Aviso aos Instrutores: Preparem-se!!!

Mandam as mais elementares regras do bom senso e da segurança que, daqui a uns tempos, quando o indesejado e intrometido visitante nos permitir, estejamos todos a pensar de que forma daremos azo à vontade de voltar a voar. Esta ânsia dá cabo de nós…

É fácil, arriscarão alguns, é só chegar ao campo de voo ou aeródromo, fazer o obrigatório aquecimento ao motor e pronto, se a mecânica estiver bem e eu tiver vontade, complementada com alguma gasolina no depósito, ala que se faz tarde.

Esta será a tentação que numa primeira abordagem ocorrerá à grande maioria de nós. Afinal, a meteo está de feição e já não voo há tanto tempo…

Será fantástico que tenhamos este tipo de tentações. Significará que conseguimos “atravessar” toda esta turbulenta situação sem estragos de maior. Portanto, e dando graças por termos conseguido emergir – com menor ou maior dificuldade –  do outro lado da pandemia, vamos lá criar condições para não deitar tudo a perder. Somos inteligentes.

Há muitos textos e artigos de opinião, de leitura aconselhada agora que estamos mais recatados, que nos relatam e sensibilizam para esta temática da ânsia de voar, muitas vezes condicionada pela disponibilidade profissional e familiar que, quando se conjugam, a meteorologia teima em não colaborar. Mas estes são os dados objectivos, aqueles que podem rapidamente ser avaliados, datas, tempos e condições. E a proficiência meus senhores? Estará bem? Quem a mede? Como se mede?

Permitam-me utilizar o meu exemplo pessoal. Há uns anos fui acometido de uma doença cuja probabilidade de sobrevivência é conhecida por ser dramaticamente baixa. Durante os 30 dias em que estive ocupado a conhecer os diversos recantos do Hospital (Bloco, UCI, etc), perguntava-me a mim próprio – entre outras coisas – se alguma vez mais voltaria a voar. Com alguma ajuda, consegui manter o discernimento necessário para continuar a fazer planos (aconselho-vos a fazer o mesmo, principalmente para os que se sentem mais “aprisionados”). Estabelecida a meta e assim que saí do Hospital, desafiei um instrutor para ir voar comigo. Desafio aceite, ficámos de identificar no futuro próximo, a coincidência de disponibilidades do instrutor, da meteorologia e da minha subjectiva capacidade física. Foram precisos quase 3 meses, para que se reunissem as condições que tínhamos definido como necessárias. No final de um voo tranquilo, que tínhamos determinado ser apenas um voo de contacto, mas que afinal evoluiu para verificação de proficiência, o instrutor – mal a aeronave se imobilizou – saiu porta fora. Atitude nada comum é certo, mas os instrutores – vá-se lá saber porquê, têm um pouco de psicólogos – e este percebeu, muito cedo, que o ter sido possível para mim voltar a voar e mais do que isso, estar capacitado para exercer as competências de comandante, teria consequências emocionais que, no mínimo, requeriam alguns momentos de celebração a solo. Já falamos, disse ele de saída.

Não é fácil traduzir em palavras esses momentos passados a solo, desde logo por serem muito pessoais, mas a única forma que este cidadão armado em piloto teve para chegar a esses momentos, percebendo se estava em “condições” ou não, foi levar um Instrutor a bordo. Por acaso estava, mas podia não estar… Fizemos o debriefing  minutos depois. Abraço emotivo incluído. Obrigado.

Não morri da doença, não ia morrer do vício! Para os dias de hoje e dito de outra forma, não morrer do vírus e correr o risco de morrer do vício não será lá muito inteligente

Portanto, meus caros amigos, cada um poderá verificar na sua caderneta, diário ou telemóvel, quando voou pela última vez. Quando pudermos voltar a voar, será mais do que provável que essas contas mandem para terreno plural a contagem do número de meses desde o último voo. Cada um terá a consciência das suas capacidades, mas estaremos todos de acordo que a única forma segura de avaliarmos a nossa proficiência é levar alguém ao lado que esteja habilitado para exercer essa avaliação. E não, não vale a pena argumentar que dentro do avião não há espaço para distanciamento social. Se tivermos que o observar (o distanciamento), significará ainda mais algum tempo sem voar…

Que raio, aguentei 1 mês de internamento, vários outros de tratamento e convalescença, mais um mês aqui por casa confinado, sobrevivo a tudo isto e não me aguento mais umas semanitas (poucas ou muitas, logo se vê) sem voar? Claro que SIM. Para depois voar e tornar a voar, em segurança, com prazer e sem aparecer (pelas piores razões) nas primeiras páginas de um qualquer jornal.

O garante de que tudo vai correr bem – do ponto de vista aeronáutico – e sem prejuízo de melhores planos, assenta numa espécie de troika:

  1. Verificação mecânica para atestar que a paragem prolongada não deteriorou a máquina;
  2. O piloto e todos os checklists necessários e
  3. Necessariamente, o Instrutor

Aviso aos Instrutores: se tudo correr bem, vão ter muito que fazer na linha da frente aeronáutica, cuidando de nós. Assim espero!

Nuno Franco. Abril de 2020. As fotografias deste artigo são meramente ilustrativas e promovidas por Unsplash Photos.

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