De Portugal até à Gâmbia em Ultraleve

Tudo começou com um telefonema de um adolescente com sotaque estrangeiro, e que ia perguntando (a pedido do pai que estava a seu lado e lhe falava em inglês) sobre a possibilidade de compra de um Landafrica. Disse-lhe que eu podia falar em inglês directamente com o pai. Assim fez, e rapidamente combinámos uma ida ao Campo de voo da Quinta do Alqueidão, onde a Aerodreams está sediada, para lhe mostrar as aeronaves que tínhamos para venda.

O senhor inglês voou tanto o Landafrica como o Citius e, desde logo, mostrou muita vontade de vir a adquirir uma delas. No entanto, esperava a chegada do sócio para tomarem a decisão final.

Passaram-se alguns dias e quando pensávamos que o negócio já não se iria realizar, eis que recebo um sms a pedir mais uma reunião e uns voos, para o sócio poder decidir.

Depois de experimentar os dois modelos de aeronaves fabricadas pela BRM – Construções aeronáuticas, lda., a decisão final foi pelo Citius devido à sua cabine mais ampla, capaz de alojar mais confortavelmente piloto e passageiros mais altos e espadaúdos, como eles e os turistas polacos que pensam levar a voar na Gâmbia. Sim, o ultraleve tinha como destino final a Gâmbia e era para irem a voar no avião, desde o Alqueidão até lá…

Para isso, era necessário fazer algumas alterações à aeronave e equipá-la para esta viagem. Facilmente poderíamos fazer as adaptações necessárias (depósitos suplementares e transponder) para que pudessem realizar o que nos parecia, mais que uma aventura, uma loucura!… Levar o avião a voar até à Gâmbia!

Mas os clientes estavam decididos, cumpriram esse desejo e quando lá chegaram, enviaram-nos fotos e um email com a aventura contada em primeira pessoa.

Aqui fica a minha tradução livre do relato que nos enviaram assim que conseguiram aterrar no destino.

 Jacqueline Costa

Em primeira mão.

“Depois de descolarmos do Alqueidão, fomos directos a Évora onde aterrámos cerca das quatorze horas locais. Daí até a Jerez apanhámos muitas térmicas, mas conseguimos lá chegar ao final do dia.

No dia seguinte, partimos de Jerez para Rabat, tendo que seguir muitos waypoints devido às restrições do voo VFR em Marrocos.

No terceiro dia, seguimos para Agadir, embora tivéssemos apanhado muita turbulência, e um vento de cauda de trinta e cinco nós. Aterrámos com ventos de trinta nós, com vinte graus cruzados. Estávamos muito cansados e apesar do ar fresco que nos entrava pela escotilha, estávamos todos suados e ambos arrasados quando aterrámos.

De Agadir seguimos para Laayoune. Embora tivéssemos descolado de manhã cedo, tivemos que voltar para trás, pois a visibilidade na linha de costa estava abaixo de quinhentos pés, podendo vir a baixar ainda mais, o que nos estava a deixar um pouco desconfortáveis. Por isso, decidimos regressar a Agadir onde tivemos que esperar até depois do meio-dia.

Depois seguimos pela linha de costa, conseguindo aterrar em Laayoune quatro horas depois, pois a rota pela costa, embora mais segura para nós, é mais demorada.

Nessa altura, tivemos que pedir uma nova autorização para transitar do espaço aéreo marroquino seguindo o voo VFR, o que resultou num grande atraso para a nossa viagem, pois fomos obrigados a esperar mais quatro dias até que obtivéssemos autorização para continuar o voo de Laayoune para Dakhla, na Mauritânia.

No dia seguinte, seguimos em direcção a Saint Louis, no norte do Senegal, numa viagem que nos pareceu interminável. Decidimos não pernoitar na Mauritânia, para evitar mais atrasos burocráticos, pois o nosso objectivo era mesmo poder chegar, ainda nesse dia, a Saint Louis.

Assim, confiantes e atestadíssimos de combustível, fizemos o troço mais longo e doloroso desta viagem, com sete horas de voo seguido!

Mesmo assim, conseguimos aterrar ainda com trinta litros de combustível!

Pernoitámos em Saint Louis, no famoso Hotel Aeropostale, onde Antoine de SaintExupéry escreveu o livro Terre des hommes! Cansados mas felizes, como o próprio autor.

No dia seguinte, deixámos Saint Louis em direcção a Bangul na Gâmbia, mas trinta milhas a sul de Dakar, começámos a apanhar nuvens muito negras que indiciavam o princípio da época das chuvas. Estas são mau sinal para o voo, especialmente quando acompanhadas de muitos CB’s, nuvens de fortes trovoadas, como era o caso.

Por isso, tivemos que voltar para Dakar, passámos uma hora a estudar a meteorologia e acabámos por tomar uma decisão arriscada de seguir para Bangul nesse mesmo dia. Aterrámos com apenas dez minutos de luz e rodeados de CB’s.

Uma viagem marcada, por vezes, com temperaturas muito altas, tanto no interior como no exterior, muita sede, uma enorme ansiedade por chegar e muitas áreas de baixa visibilidade, que nos obrigou a voar quase sempre a quinhentos pés.

O avião é, na realidade, muito fácil de voar. Apesar de todo o peso que levávamos, sobretudo em combustível, a máquina portou-se bem, à altura e sempre desempenhando uma performance equilibrada.

No total demorámos nove dias, trinta e cinco horas de voo, para poder levar um Citius da pista do Campo de Voo da Quinta do Alqueidão até Bangul, na Gâmbia.

Obrigado a todos os que nos ajudaram a realizar esta grande tarefa: Paulo Lemos, Manuel Vistas, Manuel Caetano, Eduardo Baptista, Victor Lourenço e Jacqueline Costa! “

Steven Turton e Alex Keith

Jacqueline Costa. Outubro de 2021. Fotografias Steven Turton e Alex Keith .

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