Uma ida a Espinho

Estamos nos anos 80. Mais concretamente, penso que, em Novembro de 1989.

Tenho o meu avião há pouco tempo e tenho que “fazer umas horas”. Decido ir a Espinho.

É uma viagem agradável, seguindo a linha de costa, por cima da rebentação… São cerca de vinte minutos e depois, tenho uma boa desculpa: Vou lá beber café!! Na altura, havia um café-restaurante no aeródromo.

Nunca gostei de fazer de “mosca de padaria” como dizem os brasileiros, isto é, voar à volta da pista.

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Descolo. Tenho vento de cauda, praticamente nem preciso de mexer no manche. Estou sozinho, o avião reage bem. O meu avião está bem equipado, aliás tem até um bom rádio embutido. Ligo-o por hábito mas normalmente nem uso. Quando uso, a recepção é péssima. As transmissões (na altura) eram na esmagadora maioria das vezes feitas por portáteis, com pouca potência. Estou em 123.45MHz.

De repente, ouço uma comunicação num volume tão elevado, quase que me entra pelos miolos: “OH PATINHO BRANCO, PATINHO BRANCO, ESTÁ A RECEPCIONAR?” Respondo afirmativamente, enquanto vou pensando:” Já estou lixado! Existe aqui uma base qualquer da Nato, toparam-me no radar!”….

Nova comunicação: “PATINHO BRANCO, SUBA JÁ PARA 3.000 PÉS, NIVELE E MANTENHA POTENCIA MÁXIMA, CONFIRME”. Subo rapidamente, e confirmo. Mas estou nervoso, inquieto.

Mais uma Comunicação: “ PATINHO BRANCO, MUDE PARA FREQUÊNCIA XXX.XX E CONFIRME”. É o que faço.

Nova comunicação, já na nova frequência: “OLHA LÁ PÁ, QUAL É A VELOCIDADE MÁXIMA DESSA MERDA?” Respondo: “COMO?” Reposta:  “ESTÁS SURDO OU QUÊ? PERGUNTEI-TE QUAL A VELOCIDADE MÁXIMA DESSA MERDA!

Fico ainda mais nervoso… Respondo: “ COM VENTO DE CAUDA, TALVEZ 160 KMS, POTENCIA MÁXIMA, POR AGORA”….

Resposta: “ROGER, MANTEM-TE NESSE RUMO, NÃO MUDES NEM UM MILÍMETRO, ENTENDIDO?” Respondo afirmativamente.

Tenho o coração a 160 pelo menos, Não faço ideia do que se está a passar, só sei é que a transmissão é fortíssima… entra-me pelo cérebro!! Tal nunca me aconteceu.

Potencia máxima, mão firme no manche, aguardo!

Nova comunicação: “EH PÁ, OLHA PARA A TUA ESQUERDA”.  E o que vejo? Talvez, nem a cinquenta metros de mim, um enorme cilindro esverdeado…Mas tem asas…e dois motores de cada lado! É um avião da Força Aérea Portuguesa. Tem os flaps completamente estendidos, e encontra-se em atitude de aterragem: MEU DEUS, É UM C-130!!

Consigo claramente ver o supostamente co-piloto no cockpit, a acenar-me. Estou de boca aberta… no mínimo.

Nova comunicação: “ENTÃO PÁ, GRANDE CAGAÇO HUMM???…” e “AGUENTA-TE PÁ, ESTAMOS A TREINAR STALLS, NEM TE DESVIES, SENÃO ÉS PAPADO…

O C-130 perde então altitude, “banca” para a esquerda, afasta-se, estou de olhos arregalados… Olho para trás.

O avião afasta-se rapidamente. “Saem-me” uns palavrões de alívio, a tensão é enorme. Mas nem reparo que ainda tenho o dedo no botão de transmissão. Nova comunicação: ” ENTÃO OH PATINHO BRANCO, MALCRIADICES NO AR. ISSO NÃO SE ADMITE!”

Murmuro um pedido de desculpas. Estou a relaxar: Ok, “os gajos” da força aérea decidiram gozar comigo. Tudo bem!!”.

Nova comunicação: “OH PATINHO BRANCO, OLHA PARA A TUA DIREITA”. O C-130 está agora do meu lado direito! Mas que chatice! E comunico eu, já incomodado: “ EH PÁ, SE LEVO COM O VOSSO PROPWASH, DESFAZEM-ME PORRA!”

Resposta: “OH PATINHO BRANCO, TEM CALMA, QUEM É QUE TE MANDA VOARES EM ESPAÇO RESTRITO?

Respondo indignado: “EU ESTAVA A 1.000 PÉS, VOCÊS É QUE ME PEDIRAM PARA SUBIR PARA 3.000 PÉS!” Resposta: “ ENTÃO E FAZ-SE TUDO O QUE NOS DIZEM? PARA QUE É QUE SERVE A CABECINHA?” Seguido de uma forte gargalhada ”AHAHAHA, PRONTO NÃO TE CHATEAMOS MAIS”….

O C-130 “banca” para a direita, rumo de terra… Estou talvez a 5 minutos de Espinho. Respiro de alívio. Já vejo a pista.

Nova comunicação: ” OH PATINHO BRANCO, OLHA PARA CIMA!”. O avião está por cima do meu! Comunico: ” EH PÁ, SE NÃO MORRER DE ATAQUE CARDÍACO DESTA, VIVO ATÉ AOS 100 ANOS!” Resposta: “TEM CALMA PÁ, TENS UMA HISTÓRIA PARA CONTAR AOS TEUS NETOS! UM ABRAÇO”.

E assim foi. Aterrei e não bebi café, bebi outra coisa…

Semanas depois, aparece-me na Promaceira um individuo a sorrir-me…” Então, já voltou a Espinho?” Reconheci-o imediatamente. Demos um grande abraço, e fomos voar. No Pétrel, claro.

Eles tinham razão. Eu não imaginaria que passados mais de 25 anos, estaria agora aqui a escrever esta história.

Nestas minhas 3 primeiras “Histórias de aviação” foquei algumas “aventuras” que têm “alguma piada”. De facto, eramos todos uns “pioneiros”! Tenho mais alguns “incidentes” desses para contar. Mas, na próxima irei focar alguns aspectos bem mais sérios e importantíssimos para quem voa. Chamar-se-à “Uma ida a Braga”.

Pedro Gomes. Publicado em Dezembro de 2015. Republicado em Setembro 2020. Fotografias meramente ilustrativas. Fotografias por Paulo Antunes e Luís Malheiro.

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