Ramo Aéreo do Corpo Nacional de Escutas
no escutismo de Robert S. Baden-Powell
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Apesar do Escutismo Aéreo funcionar um pouco por todo o mundo há mais de um século e embora tenha havido em Portugal, nos anos 80, louváveis iniciativas no sentido da sua implementação, a verdade é que no nosso Movimento há ainda alguma desinformação, quer sobre a sua história, quer a respeito do seu valor e das suas potencialidades junto das crianças e jovens que aderem ao projecto educativo no CNE.
Esta comunicação pretende de forma breve e despretensiosa, contribuir para algum conhecimento.
Palavras-chave: Escutismo – Aéreo – Ar
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1. Introdução
Ao longo dos séculos, os portugueses fizeram sempre questão de salpicar a história com a sua presença activa e com os seus valorosos e inovadores contributos para variadíssimas causas, bem como para diversas áreas da ciência; e muito particularmente nos tempos em que havia muito pouco ou nenhum conhecimento a respeito desses assuntos.
Fomos assim nos temas náuticos, com os descobrimentos e todas as invenções a estes associadas e, não fugindo à regra, fomos assim também mais tarde na Aeronáutica; prova disto é o facto de que em várias tabelas cronológicas referentes aos feitos históricos nesta matéria, logo após Leonardo Da Vinci (1490), talvez o mais notável cientista do século XV com o seu Codex Atlanticus, invariavelmente aparece inscrito o nome de um português: Bartolomeu de Gusmão; o padre que no ano de 1709 em Lisboa, perante o rei D. João V, fez elevar-se no ar um pequeno balão de ar quente, inventando o aeróstato e deixando assim abertas as portas à aerostação e à aviação, até que a 10 de Setembro de 1912 aconteceu o primeiro voo em avião a motor, realizado por um português em solo (espaço aéreo) português; esse feito teve lugar no Mouchão da Póvoa de Santa Iria e o seu autor foi o piloto Alberto Sanches de Castro aos comandos do seu «Voisin Antoinette».
Muitos foram os aeronautas portugueses que o sucederam alcançando feitos notáveis, dos quais se destaca a Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul, dez anos mais tarde (1922), protagonizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Portugal aderiu muito rapidamente à ideia proposta por Robert S. Baden-Powell (B. P.) pouco tempo depois do seu aparecimento. Aconteceu igualmente assim com a criação do Escutismo Marítimo entre nós; nada mais natural num país de grandes navegadores, voltado para o mar e com uma rede fluvial navegável como a nossa. Porém, o mesmo não se pode afirmar no que diz respeito à implementação do Escutismo Aéreo no nosso país.
As razões terão sido muitas, mas a mais plausível terá sido o facto de que à data, nas questões aeronáuticas, não tínhamos nem o património, nem os séculos de experiência adquirida como acontecia no domínio marítimo; nem podíamos ter, pois nessa altura apenas se começava a dar os primeiros passos (voos) na aviação; não só em Portugal, como no resto do mundo.
Independentemente da forma como tudo aconteceu, o que importa salientar neste momento, é de que o Escutismo Aéreo se encontra em funcionamento regular um pouco por todo planeta como ramo específico no escutismo, desde há mais de 100 anos, similarmente ao que acontece com a vertente marítima; houve inclusivamente no nosso país por volta dos anos 80, algumas iniciativas concretas nessa direcção, mas que não obtiveram a continuidade necessária ao seu enraizamento. Estando nós sempre a tempo, de fazer caminho andando ou navegando, surge desde há alguns anos a vontade renovada de implementar o Escutismo Aéreo no CNE, para que passemos também a fazer caminho, voando.
Assim sendo, no ano em que o Corpo Nacional de Escutas – Escutismo Católico Português comemora os seus 90 anos de existência, é chegada a hora de iniciarmos um ciclo novo nessa rota, herdando agora um património histórico de mais de um século em matéria de Escutismo do Ar, não deixando de explorar também nós, todas as potencialidades que este ramo do escutismo nos oferece em benefício do desenvolvimento e da educação das crianças e jovens nos dias de hoje.
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2. Um breve enquadramento Histórico
O aparecimento do Movimento Escutista em 1907 ocorre precisamente no advento do que viríamos a chamar, a era moderna da aviação e este facto terá que ser tido em conta para melhor percebermos a atmosfera em que se deram os primeiros desenvolvimentos no escutismo aéreo, que efectivamente só viria a ser assumido como um ramo do escutismo a 29 de Janeiro de 1941, apesar das actividades aéreas oficiais para escuteiros terem começado substancialmente mais cedo (1912).
Muito anos antes, em 1880, o Major Baden Baden-Powell (1860-1937), percussor do Escutismo Aéreo e irmão mais novo de B.P., presenciou pela primeira vez a ascensão de um balão, ficando deslumbrado com esse acontecimento; conheceu alguns dos balonistas e logo a seguir entrou para a Sociedade Aeronáutica. Foi incorporado na Guarda Escocesa em 1882, mas a sua busca pelos assuntos aeronáuticos continuou sempre activa e inabalável; com apenas 23 anos de idade, foi convidado a proferir uma palestra na Royal United Services Institution, sobre ‘Balonismo’, a qual acabou por se tornar profética por ter afirmado o seguinte:
«…parece surpreendente que um corpo de aeronautas não formem um ramo regular, em todos os exércitos civilizados do mundo». À época não existia nem Força Aérea, nem sequer aviões.
Baden Baden-Powell acompanhou os grandes pioneiros do balonismo na Europa e nos EUA; visitou as indústrias Zepelim na Alemanha; participou na libertação do Cerco de Mafeking, quando fazia parte das tropas de socorro em 17 de Maio de 1900. Em 1901, Marconi usou um dos papagaios ‘Levitor’ de Baden Baden-Powell, para elevar o radiotransmissor ‘Ariel’ até uma altitude suficiente, o que lhe permitiu realizar a primeira transmissão sem fio para a América; no ano seguinte, Baden Baden-Powell é nomeado Presidente da Aeronautical Society.
Em 1908 voou com Wilbur Wrigth em França, ainda antes do primeiro voo em Inglaterra. Foi também dos primeiros pilotos de planador e em 1910 desenhou e voou o seu avião com motor.
Os escuteiros que acompanhavam todo este pioneirismo na Aviação, especialmente o do irmão de B. P., iam participando pontualmente em actividades do Ar, mas é em 1912 que passaram a ter a possibilidade de obter a Insígnia de Aviador para Escuteiros, participando num curso sobre aeronáutica, dirigido pelo capitão Boyse e fortemente patrocinado pela ‘Liga de Mulheres Aviadoras’ (WAL), as quais tinham criado a ‘Liga de Jovens Aviadores’ (YAL) e apresentado ao próprio B. P. um programa para a formação do ramo aéreo no escutismo. O primeiro de muitos certificados do ‘Boy Scouts Airman’s Course’ foi emitido a 7 de Maio de1912.
O sucesso destas iniciativas foi dando corpo ao Escutismo do Ar e já não restavam dúvidas de que o nosso movimento estaria para sempre ligado a este ramo; era facto reconhecido por B. P.: «…um olhar atento para o sucesso do ramo Marítimo e os resultados igualmente promissores nas nossas aulas de Aviação em dez centros diferentes, encorajam-nos a continuar nessas direcções.»
Em Julho de 1932, Baden Baden-Powell escreve num artigo para a revista ‘Scouter’:
«…tem sido sugerido que os Escuteiros do Ar deverão ser organizados da mesma forma, que os Escuteiros Marítimos. Embora o ar esteja ‘sempre connosco’, acesso a aeródromos não é comum e apesar dos Escuteiros Marítimos poderem manobrar num qualquer ‘barco usado’, é improvável que um escuteiro possa ter acesso a um avião e, mesmo que o consiga, não seria capaz de voar. Por isso, parece-me pouco viável ter ‘Escuteiros Aéreos’. Contudo, podem ser realizadas muitas actividades por grupos especializados em técnicas do ar. Estarei sempre à disposição para dar qualquer tipo de conselho.»
Muito provavelmente estaria apenas a ser pragmático, para não criar falsas expectativas nos jovens, num contexto já por si desfavorável financeiramente e num tempo em que a aviação era extraordinariamente inacessível. Talvez por isso tenha sido ele mesmo a introduzir os planadores nas actividades do ar, o que deu aos grupos de escuteiros a oportunidade de construir aeronaves nas quais pudessem aprender a voar e a custos consideravelmente mais baixos do que nos aviões com motor. Em 1933, no 4º Jamboree (Gödöllö, Hungria), ficou evidente para B. P., que o Escutismo do Ar se tinha disseminado por várias nações; a sua expansão ainda continua no terceiro milénio.
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3. E o que será afinal, o ramo Aéreo no CNE?
Em linhas gerais, podemos afirmar que o Escutismo do Ar ou Escutismo Aéreo será um ramo do Corpo Nacional de Escutas, que assentará integralmente na sua Proposta Educativa.
As diferenças existentes relativamente aos ramos Marítimo e Terrestre têm fundamentalmente que ver com a nomenclatura e terminologia utilizadas nas secções e na componente específica deste ramo do escutismo, estando naturalmente adaptado à vertente aeronáutica com tudo o que isso implicar, também do ponto de vista da simbologia.
O Escutismo Aéreo tem como destinatários todas as crianças e jovens dos 6 aos 22 anos, que optando por aderir ao projecto educativo do CNE e tendo apetência ou gosto especial pelas questões relacionadas com a aeronáutica, queiram desenvolver ou aprofundar os seus conhecimentos nessas matérias e iniciar a prática regular e estruturada de algumas actividades afins, as quais sendo bastante diversificadas, não passam obrigatoriamente pelo exercício do voo tripulado na primeira pessoa, ou seja, pilotado pelo próprio a partir do ar.
No que concerne à sua componente específica, o Escutismo do Ar procura desenvolver nos jovens o interesse por variadíssimos assuntos, ligados directa ou indirectamente à aeronáutica, proporcionando-lhes não só os conhecimentos que fundamentam essas matérias, mas também a proficiência necessária à prática de algumas actividades daí decorrentes. Com efeito, esses temas específicos vão sendo aprofundados gradualmente, segundo programas devidamente estruturados e bastante rigorosos, sempre de acordo com as idades e experiência dos elementos, o que permite uma eficaz aplicação do Método, sem o qual como sabemos, o escutismo não poderia acontecer.
Se de entre as inúmeras actividades específicas que este ramo proporciona, apenas tomarmos como exemplo o do Aeromodelismo, por ser um tema incontornável e obrigatório no Escutismo Aéreo, facilmente podemos intuir quais as suas reais potencialidades na educação dos jovens e constatar sem hesitação que a sua prática, desenvolve pelo menos a habilidade manual e estimula o interesse pelos assuntos relativos à Aviação através da aplicação prática de ideias e teorias baseadas na técnica aeronáutica; num olhar mais atento, ficamos então a saber que se trata sem dúvida de uma excelente actividade educativa, ao exigir perseverança, precisão, raciocínio, método, camaradagem e sobretudo espírito de equipa, onde todos têm a sua função atribuída e que neste caso poderia ser, a de projectista, desenhador, construtor, mecânico, piloto, etc.; todas estas competências, postas ao serviço de um bem maior, ou seja, da progressão no ‘Pequeno Grupo’.
Como é óbvio, vivências desta magnitude pressupõem uma continuidade efectiva na sua prática e não podem por isso ser confundidas com uma participação esporádica em actividades propostas neste contexto, como acontece em situações de intercâmbio de experiências entre os vários ramos do escutismo; aliás, esta especificidade é sem dúvida, tal como o foi na vertente marítima, o mais forte argumento para a criação de um ramo aéreo no escutismo, uma vez que para além das componentes particulares de cada um, existe uma comunhão total no projecto educativo.
Ainda assim, o Escutismo Aéreo não tem como objectivo primordial, formar pilotos, mecânicos ou construtores de aeronaves; isso será apenas uma consequência natural na vida de uma grande parte dos jovens que passam por este ramo do escutismo e que decorre da sua vontade, capacidades e objectivos de vida. O ramo Aéreo no CNE contribui tão-somente, de uma forma simples, contudo objectiva e proficiente, para abrir o leque de oportunidades educativas, alargando–o efectivamente a temas concretos do foro aeronáutico; como em qualquer outro ramo do escutismo em todo mundo, cada um servir-se-á destas preciosas vivências em áreas específicas e normalmente pouco acessíveis à maioria dos jovens fora deste movimento, como lhe aprouver.
Apesar da vertente específica do Escutismo Aéreo estar objectivamente direccionada para assuntos relacionados com a aeronáutica (tida como uma área vedada à maioria das ‘bolsas’, por se pensar imediatamente em aviões), por princípio não deverá envolver grande discrepância de recursos, ou meios claramente mais dispendiosos do que os demais ramos Marítimo e Terrestre. Assim sendo, o Escutismo Aéreo não necessita ter alvos preferenciais, nomeadamente crianças e jovens oriundos de classes sociais financeiramente mais favorecidas; nem nunca poderá ter.
A Divisa do Escutismo Aéreo será: ‘Mais Alto’, ou em alternativa, ‘Sempre Mais Alto’.
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4. Actividades típicas no Escutismo Aéreo encolvendo o voo (técnico)
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5. Outras actividades específicas neste ramo do escutismo
O Escutismo Aéreo na sua componente específica, desenvolve nos seus elementos, os conhecimentos técnicos subjacentes no apoio directo às actividades de voo anteriormente referidas, bem como o aprofundamento de alguns temas que poderão não estar directamente ligados à sua prática. Assim sendo, o Escutismo do Ar cativa o interesse e estimula a capacidade dos jovens noutras áreas relacionadas com a aeronáutica, nomeadamente: Astronomia, cosmonáutica, meteorologia, navegação aérea, comunicações rádio, aeroportos, segurança e sinalética aeronáutica, modelismo, mecânica de voo, projecto e construção de aeronaves, aeropropulsão, foguetes espaciais, satélites artificiais, reconhecimento de aeronaves, etc.
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Luís Daniel Belo Lopes. Agrupamento 773 Póvoa de Santa Iria. Fotos meramente ilustrativas por Wayne Ray, Gnangarra, Florestan.