Black Hawks para o combate aos incêndios

Black Hawks para o combate aos incêndios: tudo o que queria saber e tinha vergonha de perguntar.

Como toda a gente, fui surpreendido esta semana com a notícia da compra de seis helicópteros Black Hawk para serem usados no combate aos incêndios em Portugal. O que nada me surpreendeu, foram os habituais comentários que variavam entre o aplauso desmedido, a teoria da conspiração e o espumar pela boca com tão desastrosa opção. Não tardou muito perguntarem-me a opinião sobre o assunto. Apanhado de surpresa, não soube o que responder. Sem ser vendedor, político, técnico nem piloto destas máquinas, munido apenas da minha curiosidade aeronáutica, e sem necessidade de prestar vassalagem a nenhuma corrente de opinião, fui procurar factos com o espírito mais aberto possível, e tentar perceber se esta será ou não uma boa opção. E tirei as minhas conclusões.

Para começar a designação Black Hawk é um termo informal. Entidades civis não podem adquirir e operar a versão militar UH-60 conhecida por este nome. Ou operam a versão civil S-70 nas suas múltiplas versões, ou então uma empresa especializada tem de converter aparelhos militares, tirar-lhe tudo o que seja militar lá de dentro e matriculá-los com registo civil. Parece ser este o caso, as unidades que virão para Portugal foram ou serão transformadas pela empresa norte-americana Arista, situada na Califórnia. Portanto não deverá haver grande mal em continuarmo-nos a referir a eles como Black Hawk.

Como qualquer helicóptero de sucesso da actualidade, a família S-70 que inclui a sua versão militar Black Hawk,  não são novidade e já têm uns aninhos em cima. O protótipo fez o seu primeiro vôo em 1974, o que o coloca na mesma faixa etária do Westland Lynx. São 50 anitos de design no lombo.

Para quem não está dentro do assunto, isto não significa que sejam aeronaves com 50 anos. Longe disso. As aeronaves têm sido alvo de constantes upgrades, e tal como uma vassoura que já levou seis escovas e quatro cabos, acabam por ser aparelhos novos. Este modelo continua a ser produzido.

O Black Hawk teve a dificílima tarefa de substituir o icónico, lendário e competente Bell Uh-1 Iroquois, celebrizado no teatro de operações do Vietname como Huey, vencendo competidores como a Boeing e o seu também promissor YUH-61. Durante estes 50 anos tem operado nos mais rigorosos, mortais e inóspitos teatros de guerra como na Somália, Panamá, Afeganistão, Balcãs, Iraque, e outras áreas de conflito, muitas vezes debaixo de fogo inimigo, usando uma estrutura de manutenção precária e improvisada no local. Na sociedade civil como S-70, este competentes Sikorsky desempenharam no mesmo período de tempo missões de evacuação médica, apoio a plataformas marítimas, evacuação de gado de planícies alagadas, transporte de carga suspensa e obviamente, combate a incêndios, havendo mesmo uma versão adaptada de propósito conhecida como Firehawk. A competência e as provas dadas deste aparelho parecem-me ser por demais evidente, 29 países operam as versões militar e civil deste aparelho.

Quanto ao seu palmarés de combate ao fogo, a versão S-70 equipada exclusivamente para combate a incêndio conhecida por Firehawk, tem sido utilizado em grandes extensões de fogo na Califórnia, no Colorado e na Austrália. Quando digo grandes extensões, não façam confusão, a Califórnia é quatro vezes maior que Portugal e tem uma área florestal de 33 milhões de acres (o que dá um número estúpido aproximado de 133 mil Km quadrados, vez e meia o território de Portugal, incluindo ilhas) 

Só o parque natural de Yosemite é do tamanho do distrito de Leiria.

Na Austrália as coisas são ainda mais superlativas. Até dividem o país em países, de modo a que o cérebro humano possa assimilar o tamanho da área. Só para exemplificar, a região da Austrália-Oeste tem dois milhões e meio de Km quadrados, com uma área florestal de 21 milhões de hectares. Sentem-se um bocado e memorizem este número: 21 milhões de hectares. São duas vezes e meia Portugal coberto de uma ponta à outra de floresta! E na Austrália do Sul, a mesma conversa.

Embora estas regiões disponham evidentemente de outros meios pesados de combate a incêndios, a questão é que estes aparelhos estão a operar eficazmente nestes territórios extensos e foram uma aposta ganha pelos governos que os decidiram operar.

A versão de combate a incêndios deste helicóptero, está equipada com um tanque dorsal com capacidades entre a tonelada e meia a as quatro toneladas, que é a carga máxima útil do aparelho. Na Califórnia transportam 11 homens equipados e fazem carga aérea e missões de evacuação médica. Dados australianos referem que podem permanecer no ar cerca de 2 horas e meia sem reabastecer, e demoram 35 segundos a encher o tanque com recurso a um snorkel. Tanto nos EUA como na Austrália, ambos os operadores elogiam a fiabilidade, capacidade de carga e a rapidez do aparelho.

Em Portugal como sempre, será tudo envolto em neblina e uma incógnita. Polémicas e políticas à parte, a parte prática será talvez o maior problema a resolver: apesar da venda incluir um pacote de manutenção e formação de pilotos, este material não é barato. Cada Black Hawk é vendido para o mercado civil antes da transformação por um preço que ronda os 3 milhões de dólares. Depois, as pecinhas e a manutenção para o mercado civil é tudo pago a preço do Ouro.

Em suma, técnica e operacionalmente, não tenho a mais pequena dúvida que o Black Hawk será um meio competente. Mas sabendo o que a casa gasta, este negócio será como venderem seis Rolls-Royce num bairro social a habitantes cheios de dívidas de jogo e problemas de bebida, e oferecer-lhes uma mudança de óleo e um conjunto de pneus. Desconheço ainda os contornos acerca de quem os vai operar, mas se derem este bolo aos amigos e aos boys, vão-se lambuzar e vão mascarrar tudo como de costume. E a factura em cima da mesa no final do jantar já sabem quem é que a vai pagar.

Mike Silva. Setembro de 2022. Fotografias meramente ilustrativas, retiradas do sítio Lockeed Martin

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