A viagem Bragança – Cascais

Avião: MS893A

Potência: 180cv

Autonomia: 4,30 Horas

Vel. Cruzeiro: 105 Knots

Tripulação: Vasco Simões e Arlindo da Silva

Passageiros: 2

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O meu amigo Vasco Simões – à data dos acontecimentos, ainda um ilustre desconhecido – comprou um avião ao Aero Clube de Bragança, que eu estava encarregue de vender. Tive oportunidade de voar com o Vasco, em Novembro de 2015, aquando da demonstração do avião e posteriormente numa viagem a Cascais para que o avião fosse examinado por técnicos independentes. A compra concretizou-se e o Vasco entregou um sinal para garantir a compra do aparelho, enquanto se assinavam os contratos de compra e venda.

Portanto, o avião permanecia em Bragança até que os contratos estivessem totalmente firmados. Isso veio a acontecer algures no mês de Dezembro. E foi pois, mais ou menos em meados de Dezembro que o Vasco me começou a ligar, umas vezes para se queixar da mísera meteorologia que assolava o país e, outras para trocar impressões comigo sobre as previsões, com o objectivo, claro, de ambos fazermos o ferry do seu “toy mais que tudo” para Cascais.

O Vasco via abertas na meteorologia, dia sim, dia não e eu, ia-lhe tirando gás e tentando persuadi-lo das dificuldades que iríamos encontrar se tentássemos realizar uma tal empresa.  Mas, ia-o “aturando” sempre com paciência e diplomacia, não fosse ele trocar-me por outro piloto, mas muito no íntimo, pensava, sempre que olhava pela janela, que só um louco se meteria a voar com aquele tempo, em que nem as aves se atreviam a sair do ninho.

O Vasco foi aumentando a pressão com a proximidade do Natal, mas depois acalmou e eu respirei aliviado, porque o tempo continuava totalmente marginal. Salvo erro no final do ano, o Vasco ligou-me a pretexto de me desejar umas boas entradas e, para informar que tinha estado a estudar a meteo e por volta do dia 4 ou 5 seria possível fazer o voo e até já tinha alugado carro para se deslocar de Lisboa para Bragança e tinha comprado também para mim, um bilhete na linha aérea de Cascais para Viseu, com a possibilidade de alterar as datas, para eu poder regressar. Devo ter proferido mentalmente um chorrilho de impropérios e pensei, “dinheiro deitado à rua, com este tempo ninguém voa”. Mas, nesse momento nasceu dentro de mim o espírito de missão e se o Vasco já tinha gasto o dinheiro no carro de aluguer e no bilhete, eu teria que me empenhar, afinal era deste tipo de desafios que eu gosto. Mas, por muito optimista que eu tentasse manter-me, a meteorologia continuava péssima, desencorajando sequer a pôr o nariz fora da porta, quanto mais ir voar.

Passei a estudar a meteorologia mais duma vez por dia, mas as perspectivas eram frustrantes para voos VFR.

No Domingo dia 3, a meteo desaconselhava qualquer voo VFR no dia 4 e muito menos de Bragança para Cascais e assim, ficou decidido que o Vasco sairia de Lisboa cedo no dia 5, de forma a estar no aeródromo em Viseu o mais cedo possível, onde eu deixaria o meu carro para depois ter transporte quando regressasse na Linha Aérea. Nessa altura o Vasco perguntou-me se podia levar um casal amigo e como o avião tem 4 lugares, eu respondi instintivamente, que sim. Mais tarde, já a preparar-me mentalmente para a viagem, arrependi-me porque, não conhecendo os passageiros e sabendo que não iria ser um voo para grávidas, agravado ainda pelo facto de, quanto mais pesado o avião estivesse, menos manobrável se tornaria, seria por isso aconselhável, voar o mais leve possível.

Bom, como imaginei que o Vasco iria ficar desiludido, se lhe ligasse a pedir para deixar os passageiros, pensei abastecer apenas o combustível necessário para chegar a Cascais, mais 45 minutos de reserva. Chegado o dia D, 5 de Janeiro de 2016, levantei-me cedo e olhei pela janela para confirmar aquilo que já sabia, o meteorologia estava uma “bosta”. Liguei para a meteo do aeroporto do Porto e, se a minha alma estava desolada, mais desolada ficou. O Vasco já estava a caminho, mas eu já tinha interiorizado uma máxima da qual não me iria afastar, por nada deste mundo, estar sempre cinco minutos à frente do avião. Tínhamos combinado encontrar-mo-nos no aeródromo de Viseu às 9 horas da manhã, porque os dias em Janeiro são curtos, mas nem de propósito, o Vasco chegou apenas às dez, acompanhado por um casal amigo brasileiro, descontraídos e sem pressas.

Indiquei-lhe o caminho mais rápido para A24 e 15 minutos depois estávamos a subir a serra do Montemuro, onde nevava intensamente, como eu só vira nos Alpes. O casal brasileiro estava fascinado, porque nunca tinha visto neve e o Vasco parou em plena autoestrada para que os amigos pudessem sentir e ver a neve, enquanto o meu pensamento vagueava perdido, pensando que teria que voar naquelas condições para Cascais. Chegados finalmente a Bragança, havia que entregar o carro de aluguer e como sempre acontece nestas circunstâncias, havia mais dois clientes à nossa frente para uma só empregada. Perdeu-se ali uma preciosa hora e, finalmente libertos do carro, chegou a fome ao Vasco e aos passageiros.

Quem me conhece, sabe que eu nunca tenho fome quando voo e por outro lado, aquele iria ser um voo agitado e a última coisa que queria, era passageiros a vomitarem nas minhas costas, mas anuí a que se comessem umas sandes no café mais próximo, com o Vasco a reclamar que era a terceira vez que ía a Bragança e não comia a famosa posta mirandesa. Entretanto o Victor Meles, Presidente do Aero Clube tinha chegado e queria ainda passar pelo Banco para fazer o depósito do restante pagamento do avião, enquanto eu e os passageiros esperaríamos no café.

O relógio avançava inexoravelmente e quer o Victor quer o Vasco não havia maneira de chegarem.

Aconchegava-me a alma o facto da meteorologia estar mais amistosa do que em Viseu e sempre daria para fazer um voo local e através dalguns buracos, até podíamos ir acima das nuvens, espreitar a meteorologia por lá, (e assim a desilusão do Vasco e dos seus passageiros não seria tão acentuada), mas mesmo, perante tantas questões, depositei plano de voo para Cascais, com descolagem às 14 horas e Santa Cruz como aeródromo alternante.

Naquelas condições, qualquer planeamento ou estimativa, seria pura utopia.

O objectivo era fazer um voo local, que poderia acabar num qualquer aeródromo que estivesse na rota, o plano B era chegar a Cascais. O vento era moderado de cauda e partindo do principio que podíamos prosseguir directos, o voo teria uma duração de 2,15 minutos, pelo que deveríamos aterrar uma hora antes do Pôr do sol. Entretanto, o Vasco e o Victor chegaram e seguimos no carro deste último para o aeródromo. Tirar o avião do hangar, fazer a inspecção exterior e empurrar o avião para a bomba de gasolina, foi feito em tempo record, mas nem assim iríamos conseguir descolar sem um ligeiro atraso em relação à hora prevista de descolagem. Tive que regressar de novo ao hangar, a cerca de 200 metros da bomba de gasolina e quando regresso, o avião estava “atestadinho” com 170 litros de Avgas 100LL por ordem do Vasco. Uma contrariedade grave, porque eu só tinha intenção de abastecer 120 litros, mas decido rapidamente, para aliviar peso, deixar a minha mala de aviador, retirando as cartas de aproximação de Cascais e Santa Cruz um mapa e o GPS. O Vasco possuía um Ipad com o programa de Navegação Skydemon que, já me tinha impressionado pela positiva, nos últimos voos que havíamos realizado juntos, por isso não me preocupei mais. Retirei tudo da bagageira e como o ar estava denso e as temperaturas baixas, tinha a certeza que não haveria problema.

Tomámos os nosso lugares no avião e iniciamos o checklist interior com o objectivo de pôr o motor em marcha, mas a bateria tinha entregue a “alma” ao criador. Penso lesto e a solução mais rápida seria trocar a bateria descarregada pela doutro avião e, corro de novo ao hangar para fazer a troca. A nova bateria estava nas mesmas condições. Este material não gosta de temperaturas baixas e por causa do mau tempo, ambos os aviões estavam imobilizados há várias semanas. Desesperado porque o tempo escoava-se, procuramos e encontramos uns cabos que já tinham visto melhores dias e como a viatura mais próxima era dos bombeiros, desta vez não lhes foi pedido para apagarem o fogo, mas para dar fogo no nosso motor. Finalmente o motor ganhou vida e agora tínhamos outro problema, que sabia à partida existir. Este avião não tem tomada externa de corrente, pelo que é necessário tirar o capot superior do motor para chegar à bateria e depois, só se pode recolocar com o motor parado, por causa do hélice. Ou seja, iria ser necessário deixar trabalhar o motor durante 10 minutos (que nós não tínhamos) antes de o desligar e rezar para que a bateria tivesse carregado o suficiente para arrancar de novo com o motor.

Decorridos os 10 minutos, desligamos o motor, colocámos o capot, acionamos o arranque e o motor adquiriu vida de novo. Como já estava quente e, já tínhamos feito os testes ao motor enquanto carregávamos a bateria, rolamos de imediato para a cabeceira da pista 20 (embora o vento estivesse de norte, mas moderado, preferi a 20 porque era a descer, não tinha obstáculos na saída como 02 e com um ligeiro desvio à direita, ficávamos logo no rumo de cascais).

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A viagem

Como se não bastasse a condicionante meteorologia, eu senti também a pressão do pôr do sol. Alinhados na pista 20, com cerca de 1.850 metros de comprimento, (apesar da “pressão do relógio” aproveitamos cada metro de pista) prontos a descolar, libertamos os 180cv e finalmente o avião começou a ganhar vida. E decorridos 400 metros estávamos a voar. Como o avião estava carregado e eu não tinha a certeza do seu comportamento em voo, tinha acordado com o Vasco fazer a descolagem e voltar a passar-lhe o avião logo que entendesse oportuno.

A temperatura no aeródromo deveria rondar os 5 ou 6 graus e o ar era denso e isso fez-se sentir no excelente desempenho do avião. Apesar de estar no peso máximo à descolagem subia orgulhosamente a 600 ft/min. O tecto de nuvens estava a cerca de 1.200 ft QFE por isso, rumei para um buraco relativamente grande a sudeste do aeródromo e enrolei subindo nele, (a serra na Nogueira, na nossa rota estava tapada) e aos 5000 ft QNH estávamos on top.

Entretanto o Vasco tinha activado o plano de voo com intenção de subirmos para FL075. Com o Vasco já aos comando, com o seu equipamento hightech introduziu o rumo directo a Cascais. Atingimos FL075 ainda a subir uns confortáveis 300 ft/min, mas os estratos estavam cada vez mais altos e por isso informamos o FIS de que íamos continuar a subida para FL095. Estabilizamos em FL095 à passagem de Mirandela e os estratos por baixo de nós subiam e adensavam-se, tampando os buracos que em Bragança eram generosos. Eu podia ver ao longe que o top estava acima do nosso nível, por isso pedimos autorização (íamos entrar em espaço aéreo controlado, necessitávamos de autorização) para subir para FL105, prontamente concedida por Lisboa Militar.

Encostamos a potência ao máximo e ajustamos a mistura, mas o avião “arrastava-se” penosamente, subindo uns míseros 50 ft/min. Eu não sou propriamente virgem a voar em condições de gelo, por isso vinha regularmente a testar o aquecimento do carburador, porque como é sabido, o gelo pode formar-se no carburador a partir de 5 graus positivos e pelas minhas contas, deveríamos ter uma temperatura exterior de 8 a 10 graus negativos.

Aciono de novo o aquecimento do carburador e o avião perde potência e altitude. Como em Portugal raramente se voa em condições de gelo, muitos pilotos não sabem utilizar e interpretar os sinais de gelo no carburador, por isso deixo aqui uma dica. Se o piloto está a voar em condições de gelo, deve acionar o aquecimento do carburador regularmente, puxando o respectivo manípulo todo a trás e, atentar aos RPM. Se, ao acionar o aquecimento do carburador os RPM aumentarem, significa que o carburador tinha gelo e deve manter o ar quente ON, todo a trás,  até que as RPM voltem a cair. Se acontece o contrário, ao accionar o ar quente ON os RPM caírem, significa que o carburador está desimpedido, por isso deve colocar-se o ar quente de novo todo à frente, em OFF.

Entretanto, tinha chegado o momento de tomar a primeira decisão, segundo o moto, permanecer 5 minutos à frente do avião.

Continuar naquele rumo e a subir pouco, corríamos o risco de entrar nas nuvens, pelo que decidimos voltar para atrás e descer num buraco que tínhamos passado cinco minutos antes. Informamos Lisboa MIL das nossas intenções prevenindo que muito provavelmente iríamos perder contacto.  Enquanto descíamos, evitando os estratos, notei que o Vasco estava a usar mais amplitude de comandos que o necessário e chamei-lhe a atenção para o facto de termos dois passageiros a bordo, mas afinal eles estavam perfeitamente à vontade, descontraídos e a gozar o voo.

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Entretanto estávamos por baixo da camada, com uns confortáveis 800/1000 ft AGL e com uma boa separação às nuvens. Conheço o terreno naquela zona, quase de olhos fechados e sabia que, para passarmos em segurança teríamos que subir para 5500 ft, ou seja, mais 1000 ft do que indicava o altímetro. Tentámos voar para este, por onde parecia melhor, na esperança de encontrarmos um corredor, mas a “cortina” estava mesmo até ao chão. Restava-nos seguir pelo vale do Rio Douro para oeste, que à ida para Bragança de carro nos tinha parecido desimpedido.

Passámos a Régua e  parecia que a base das nuvens estava cada vez mais alta (mas na realidade era o terreno que estava a descer e que nós acompanhávamos descendo também). Ao longe começava a notar-se uma melhoria da visibilidade e depois de passarmos Entre os Rios, já podíamos retomar de novo o rumo de Cascais desde que fossemos autorizados a subir. Como tínhamos perdido contacto com Lisboa MIL (mais tarde soube que Lisboa Militar esteve incansável à nossa procura, pedindo a Viseu e ao avião da Aerovip que estava por aquela zona para nos contactar, porque tinhamos desaparecido do radar e não conseguia contacto radiofónico connosco) contactamos o APP do Porto que nos autorizou a subir , pelo que pedi ao Vasco para introduzir o rumo directo para Cascais, que ele tinha no seu Ipad com o Skydemon.

Tínhamos perdido muito tempo e, cada segundo contava, para chegarmos antes do pôr-do-sol. Porém, notei que o Vasco estava com uma tendência inexplicável de rumar à costa. Tanta vez lhe chamei a atenção para manter o rumo, que me vi obrigado a perguntar porque razão não mantinha o rumo directo a Cascais. A resposta veio pronta, “porque gostava de mostrar a costa aos meus amigos. Aaaaahhhh.

Bom, a meteorologia a partir dali estava propicia para principiantes, com visibilidade de polo a polo, mas overcast a 5.000 ft QNH, o que significava que, iria anoitecer mais cedo, por isso comecei a fazer as minhas contas e apesar da Velocidade Terreno ser uns estonteantes 120 Knots, mesmo assim, o nosso ETA era muito próximo do fim do crepúsculo vespertino que, eu não queria de forma alguma ultrapassar.

Quando estávamos Abeam de Santa Cruz, comuniquei ao Vasco que tinha decidido alternar para Santa Cruz e pedi para informar o FIS das nossas intenções. O Vasco desatou num “pranto” confrangedor, porque éramos 4 pessoas, custos de hotel, mais refeições e o avião teria que ficar na rua , etc, etc. Não me deixei comover e ele acabou por passar a mensagem a Lisboa MIL, que respondeu dizendo, que Cascais estava à nossa espera. Nasceu uma alma nova ao Vasco e perante isto, fui “obrigado” a anuir. Pelas minhas contas devíamos chegar no limite do crepúsculo, por isso apelei a todos os Santos que nos ajudassem a aterrar dentro da hora legal e não desse oportunidade ao ANAC de me levantar mais uma contra ordenação de milhares de euros. Entretanto, enquanto passava os olhos pelas cartas de aproximação, lembrei-me ter lido ou, alguém me ter contado que as taxas para aterragens depois do pôr-do-sol em Cascais, eram ruinosas para o utilizador e disso informei o Vasco, que respondeu, mesmo assim seria mais barato do que ficarmos em Santa Cruz.

Continuámos a desfrutar o voo naquele fim de tarde tranquilo, que todos, cada um à sua maneira íamos gozando com deleite e quase a chegar a Sintra o Vasco comenta, que talvez fosse melhor pedir a Lisboa MIL para perguntar a Cascais o valor das taxas e um minuto depois chegou a resposta: 260 euros, mais taxa de aterragem, mais IVA,  o que dava tudo cerca de 320 Euros!!!!  Então vamos para Santa Cruz – diz-me o Vasco com a sua fleuma britânica. Não vamos não, porque já é de noite, o aeródromo em Santa Cruz está fechado, por isso prosseguimos para Cascais – respondi-lhe eu. Cascais estava realmente à nossa espera, com tudo iluminado, que mais parecia uma árvore de Natal. Aterramos na 35 no preciso momento em que terminava o crepúsculo vespertino e logo que saímos no taxiway, a torre despede-se e desliga tudo. Tinha terminado a aventura e com toda a gente feliz, incluindo os passageiros que se portaram à altura, como fazendo parte da tripulação. No dia seguinte o Vasco festejava o seu aniversário e queria oferecer a si mesmo um passeio no seu próprio avião.

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THE DAY AFTER

Tínhamos combinado, que o Vasco me ia buscar ao hotel, não muito cedo, até porque ele fazia anos e o meu voo para Viseu na Aerovip era apenas às 15,45 horas. O tempo apresentava-se carregado e de vez em quando, descarregava um aguaceiro. Para Sul apresentava uma boa visibilidade mas a serra de Sintra estava tapada, Chegamos ao aeródromo e tirámos o avião do hangar que, tinha passado a noite na rua, (quando chegamos no dia anterior já toda a gente tinha recolhido a suas casas), mas de manhã alguém já o tinha recolhido para o hangar, que iria ser a sua futura base.

Abastecemos sem stress e finalmente, vem o desejo da Vasco, de fazer um “voozinho” de preferência até Ponte de Sôr. Argumentei que não havia condições, o tecto estava baixo, talvez 1500 AGL, a serra de Sintra estava tapada, o vento estava alinhado com a pista 35, mas muito forte e não havia ninguém a voar, o que indiciava não ser “saudável” voar. Quem me conhece sabe que nunca me faço rogado para voar, por isso o Vasco facilmente me convenceu e lá vamos nós a caminho do ARO para tentar negociar a as taxas do dia anterior (tempo perdido) e depositar um plano de voo para Ponte de Sôr.

Aguardamos no avião a chegada da ATC clearance para plano de voo e pouco depois estávamos a rolar para a cabeceira da pista 35 e agora com depósitos meios e apenas com o António (também piloto) como passageiro, pouco depois estávamos no ar a caminho de Cascais onde o Vasco vive, depois seguimos linha de costa até ao Cabo da Roca onde o vento era extremamente forte vindo do mar e ao chegar à serra criava uma fortíssima corrente ascendente (orográfica), pelo que o Vasco tinha que empurrar o manche com força para impedir que o avião subisse e violasse a TMA de Lisboa. Uma experiência nova, que o Vasco nunca tinha vivido. A meteorologia do lado norte da serra estava uma “bosta”, com tectos mais baixos e visibilidade mais reduzido mas, mesmo assim superior a 10kms. O ATC de Lisboa estava “nervoso” porque a pista em uso era a 21 e não “via com bons olhos” a nossa travessia, directos a Ponte de Sôr e em lugar de nos deixar prosseguir via Sobral de Monte Agraço, Santarém e Ponde Sôr, despachou-nos para Cercal, Santarém.

Nem de propósito, exactamente para onde a meteorologia se apresentava mais hostil e com visibilidade notoriamente abaixo de 10 kms.  O Vasco, procura no seu Ipad o Cercal e, não encontra, valeu-nos a minha carta de papel e tinta. Uma vez mais o meu stress contrastava com a calma do Vasco que continuava a pilotar o avião por onde eu o mandava, alardeando uma confiança cega.

Seguimos a baixa altitude………Piii, e chegamos a Santarém, com tecto baixo, mas com boa visibilidade e daí até Ponte de Sôr, aproveitei para relaxar, preparando-me já para o regresso. Depois de abastecermos o avião, o Vasco sente-se de novo “acometido” da mesma fome que tinha sido “vítima” em Bragança e prepara-se para ir almoçar de faca e garfo. Recuso e tento chamá-lo à realidade, afinal era o dia dele, mas razões alheias se levantavam mais alto, mas ele estava decidido. Apelo a todo o meu poder de persuasão argumentando que a meteorologia estava a agravar e não sabíamos se íamos conseguir passar a serra de Montejunto cuja altitude de segurança é de 3500 ft QNH. Lembro que o meu voo é às 15,45 e entretanto já são 13 horas.

Continuei, argumentando que se houvesse tempo, quando chegássemos a Cascais, ainda podíamos ir festejar juntos. O Vasco, vencido, mas não convencido, lá acedeu irmos depositar plano de voo e finalmente às 13,50 estávamos a descolar para Cascais via Santarém, cabo da Roca. Em Santarém encontramos as mesmas condições que tínhamos tido à ida, mas tínhamos pouco depois a meteorologia tinha-se agravado radicalmente……. Piiiiii e decidimos alternar para Santarém. Não tinha plano B e iria preparar-me melhor com os pés bem assentes no solo e tentar encontrar uma alternativa para chegar a Cascais. A meteorologia estava melhor pelo interior e tentamos negociar com o ATC de Lisboa a passagem por Vila Franca de Xira, VOR de Lisboa, VOR de Cascais a baixa altitude, mas nada feito.

A pista 21 estava activa e os “donos daquilo” não nos queriam por perto.

A meteorologia parecia ser substancialmente mais simpática para sul e apesar de estarmos fora do espaço aéreo controlado, propomos ao ATC autorização para prosseguir de Santarém via Montijo (se não houvesse actividade na base podia ser que tivéssemos sorte), Caparica, Bugio e Cascais. Eu, que já tinha desistido do meu voo para Viseu, comecei a ganhar nova esperança quando a autorização chega. Bingo! Iria chegar a tempo do voo, mas foi sol de pouca dura. Pouco depois somos “convidados” a contactar a aproximação de Montijo que revoga a autorização para atravessar a sua CTR e encaminha-nos para Venda Nova, Setúbal……. Raios e coriscos, ia perder o avião. O Skydemon do Vasco calcula que chegamos às 15,30 horas, o meu voo era às 15,45. Tínhamos vento de frente, mas quando voltássemos para norte íamos ter uma ajudinha de vento de cauda e talvez o ETA melhorasse. O meu nervosismo aumentava, contrastando uma vez mais com o à vontade do Vasco, mas notei que ele estava a aprimorar a pilotagem e a navegação o que significava, que também ele estava preocupado. Finalmente tínhamos Cascais à vista e avaliando pela potência aplicada a voar a 1500 ft QNH e a fazer 125 knots VT, estávamos de certeza com forte vento de cauda, no mínimo 15 knots, por isso, a pista em uso seria a 17. Cascais confirma o que eu temia, pista em uso 17. Significava que íamos perder mais 3 minutos no circuito e outros tantos até chegar à placa, m….., estava condenado a “morrer na praia”.

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O Skydemon continuava a estimar Cascais às 15,30! Se tinha que perder o avião, pelo menos que me ficasse a certeza de tudo ter feito ao meu alcance, por isso pedimos autorização para aterrar directos na 35. Um surpreendido Stand by veio como resposta da TWR de Cascais. Decorridos poucos segundos vem a pergunta da Torre, “se aceitávamos vento de 210 com 17 Knots”. Afirm, foi a nossa resposta pronta e, logo de seguida o nosso pedido de  autorização para sairmos à esquerda para o terminal de passageiros. Autorizado!

O Vasco deve ter repassado rapidamente tudo o que tinha aprendido na escola de pilotagem e deve-se ter perguntado quando teria perdido a aula de aterragem com vento de cauda com 17 Knots, pelo que, decidiu entregar-me os comandos. O vento estava mesmo forte com turbulência severa na cabeceira da 35, mas a aterragem foi suave. Saímos rapidamente à esquerda directos ao Dornier da Aerovip que parecia esperar por mim.

Salto do avião e corro, parecendo ter asas nos pés, emprestadas pela necessidade de chegar a tempo de embarcar (ainda tinha que fazer o check in e eram 15,32 horas) e com receio que o Vasco me convidasse para outra aventura.

Chego junto ao Balcão do Check in, longe de imaginar que estava prestes  a embarcar noutra grande aventura. Ás 15,42 o Dornier estava a descolar na pista 35 e a minha maior aventura tinha começado. Piii.

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Finalmente, às 23,40 horas accionei o comando à distância para abrir o meu carro estacionado no aeródromo de Viseu e às 24 horas em ponto do dia 06 de Janeiro estava a entrar em casa, com o pequeno almoço tomado às 8,30 mas, SÃO E SALVO.

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Arlindo Silva. 15 de Junho de 2016. Fotografia Arlindo Silva.

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