Rotax – O roubo de motores

Este é um fenómeno crescente por toda a Europa, e a gatunagem pouco se importa com pormenores como números de motor e registo anti-roubo. Os motores são vendidos a baixo preço para receptadores em países com muito pouca legislação e controle aeronáutico. Que fazer perante esta epidemia de roubos?

Em que posso ajudar o meu amigo?“ – Perguntou-me um senhor de boina e casaco impermeável que me viu a entrar dentro do hangar com uma máquina fotográfica. O seu olhar era um misto de cortesia e desconfiança.

Estou só a ver os aviões, nunca tinha vindo a este aeródromo. Estou baseado em Lichfield e voo pendulares” – Respondi. O meu sotaque, nestas alturas pouco confortáveis, perde um pouco o inglesado que consegui praticar ao longo destes anos e reverte imediatamente para uma espécie de russo misturado com espanhol. O que não ajudou nada a situação.

O meu amigo não se importa de mostrar alguma identificação?

Mostrei-lhe a minha carta de condução onde tinha a minha morada, e apontei para o meu carro estacionado no relvado.

Não leve a mal estar a perguntar, mas tem havido muitos roubos de motores Rotax, e todo o cuidado é pouco”.

Este foi um episódio que me apanhou de surpresa, e me levou a escrever este artigo. Eu, como qualquer outro entusiasta que gosta de ver aviões e visitar aeródromos, não estava nada à espera de ser olhado com desconfiança: mas é sintomático deste fenómeno que cresce de uma forma alarmante. O site da marca austríaca já tem mais de cem relatórios de roubos de motores Rotax na Europa. Itália, Holanda, Espanha, Reino Unido, Alemanha. Cem!!!!!

Os proprietários e frequentadores de aeródromos começam então a olhar com desconfiança para desconhecidos que visitam os aeródromos. E na verdade, quem os pode criticar por isso?

Muitas vezes os ladrões fazem-se passar por entusiastas, para poderem ver os aviões e fotografá-los. Para mais tarde virem roubar os motores, ou passarem a informação a ladrões experientes

E como esta rapaziada é experiente de facto! Na maioria dos roubos efectuados, nenhum alarme é accionado, as câmaras de vigilância são danificadas ou pouca imagem conseguem obter, e nem sequer o sistema de vigilância por infravermelhos que filma em plena escuridão está a salvo, graças a uma “app” que os meliantes podem facilmente aceder online e que permite visualizar o feixe em plena escuridão. Cortam paredes de chapa dos hangares nas traseiras fora do alcance, vestem de preto, e sabem exactamente quais os aviões que têm poucas horas de funcionamento e como retirar os motores dos suportes sem fazer qualquer dano. Informação de alguém de dentro do aeródromo? Pois. Não se sabe.

FLYER SHOW em Telford - Mike Silva

Não vai pôr as fotos nas redes sociais pois não?

 A proliferação de sites de Aviação que mostram a matrícula e onde o avião está guardado, bem como sites de venda de aeronaves que demonstram o total de horas nos motores, são uma ferramenta indispensável para os criminosos, e estão possivelmente na origem da obtenção de informação para perpetrar o crime. Cada vez mais existe um certo desconforto em deixar fotografar aviões, com receio que a sua localização seja publicitada. (E curiosamente, também para efeitos de fuga aos impostos, segundo consegui apurar. Mas isto é outro assunto)

Mas para que raio serve um motor Rotax roubado? Aquilo tem número de motor e é facilmente identificado!“ – Perguntarão.

A verdade é que vivemos numa sociedade em que isso pouco ou nada importa. Todos os dias são vendidos carros, maquinaria e camiões inteiros roubados e adulterados, e diversos componentes dispendiosos como centralinas, caixas de velocidades e motores são exportados todos os dias para toda a parte do Mundo num mercado que movimenta biliões.  Tudo situações bem mais difíceis do ponto de vista logístico e criminal de levar a cabo, quando comparadas com o furto e receptação de um pequeno motor do tamanho de uma grade de cervejas. O preço exorbitante de um motor Rotax de quatro tempos , aliado à localização por vezes remota dos aeródromos, são talvez os factores decisivos que levam os criminosos a optar por este tipo de crime relativamente fácil de executar.

Mas para onde vai o motor e onde vai ser utilizado? Pesquisando na Internet, não faltam felizmente casos em que as autoridades conseguiram interceptar carregamentos de motores para os países de Leste. Um dos casos mais conhecidos, foi o da apreensão em Itália de um camião de matrícula polaca com um motorista romeno e um ajudante ucraniano. Dados como este levam a crer que o possível objectivo dos criminosos é abastecerem os mercados do leste europeu, onde a legislação é mais permissiva e o controle técnico é praticamente inexistente. Os motores poderão ser aplicados em aeronaves totalmente fora de controle, ou as suas peças serem utilizadas em dispendiosas reparações de outros motores, com lucros substanciais. As autoridades europeias admitem que dificilmente estes motores serão vendidos ou usados na Europa ocidental.

O que fazer então?

A reacção a esta epidemia de roubos parece estar a caminhar em duas vertentes: Na identificação de estranhos que visitam os aeródromos, fingindo ser entusiastas, a quem é pedida uma identificação credível. Algo que um visitante de boa índole não deverá em princípio se importar. É aqui que entra, por exemplo, o cartão de uma associação de “spotters”. Mas qualquer documento com foto tem sido o suficiente. Após este episódio, dou por mim no aeródromo a perguntar aos meus amigos “quem é aquele gajo”?.

Por vezes a adopção de placards a dizer “sorria está a ser filmado” pode ajudar, bem como, de modo crucial, cada visitante desconhecido a um aeródromo ser convidado a assinar um registo de visita antes de ser deixado entrar dentro dos hangares.

E noutra vertente, que tem sido debatida e proposta à marca a criação de algo como um “QR code” estampado no motor que possa ser imediatamente lido por qualquer pessoa e onde possa ser verificado um conjunto de informações com diversos níveis, para além do número de motor, e onde possa ser confirmada a informação do livro de registo do motor – que é facilmente forjável.

O que parece estar a reunir grande consenso, é evitar publicitar nas redes sociais o local onde o avião se encontra guardado, e o número de horas no motor. E ter muito cuidado em caso de venda. Recusar dar alguma informação online ou por telefone a um “suposto interessado” em comprar o avião. Que por vezes, pode fazer perguntas tão “inocentes” como tentar saber “se o avião custa muito a tirar do hangar ou é preciso ajuda”.

Motor Merlin Spitfire FAP Ota

Pelo que sei, parece não haver ainda casos de roubos de Rotax a quatro tempos em Portugal. Nem este artigo pretende assustar os proprietários de aeronaves com estes motores instalados. O objectivo é alertar para a gravidade desta situação, e a estes pormenores que por vezes nem mesmo os mais interessados e dedicados entusiastas de Aviação têm conhecimento.

Concluíndo, a comunidade tem de trabalhar em conjunto, estar alerta, e dificultar a vida a esta ladroagem que anda a roubar o que aos outros tanto custou a ganhar. A imaginação e o empenho de cada um tem uma palavra a dizer, todas as opiniões neste momento são importantes.

Se desejar mais informação e registar o seu motor, visite o site da Rotax

Mike Silva. Publicado Março 2017 no CAVOK.pt, republicado Janeiro 2019. Fotos por Garett Mizunaka, Aaron Barnaby, Luis Malheiro e Mike Silva.

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