RESISTÊNCIA – uma questão de eficiência

A gestão da resistência, como elemento sempre presente num voo, com vista à eficiência, é hoje uma prática comum, quase reflexa.

Numa abordagem simples, perder-nos-íamos em conceitos meramente economicistas – como se pudessem ser desprezíveis ao preço a que está o “petróleo”… Mas a gestão da resistência, no planeamento de voo de cada Aviador, é muito mais que isso. Tem também a ver com autonomia, alcance, estabilidade, térmica, ângulo de subida, razão de subida, cálculos de descida e, claro, com eficiência e economia.

À luz das performances que hoje operamos, em que a gama de velocidades operáveis se apresenta cada vez mais larga, impõe-se, na minha perspectiva, a abordagem deste tema.

Esta imagem que vos proponho é um esboço, subjectivo quanto baste, de ordenadas e abcissas genéricas e em que as curvas representadas não reflectem um desempenho específico.

Peço-vos por isso o “open mind” necessário para a sua análise, centrando a atenção na tendência das curvas, sempre em função de uma velocidade abstracta. Atrevo-me a afirmar que para abordar a correlação de parâmetros, não encontraria melhor diagrama.

As curvas devem ser correlacionadas entre si para cada valor abstracto e independente de velocidade, tratando cada velocidade como se correspondesse a uma situação de linha de voo estabilizada – velocidade constante.

Outros factores serão absolutamente determinantes… A coordenação, por exemplo. Já o peso tem um efeito demolidor nas nossas delicadas performances. Todas as curvas (consumo e resistências) dispararão para valores mais elevados se nos encostarmos ao MTOM de um Ultraleve. Em contraposição, se aliviarmos o avião de todo o peso desnecessário que lá levamos, seja porque razão for, veremos as curvas baixar para valores mais modestos e apetecíveis!

Atentem, contudo, que momentos de voo partilhados valem bem a penalização de performance.

Resistência
Sem nos determos em divagações sobre os tipos de resistência, valerá a pena reter que a resistência parasita cresce de forma exponencial com o aumento de velocidade… e que a resistência induzida decresce, também exponencialmente, com o aumento de velocidade. Porque as duas resistências são cumulativas em cada instante, originam a curva de resistência total que se resume à soma, para todos os pontos, das 2 curvas independentes e que tem a forma de uma parábola. A conclusão óbvia é que em situações estabilizadas de baixas velocidades predomina a resistência induzida e, também por contraposição, temos a predominância da resistência parasita a velocidades mais elevadas.
A curva de resistência total aqui apresentada é, como vimos, genérica. Nos ultraleves será uma parábola mais “fechada” correspondendo a limites operacionais de velocidade mínima e máxima mais estreitos e também a razões de aspecto significativas.
É de leitura directa que a velocidade a que corresponde menor resistência total será um valor confortavelmente afastado das velocidades mínima (Vs1) e máxima (Vne). Curioso também o facto de haver valores de resistência iguais, correspondendo a velocidades a um lado e a outro, ou seja, abaixo e acima, desta velocidade de resistência mínima.

Sustentação e resistência – relação L/D
Naturalmente o objectivo não é gerar resistência é gerar sustentação, sendo a resistência um “dano colateral”. Em linha de voo, para todas as velocidades estabilizadas do envelope de desempenho, a sustentação e o peso equilibram-se, sendo ambos constantes.
Para uma sustentação constante (L) e uma resistência total (D) variável em função da velocidade, haverá um ponto da parábola que corresponderá à velocidade de resistência mínima.
Neste ponto será máximo o valor da relação L/D e tem diversas aplicações.

Propulsão, consumo e resistência
Em linha de voo – velocidade constante – a resistência e a tracção do grupo motopropulsor estão equilibradas. Assim, pode dizer-se que a cada valor de velocidade estabilizada corresponde um valor de resistência total… rigorosamente igual ao valor de tracção requerida para manter essa velocidade.

Autonomia máxima
Não será surpresa que a curva de consumo esteja rigorosamente “alinhada”, em vértice e em tendência, com a curva de tracção necessária/resistência total, correspondendo a velocidade de resistência mínima ao menor consumo por unidade de tempo, logo, à maior autonomia – tempo máximo de permanência em voo.

Alcance máximo
Numa análise simplista tornar-se-ia aparente que à velocidade de máxima autonomia poderia corresponder também o alcance máximo – distância máxima voável. Não é verdade e a razão é discreta!

Pelo facto de os vértices das parábolas de resistência total e de consumo corresponderem a uma zona da curva com prevalência horizontal, numa gama mais ou menos ampla de velocidade (consoante o tipo de perfil), obtém-se uma variação significativa de velocidade para uma “penalização” pequena de resistência. Poder-se-á, em valores médios, trocar 1% de penalização no consumo por 5% de aumento na velocidade e, como é evidente, a distância percorrida é directamente proporcional à velocidade e ao tempo. Uma das poucas situações em que o “crime” compensa!

Na prática e para gráficos e curvas concretas, a velocidade de alcance máximo obtém-se traçando uma tangente à curva de consumo que passe pelo cruzamento dos eixos do referencial. Esta velocidade ficará invariavelmente um pouco acima da velocidade de resistência mínima (L/D máx.), já na zona de estabilidade da curva de resistência total.

Estabilidade e resistência
Se traçarmos uma linha vertical a dividir a parábola da curva de resistência total passando pelo seu vértice, teremos 2 situações distintas de proporcionalidade… e de estabilidade!
A velocidades inferiores à do vértice estaremos na região de inversão de potência, ou seja, para voar estabilizadamente a velocidades sucessivamente inferiores, será necessário aumentar a potência para manter a resistência equilibrada; Já do outro lado, ao voar de forma estabilizada velocidades sucessivamente crescentes e superiores à do vértice, estaremos na região de proporcionalidade directa: maior velocidade maior resistência total maior tracção necessária! É, portanto, óbvio que a semi-parábola de resistência total “à esquerda” do vértice corresponde a uma proporcionalidade inversa entre os parâmetros velocidade e resistência/potência; deixando, à semi-parábola “à direita” do vértice, uma correlação dos mesmos valores em proporcionalidade directa.

E quanto a estabilidade? Asseguro-vos que é muito mais confortável voar em velocidades “à direita” do vértice e porquê?
Vamos olhar separadamente para um exemplo concreto de cada lado. Vamos tomar como exemplo uma qualquer aeronave que tenha por L/D Max. (vértice), para um peso específico, a velocidade de 70 Kts. Esta seria a velocidade em que teria a mais baixa resistência e em que precisaria de menos potência para voar estabilizada e a que corresponde o seu mínimo consumo horário (fuel flow). Vamos escolher 2 pontos, um à esquerda e outro à direita do vértice e vamos até assumir que estes 2 pontos, por curiosa coincidência, têm a mesma resistência: um a 40 Kts e outro a 110Kts.

Agora reparem nos 2 comportamentos:
• A 110Kts estou à direita do vértice numa situação estabilizada de linha de voo: Sustentação igual ao peso e resistência igual à tracção. Com potência constante, se por um desequilíbrio de qualquer ordem (ascendente, rajada, perda de altitude…) a velocidade aumentar… o aumento de resistência (agora maior que a tracção) fará com que a velocidade retorne ao normal. Da mesma forma, perante um decréscimo de velocidade, pela redução de resistência, também com potência constante, a velocidade tenderá a recuperar o seu valor inicial. É um equilíbrio estável!

• Por outro lado, a 40 Kts, supondo-nos à esquerda do mesmo vértice e com o mesmo valor de resistência, também em equilíbrio, vamos “involuntariamente” deixar cair a velocidade sem alterar a potência que a equilibrava… nunca mais a “agarramos” sem perder altitude e sem variar o motor! A resistência aumenta e fica maior que a tracção, agravando a redução de velocidade até atingir a velocidade de perda. Se, por outro lado, o desequilíbrio da velocidade for para a aumentar a partir da situação onde estava equilibrada, o aumento de velocidade reduz a resistência que por sua vez induz novo aumento de velocidade e assim sucessivamente… situação de equilíbrio instável!
Estaremos de acordo relativamente ao valor de velocidade em que este aumento descontrolado de velocidade vai estabilizar? Eu aposto em 110 Kt.

Um dia destes, vou tentar encontrar quais as velocidades, que melhor me servem, de mínimo fluxo de combustível estabilizado para as situações de 1 e 2 ocupantes Vou então tropeçar na velocidade de maior autonomia, tracção e resistência mínimas, ou seja L/D máximo (vértices das parábolas de consumo horário e resistência). Depois, deixo escorregar a velocidade na direcção da zona de estabilidade (talvez cerca de +5% ou mesmo um pouco mais…) para um valor que se mantenha com um “fuel flowpouco por cento acima do consumo mínimo e uma velocidade agradavelmente projectada para a frente…
Deve andar por aqui a velocidade de máximo alcance

Bons voos!!

António Rocha in Revista VOAR # 14 APAU. Desenhos António Palma. Republicado CAVOK.pt em Abril de 2020. As fotografias deste artigo são meramente ilustrativas e promovidas  por Luís Malheiro e Unsplash

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