Apesar de ainda um grande número de pessoas não conhecer, não ter visto, ou mesmo ouvido falar de “Autogiros” e muito menos voado estas maravilhosas máquinas, elas possuem uma história, não sendo por isso uma novidade no mundo da aviação.
O termo Autogiro advém do espanhol, podendo ser também referido como Girocóptero. Já os termos Giroplano e Rotorplano são pouco ou nada usados mas todos classificam um tipo de aeronave de asa rotativa, que faz uso de um rotor livre, isto é, sem estar interligado a um motor, sempre em autorotação para criar sustentação.
Conjuntamente com o rotor livre, faz uso de um hélice acoplado a um motor, numa configuração similar a uma aeronave de asa fixa, de maneira a criar impulsão.
Embora muito similar em aparência a um rotor de helicóptero, o Autogiro necessita que o ar flua por cima e através do disco do rotor, de maneira a criar sustentação.
O autogiro foi inventado pelo Engenheiro espanhol Juan de La Cierva y Codorniu em 1919, cuja intenção era criar uma aeronave que voasse com segurança, mesmo a baixas velocidades, contudo só efectuou o seu primeiro voo ao fim de quatro anos de intenso trabalho, a 9 de Janeiro de 1923 no Aeródromo de Quatro Vientos (Madrid).
A máquina original de La Cierva, era parecida com uma aeronave de asa fixa da época, com uma hélice instalada no nariz em configuração tractora, a fim de permitir impulsionar a aeronave através do ar. Modelos posteriores patenteados pelo Engenheiro americano Igor Bensen, privilegiaram a configuração impulsora, isto é: com o hélice e motor atrás. Esta é a configuração que predomina nos actuais Autogiros independentemente da marca fabricante.
Na verdade, o termo Autogiro foi a marca registada da “Cierva Autogiro Company” (curiosamente com sede em Inglaterra). O termo Gyrocopter foi usado por E. Burke Wilford, que passou a incorporar nas suas máquinas a partir de 1931, uma novidade desenvolvida pelos engenheiros aeronáuticos alemães Walter Rieseler e Walter Kreiser, o rotor Reiseler Kreiser, que possuía a particularidade da aplicação prática do controlo do passo cíclico, passando posteriormente a equipar quase todos os “Autogiros” na primeira metade do século vinte. Este avanço permitiu que se controlasse directamente o ângulo do passo do disco do rotor. Para além de melhorar a manobrabilidade da máquina, esta invenção viria mais tarde a ser a base para o desenvolvimento das aeronaves de descolagem vertical, os helicópteros.
O termo Gyrocopter veio mais tarde a ser adoptado como marca registada pela Besen Aircraft.
De uma maneira simplista pode dizer-se que o texto acima, resume a história dos Autogiros e concomitantemente a das aeronaves de asa rotativa. Nada mais enganador. A sua história é muito mais antiga e ricamente mais vasta.
Tudo começou em 320 DC, com um pequeno brinquedo sustentado por uma asa rotativa inventado pelos Chineses, a partir do qual, ao longo dos tempos foram feitas muitas duplicações e estudos com o intuito de se entender e melhorar a aerodinâmica das asas rotativas.
O exemplar mais conhecido e famoso é o Helixpteron (asa espiral) de 1480, nada mais nada menos, que um estudo sobre modelos giroscópios aéreos efectuado por Leonardo Da Vinci.
Já em 1907, Louis Charles Breguet construiu o primeiro “Giroplano” capaz de levantar voo com um passageiro a bordo, ao qual deu o nome de Giroplano N.º 1, contudo era na verdade um helicóptero rudimentar, com um controlo e sustentação inadequados. Nesse mesmo ano um outro inventor francês, Paul Cornu, fez o primeiro voo sustentado num helicóptero básico, no entanto não houve desenvolvimento posterior.
Depois destes dois franceses, outros pioneiros e amantes da aviação tentaram repetir a proeza, entre eles o bem conhecido Igor Ivanovich Sikorsky (Rússia 1909/10), Jacob C. H. Ellehammer (Dinamarca 1912), Emile Berlinger (EUA 1919) e George de Bothezat (EUA 1920). No entanto, os voos com aeronaves de asa rotativa mais promissores foram efectuados pelo espanhol Raul Panteras Pescara e o francês Etienne Oehmichen em 1922 e 1924 respectivamente. Estes voos foram efectuados com aeronaves rudimentares, semelhantes a helicópteros e conseguiram alcançar uma distância de pouco mais de 800 metros, uma verdadeira proeza para a época.
Contudo como já foi referido anteriormente, o verdadeiro começo dos Autogiros dá-se com o construtor de aviões de asa fixa, Juan de La Cierva, que devido à onerosa perda que sofrera (destruição total de um gigantesco avião, que entrou em perda), procurou uma maneira técnica para que tal não se repetisse, mesmo a baixas velocidades.
La Cirva inventou e construiu então, uma aeronave que nunca entra em perda, o Autogiro.
A sua primeira tentativa denominou-se C1, esta máquina possuía dois rotores em contra-rotação a fim de anularem o torque e criarem mais sustentação. No entanto por problemas vários, a complicada e difícil construção e ainda o controlo do sistema, fê-lo rapidamente passar ao modelo C 2, com apenas um rotor de cinco pás, seguidamente o modelo C 3, de apenas três pás, todos eles de rotor rígido. Esta característica impunha dois graves problemas: o primeiro, o efeito giroscópio; o segundo, uma sustentação não balanceada.
Basicamente, estes dois problemas estão interligados entre eles, e podem explicar-se da seguinte maneira: enquanto a parte do disco do rotor que gira no mesmo sentido do voo da aeronave provoca sustentação, a outra parte que gira em oposição ao sentido do voo, perde sustentação, provocando o seu abaixamento, levando a que haja um efeito de torção lateral permanente (efeito giroscópico). La Cierva, como bom engenheiro que era, depressa compreendeu o efeito, criando uma solução simples mas efectiva, aplicou ao rotor uma espécie de dobradiça, permitindo assim que as pás subissem ou descessem (flapping) em conformidade com o sentido da sua rotação, dando-se assim um ajuste automático do ângulo de ataque das mesmas.
O principio desta solução ainda hoje prevalece, e permite que a pá que avança tenda para baixo, reduzindo assim o seu ângulo de ataque, e consequentemente a sua sustentação, contrariamente, a pá que recua aumenta o seu ângulo de ataque gerando maior sustentação. Como isto acontece de uma maneira sincronizada a cada rotação completa, a sustentação torna-se balanceada e consequentemente o efeito giroscópico é anulado.
O Autogiro ao qual foi aplicada esta solução com sucesso denominou-se C 4. Este não era mais que um avião convencional com um hélice frontal para gerar propulsão, mas sustentado por um rotor flexível de três pás, desta conjugação vencedora realizou‑se como já anteriormente foi referido, o primeiro voo verdadeiramente controlado em Autogiro no dia 9 de Janeiro de 1923.
Ironicamente Juan de La Cierva y Codorniu, faleceu num desastre aéreo de avião, apenas com 41 anos de idade, na manhã de 9 de Dezembro de 1936, depois de ter embarcado em Croydon num Dutch DC2 da KLM com destino a Amesterdão. Apesar do denso nevoeiro que se fazia sentir o DC2 descolou por volta das 10h30m, despenhando-se praticamente no fim da pista, devido ao choque com um edifício, incendiando-se de seguida.
Apesar do seu precoce desaparecimento o seu contributo foi decisivo para o desenvolvimento das aeronaves de asas rotativas, aliás grande número das suas patentes foram copiadas despudoradamente, sem qualquer posterior referência ao seu trabalho, contudo a sua terra natal, Múrcia, edificou um monumento em sua merecida honra.
Com a Segunda Guerra Mundial, os Autogiros também tiveram a sua quota‑parte de desempenho como armas secretas, os alemães primeiramente e depois os japoneses (Gyroglider), e por fim os ingleses (Rotachute), os primeiros e os segundos fabricaram pequenos Autogiros sem motor, que eram rebocados por submarinos e se elevavam no céu dos mares sem serem praticamente notados, recolhendo assim preciosas informações sobre o movimento marítimo dos oponentes. O Rotachute dos ingleses com o seu nome parcialmente indica, foi desenvolvido e usado pela Airborne Forces Experimental Establishment at Ringway, Manchester, que o utilizaram em detrimento do paraquedas para colocar tropas em territórios críticos, devido à sua maior manobrabilidade e capacidade de carga útil, cerca de 110Kg.
O interesse por este tipo de aeronave floresceu nos Estado Unidos da América nos anos 40, onde foram certificados vários recordes mundiais e se produziram cada vez mais desenhos. Trágica e ironicamente os “pais”, precursores e fabricantes destas avançadas máquinas também faleceram em acidentes aéreos noutro tipo de aeronaves, não tendo ficado ninguém para impulsionar e dar continuidade ao seu trabalho de construção e desenvolvimento.
A posterior depressão que se estabeleceu, fez com que as companhias que ainda restavam rapidamente fechassem as portas.
Nos pós-guerra a extraordinária tecnologia dos Autogiros foi retomada pelos governos dos EUA e Inglaterra. O projecto americano era de cariz militar, subsidiado com fundos ilimitados, contudo por interesses obscuros de fabricantes de outros tipos de aeronave o projecto foi abortado. Em Inglaterra a Fairey Rotodyne conseguiu mesmo a licença de produção, chegando a haver rotas aéreas planeadas para transportar passageiros entre áreas metropolitanas, de maneira mais rápida e barata que qualquer helicóptero ou avião comercial. Contudo este válido projecto foi “morto” pelos políticos, quando puseram a Fairey Rotodyne sob controlo da Westland Co. a qual tinha fortíssimas ligações com os fabricantes de helicópteros.
A Westland destruiu os protótipos, bem como os modelos já desenvolvidos, desenhos técnicos e ferramentas de produção.
Também nos pós guerra, em Daitona (Ohio) o Dr. Igor Bensen foi encarregue pelo governo dos USA e pela General Electric (GE) para estudar o aparelho com tecnologia secreta capturado aos alemães o Gyroglider e também o aparelho dos ingleses o Rotachute. Dr. Bensen com base nos conhecimentos adquiridos desenhou e patenteou o (Gyrocopter), um Autogiro com hélice atrás, e começou a vender os planos aos hobystas e assim em 1953 deu‑se o renascer do interesse pelos Autogiros com a “invenção” do Dr. Igor Bensen, patenteado como “Gyrocoptero”.
Devido à forte adesão, o Dr. Benson fez pressão na FAA (Federal Aviation Administration) para a criação da regra dos 51% a nível das “Aeronaves Experimentais” construídas em casa, o que ainda hoje vigora nos USA. Anteriormente todas as aeronaves construídas em casa voavam ilegais, ou seja, foi graças aos Autogiros que todas as outras aeronaves se tornaram legais.
Actualmente, o interesse comercial está a retornar, com companhias tal como a Boeing a entrar neste campo, a Carter Copter quebrou o recorde de velocidade de aeronaves de asa rotativa, a Groen Brother’s está a desenvolver Autogiros de grandes dimensões, para transporte pesado e seguro, uma alternativa muito mais barata aos helicópteros, a Monarch Landing desenvolveu um trem de aterragem que permite aterragens verticais com grande velocidade sem deteriorar componentes estruturais.
É no entanto, no campo da aviação de lazer, que mais empresas se tem empenhado no desenvolvimento e fabrico deste tipo de aeronaves.
Os Autogiros actuais são hoje máquinas extremamente seguras e tecnicamente avançadas, nada devendo às soluções e materiais empregues aviação dita profissional, existindo já máquinas na classe “Ultraleve” com capacidade de descolagem vertical (Gyrhino), para isso tem contribuído para além da engenharia aeronáutica, a facilidade de manuseamento das fibras de vidro, carbono, kevlares e afins, coadjuvado pelo crescente interesse do público por estas máquinas maravilhosas.
Tanto nos EUA como por todos os países da Europa, é um tipo de aeronave em franco progresso, na conquista de mercado de lazer e não só, pois já existem várias Forças Policiais e Militares, dentro e fora da Europa a utilizarem estas aeronaves em serviço de patrulhamento a nível de tráfego e controlo de fronteiras, com destaque para o Irão, Israel, Alemanha, Espanha, Burkina Faso e Somália. É aliás na Comunidade Europeia, onde se concentra o maior número de fabricantes destas económicas máquinas, seguras e fáceis de pilotar, começando pela Inglaterra, Polónia, Alemanha, França, Itália, Espanha, devidamente legislados e enquadrados, exceptuando-se Portugal, que vá-se lá saber porque razão, teima no “orgulhosamente sós”.
Rogério Nave in Revista Voar #10 APAU. Republicado CAVOK.pt 10 de Abril de 2020. As fotografias deste artigo são meramente ilustrativas.
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