“Está tudo a postos para irmos para a neve. Vamos divertir-nos muito! A previsão indica bastante neve, vamos ter cerca de 60cms e digo-te, vamos aproveitá-la ao máximo!” Os dois indivíduos sentados numa mesa próxima da minha no café onde eu estava discutiam e gesticulavam muito animados: “Deixa-me que te diga que para esquiadores avançados compensa investir em material de esqui: protecções para o corpo, cotoveleiras e definitivamente um capacete novo. Tens de ver as últimas evoluções do material, com ventilação, protecção anti-impacto… basta imaginares… ir a 100km/h com essas protecções é ao mesmo tempo aterrador e pura adrenalina, digo-te.”
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Qual será a chance de haver paramédicos envolvidos nesta “aventura de Inverno?”. Qual é o comportamento de tomada de risco adicional encorajado pelo sentimento de protecção que temos com as novas tecnologias? Os capacetes são equipamento de segurança, redes de protecção em caso de impacto. Usamo-los para nos protegermos mas sabendo que as temos, consciente ou inconscientemente, isso afecta a maneira como agimos.
Isto é chamada a “compensação do risco”. Esta teoria sugere que, no geral, as pessoas ajustam o seu comportamento com uma resposta ao nível percepcionado de risco. Tornam-se menos vigilantes quando se sentem mais protegidos e mais vigilantes na situação inversa.
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Lembro-me quando o sistema de estabilização (ESP) do meu carro entrou em acção pela primeira vez. Ao saber que o meu carro tinha vários sistemas de protecção, acho que a minha maneira de conduzir em segurança envolvia tirar vantagem deles. Até que num dia de Dezembro, a velocidade normal, faço uma ligeira curva e subitamente perdi o controlo do carro – talvez a superfície da estrada estivesse com gelo. O carro começou a “dançar” e as bermas de ambos os lados começaram-se a aproximar-se perigosamente… até que o carro corrigiu por si a trajectória, dando-me a oportunidade de desacelerar e voltar a ter o controlo do mesmo.
Poderia isto ter-me acontecido numa viatura sem ESP? Definitivamente que sim, mas provavelmente não a esta velocidade. Apercebi-me que o sistema salvou a minha vida, vida essa que eu tinha posto em risco por confiar no ESP. Um trabalho bem feito pelo sistema podem dizer uns, mas a verdade é que os benefícios de uma rede de segurança podem ser menores do que o expectável. Alguns chegam a indicar, de forma controversa, que o efeito da compensação de risco é tão grande que abafa completamente os benefícios esperados. Infelizmente, estes estudos são para a segurança na estrada e não sabemos se os mecanismos se aplicam a nível aeronáutico também.
No entanto, devemos apreciar e maximizar os benefícios das redes de segurança. E esses benefícios são reais – a probabilidade de ocorrer uma colisão no ar sobre a Europa é muito baixa. Este nível de probabilidade tem suporte nas redes de segurança existentes, como o ACAS (Airborne Collision Avoidance System). Estas ajudas são a última linha de defesa, existem para lançar as redes em situações perigosas. Não é surpresa por isso que, quando as redes que existem e que são necessárias não estão disponíveis ou são usadas de forma errada, o resultado é sério.
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Todos os anos, estudo com os provedores de Serviços de Navegação Aérea Europeus, uma amostra dos incidentes mais sérios relativos à segurança. Este ano, a amostra continha quatro incidentes que quebraram todas as barreiras de colisão no ar, sendo que apenas não ocorreram por pura sorte. Todos estavam relacionados com redes de segurança relevantes. Dois deles envolveram manobras opostas à indicação do Resolution Advisory (RA) do ACAS por parte dos pilotos e os outros dois, a falha do transponder. É uma preocupação grande saber que após todos estes anos de promoção da consciência e um forte ênfase nos procedimentos operacionais, alguns pilotos continuem a tomar acções contrárias à indicação do RA.
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A falha dos transponders é outro paradoxo. Não há muita gente que considere o equipamento como uma parte crítica tal como o motor de uma aeronave. Afinal, as aeronaves podem voar sem ele. Mas os transponders são tão críticos para a segurança como um motor. Quando inoperativos, podem ser o ponto de rotura na estrutura geral da aviação que temos e que gere o risco de colisão no ar – não surgem nos radares secundários do Controlo de Tráfego Aéreo (CTA) e não faz funcionar o ACAS das outras aeronaves, por exemplo.
Ao falar com os pilotos sobre esta problemática, argumentam que esta falha será imediatamente vista pelos Controladores e estes reagirão de forma padronizada. Ao falar com os Controladores, estes dizem que os pilotos ficam imediatamente a saber quando existe uma falha no equipamento e que mudariam para outro operacional, ou que o próprio sistema automaticamente detectaria essa falha e mudaria para o alternativo. Nada disto é verdade.
A falha de transponder é um exemplo claro de um problema subestimado, onde toda a gente espera que outra pessoa o resolva. Tanto compensar como subestimar o risco afectam os benefícios destas redes de segurança, ao não assegurar convenientemente a fiabilidade destas redes como um conceito geral de aviação, que envolve as operações em terra, no ar, a automatização e os procedimentos.
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Com cada vez mais equipamentos/instrumentos a ser desenvolvidos, estamos cada vez mais a tornar-nos utilizadores avançados. Mas devemos resolver estas questões, caso contrário as redes de segurança irão dar-nos uma margem mais pequena de segurança do que aquela que percebemos.
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Tradução e adaptação João Queirós. 29 Maio 2016. As fotos deste artigo são meramente ilustrativas por Luis Malheiro, Matanya, Bahamut0013, BotMultichillT.
Artigo original HINDSIGHT MAGAZINE Tzvetomir Blajev by EuroControl sob autorização para o cavok.pt
Nota: Este artigo contem links embebidos em palavras ou frases a bold, que reencaminham para outros sítios da web de interesse para o assunto do artigo