Não há relação entre as coisas, dizem-me, aqueles que consideram tudo como provindo de uma realidade única, como “justificação” de um só fim e de um mero propósito. Aviões e paz, aviões e guerra… um binómio impressionante entre as várias razões de um acto, cujo fim existe e se distingue pelo contexto, será simetria, paralelismo ou antagonismo? Vamos ver mais à frente.
Há uma linha que corta de um lado e do outro, não há nada mais, corta e ponto final, é a linha determinada pela história dos homens e essa linha de corte tem uma zona neutra… é a fronteira de um e de outro país. O “risco”, a linha tem um “vazio”, tem seguramente uma existência escrita e física, aproveitada para dar espaço entre o corte de uma e de outra, soberanias. E interpreta-se como “terra de ninguém” e de todos e qualquer um, onde e se o quisermos, imaginariamente, poderíamos atravessar o mundo sem que nunca estivéssemos dentro de um país, pensem no exercício, traçar uma rota pelas linhas de corte entre países, qual viagem pelas “cicatrizes” construídas pelos viventes para os separar, entre si. Estranha dicotomia, normal bipartição, separados por ‘linhas’ estando juntos na “esfera”. Ambicionando manter o que somos… por vezes alterando a linha, estabelecendo o corte com o existente, expandindo, ansiando, invejando. Eis que entro na tomada de “Tróia… qual cavalo” desejado pela resiliência dos sitiados como ilusório “prémio” que ditará a derrota seguinte como prova que pune a vaidade e soberba do Homem.
A aviação veio mudar o curso da paz, das guerras e das distâncias entre pessoas. Trouxe a capacidade de ir mais além, mais rápido e olhar ao outro, surpreendendo.
O avião foi em primeiro o observador e o informador, foi o precursor do vislumbre das linhas de “corte”, das frentes inimigas, das frentes amigas e das “terras de ninguém” e das “terras de alguém”… e evoluiu para a sua capacidade bélica, lançar cargas explosivas, panfletos de propaganda e daí para diante chegou onde estamos hoje, aviões para todos os fins, tripulados e não tripulados – para a paz e para a guerra.
Onde quero chegar? Nas linhas de “corte” onde um dia voei, ao segundo dia de guerra e ao terceiro, entre a Romênia e a Ucrânia, em meros aviões, um Cessna 172 e um Flight Design CTLSI, numa missão de neutralidade, onde o percurso feito seria e o foi em nome da liberdade de informar… dois voos de serviço público mundial, onde o que se via se reportava como um vazio pleno de montanhas, estradas e casas, em contraste de movimentos, enquanto o meu voo circular, não obstante a certeza da missão que tinha e do desafio de segurança em curso, a cada volta desenhada crescia em emoção.
E de que valeu? Valeu pela afirmação das soberanias inescusáveis, pelo direito aos povos à sua ‘propriedade’ identitária, pelo inequívoco exercício do livre-arbítrio na territorialidade de zona comum em que habita e se distinguem.
Há dois voos pela informação que não levavam nem paz e o seu contrário, simplesmente serviram para provar a duplicidade dos efeitos. Os que almejam a paz e manutenção da sua soberania e em oposto os que ‘galgam’ montes e vales, em nome da expansão que justificam, atrapalhadamente, com a falta de paz que mais ninguém viu no “quintal do vizinho”. E, afirmo, o efeito que o repórter piloto sabia que poderia surgir e não se enganou, ao sobrevoar as “linhas” da paz e da guerra, tendo por espectadores os habitantes de terras junto ao “corte” das soberanias levou a que outros, inflamados e que escrevem e dizem na qualidade de jornalistas locais, condenassem o voo sem que antes se informassem da qualidade dos mesmos. Natural, porém, revelador de falta de rigor jornalístico sem que se investigasse o voo em si e as autorizações presente. Contudo, considero de natural reação de algumas das populações fronteiriças romenas, afinal, uma guerra tinha começado há apenas um e dois dias atrás – os invasores tinham bombardeado os aeródromos, aeroportos e bases aéreas da “vizinha” Ucrânia. E aqui está o resultado do efeito reverso… uma ação e os seus múltiplos fins e suas considerações de efeito ao olhar de cada um dos intervenientes.
Foram voos neutros na “linha” de ninguém, onde estavam todos e todas as variáveis, até a NATO observou os mesmos e acompanhou com um avião AWAC, ao nano segundo, cada “traço” do meu voo, nos seus avançados radares do celebre Sistema Aéreo de Alerta e Controle.
Aviões paz e guerra e nenhuma destas opções… que existe para além da vontade, da intenção e da missão? Interpretações, fins, objetos. Qual a lição extraída das coisas provindas da verdade e da mentira? Onde fica a “linha de corte” do tudo e nada, ou do imenso e do seu contrário? Pela razão das coisas palpáveis diria que tudo é um fim que dita um princípio.
Escolham, sempre com a certeza da dualidade da escolha e da interpretação do seu efeito. “Si vis pacem, para bellum“, “se quer paz, prepare-se para a guerra”, terá dito Vegécio, lá atrás no tempo, eu por mim, garanto que o caminho para a paz é apenas e só… a paz. Assim, sublinho, escolho ficar com os aviões na sua expressão máxima, o voar em paz e pela minha paz, o resto é da natureza e da escolha de outros.
Aviões são a paz, mesmo em ambiente de guerra, sempre!
Antonio Veladas, Jornalista & Piloto. Junho de 2022. Fotografias e imagens gentilmente cedidas pelo autor.
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