhe-emos como poderá construir o seu próprio checklist, ou complementar o fornecido pelo fabricante se nele detectou insuficiências.

Utilizar o Checklist é um acto solitário.

O processo de executar um checklist deverá ser um processo individual (a menos que se trate de instrução) com a atenção do piloto exclusivamente direccionada para esta tarefa.
Concentre-se no facto de que está a verificar as condições da sua aeronave, e a prepará-la para descolar ou aterrar, precisamente as duas fases mais críticas do voo.

Ao utilizar um Checklist, deverá ter sempre em mente duas coisas:
1- Verifique o avião, não o Checklist!! Com o decorrer do tempo, há normalmente a tendência de “correr” o Checklist, uma vez que já o sabemos de cor, sem realmente executar os passos que lá estão descritos. Corra o Checklist com um dedo e, com a outra mão ou com o olhar, referencie no avião aquilo a que o passo do Checklist se destina. É importante chegar ao fim do checklist e tê-lo executado efectivamente, não basta apenas a leitura do mesmo.

2- Corra os passos do Checklist individualmente, deixando o dedo no passo que está a executar. Se for interrompido ou se não o puder executar imediatamente, poderá voltar ao passo em questão quando retomar, garantindo assim que nenhum procedimento ficará por executar. Durante a execução do Checklist , não se deixe distrair por ocorrências que não estejam directamente relacionadas com a preparação do seu voo.

Lembre-se, mais ninguém está a pilotar o “seu” avião e serão suas, as consequências das falhas de procedimentos.

A inspecção exterior faz parte do Checklist.

Recomenda-se que a inspecção exterior do avião seja feita seguindo um Checklist. Alguns dos exemplos de ocorrências que apontámos acima deveram-se a uma inspecção exterior incompleta ou inexistente. De facto, a maioria dos itens que se verifica na inspecção exterior são de importância fundamental, tais como purgas de combustível, níveis de óleo, pressão de pneus, etc.. Não dará certamente por perdido o seu tempo quando o Checklist o avisar de que a lança de reboque ainda lá está…

Qualquer um pode fazer o seu Checklist.

Se a documentação do seu avião fornecida pelo fabricante não inclui um checklist, ou se inclui um bastante básico e generalista, pode complementá-lo ou construir o seu próprio a partir de princípios básicos.
Ressalvando que consideramos a documentação oficial do fabricante como preferencial em relação a qualquer Checklist construído pelo proprietário, aqueles documentos poderão não reflectir as especificidades do seu avião, ou ser incompletos em relação a procedimentos específicos de cada fase do voo.
Um Checklist não é mais do que uma lista de itens a verificar ou executar antes de cada fase do voo.

Assim, podemos começar por dividir o voo nas fases principais, dando-lhes um título, e incluir passos a verificar ou executar em cada fase específica. Na realidade, pode deste modo adaptar o seu Checklist às especificidades do seu avião, uma vez que o conhece melhor que ninguém.

Se está apenas a dar os primeiros passos, pode sempre começar com o Checklist básico que a seguir apresentamos e vá-o “enchendo” à medida que for sentindo necessidade.

Pelo contrário, os Checklists não devem ser documentos tão extensos que se tornem demasiado “pesados”. Devem ser pragmáticos, focados no essencial, para que mantenham credibilidade e uma certa plasticidade, para que nunca nos cansemos de os seguir, mesmo ao fim de alguns anos de voar o mesmo avião. Na elaboração do seu Checklist, o nosso conselho é que se comece do grande para o pequeno, incluindo inicialmente todos os passos de que se lembra, e consequentemente ir refinando-o com o tempo, retirando aqueles que realmente ache supérfluos.

Apontamos um exemplo de Checklist básico:

  • INSPECÇÃO EXTERIOR
    • Magnetos – off
    • Documentação do avião – verificar
    • Superfícies de controlo – livres e correctas
    • Nível de óleo – verificar
    • Lança reboque – retirar
    • Capot do motor – fechado
    • Cobertura de pitot – retirar, entrada desobstruída
    • Quantidade de combustível – verificada
    • Tampas de depósitos – fechadas
    • Tomadas estáticas – desobstruídas
    • Purga de combustível – efectuar
    • Estado geral – verificar
  • ANTES DE PÔR EM MARCHA
    • Equipamentos eléctricos – desligados
    • Travão de parque – accionado
    • Compensador – neutro
    • Circuit Brakers – dentro
    • Cintos – ajustar
    • Cavilha pára-quedas – remover
    • Gasolina – aberta
  • DEPOIS DE PÔR EM MARCHA
    • Instrumentos de voo – verificar/Programar
  • ANTES DE DESCOLAR
    • Gasolina – aberta
    • Canopy / portas – fechadas
    • Cintos – amarrados
    • Flaps – posição de descolagem
    • Comandos de voo – livres e correctos
  • CORTAR MOTOR
    • Equipamentos eléctricos – desligar
    • Magnetos – off
    • Cavilha de pára-quedas – introduzir
    • Cobertura de pitot – colocar

Deliberadamente, não incluímos neste exemplo de checklist blocos como “PÔR EM MARCHA” ou “ANTES DE ATERRAR”, por ser convicção nossa que tais acções poderão ser feitas de memória.
No entanto, nada obsta a que, se o entender, as inclua no seu próprio Checklist.

O erro humano é uma das principais causas de acidentes em aviação, podendo ser combatido com a mecanização de processos correctos, a instituição de uma atitude de auto-disciplina e uma consciencialização do facto de que, embora normalmente não falhemos, alturas há em que factores exógenos ou endógenos nos induzem ao erro.


O Checklist não é mais do que o Norte da Bússola na maneira correcta de voar o nosso avião.

Guiando-nos por ele, limitamos o erro.

Faça o seu, e use-o.

Francisco Fernandes. In Revista Voar # 8 APAU. Republicado em Abril de 2020. As fotografias deste artigo são meramente ilustrativas e promovidas por Unsplash Photos. Fotografias Luís Malheiro.

Nota Cavok.pt – O artigo publicado é da responsabilidade do seu autor e não compromete ou vincula o CAVOK.pt aos conteúdos, ideias ou intenções. O autor do artigo não recebe, nem irá receber qualquer compensação directa ou indirecta, referente à opinião expressa. O CAVOK.pt não interfere ou analisa o conteúdo pelas ideias, opiniões ou intenções mas apenas ajusta a formatação gráfica dos mesmos.