Quanto vento é demasidado vento?

Vento cruzado

Tinha prometido a um conhecido que lhe daria uma boleia naquele dia, mas a manga estava na perpendicular, cruzada com a pista. Quanto vento é que estava? O METAR de Monte Real reportava 15 nós de 280, portanto na Atouguia da Baleia estava cruzado.

Precisava mesmo de fazer aquele voo? Não. Nunca é “estritamente necessário” fazer um voo em ultraleve, ponto final.

Mas aquela pessoa só podia naquele dia… Após uma visita à pista e a constatação de que não havia rajada, decidi ir para o ar, tendo sempre a pista 23 de Santarém como alternante caso não conseguisse aterrar aqui.

Má decisão.

Assim que descolámos, notei que o vento não estava tão regular quanto julguei, com o nariz do avião a aproar ao vento uns bons 20 graus e alguns solavancos.

Após algumas voltas e sacudidelas a mil pés, o meu passageiro quis regressar (pudera!), e eu entrei em modo de concentração máxima para enfrentar o que adivinhava ainda ia ter pela frente: um bom par de circuitos com bastante vento cruzado.

Como plano inicial, decidi fazer primeiro uma final para aproximação baixa, em configuração de aterragem para avaliação das circunstâncias, e briefei o passageiro para que não ficasse surpreendido por não aterrarmos à primeira.

Técnica de asa em baixo e pé contrário, 20º flaps em vez dos normais 30º e mais 10 Km/h para efectividade de comandos cruzados, pareceu-me à primeira vista que a coisa seria exequível, e fiz um segundo circuito vigiando cuidadosamente a velocidade, que teimava em variar. Final curta mais ou menos standard mas, ao arredondar, uma rajada deixou-me outra vez a cinco metros do solo. Ao vir para a posição de arredondar novamente a 1m de altura, reparei que estava já a meio dos 400m da pista e decidi borregar.

Após novo circuito, ao arredondar, puxei o nariz para cima apenas o suficiente para trazer o avião até ao chão só com o trem principal, e toquei nos primeiros 100m de pista.
Travagem normal e um suspiro de alívio por mais uma lição aprendida da pior maneira.

Até que ponto tinha ido longe demais?

Apesar das horas acumuladas nestas coisas do ar, a experiência em ultraleve ainda era relativamente limitada e, com cerca de 100 horas no Dynamic, o comportamento do avião em todas as condições de vento ainda não tinha sido testado.

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Resolvi ir aos livros.

Dizem os entendidos que não se deve ir voar em condições de vento (cruzado ou não), que sejam superiores a metade da velocidade de perda do avião. Ora, para o Dynamic, a velocidade de perda é de cerca de 30 nós, portanto teria como vento máximo para operar 15 nós.

À primeira vista, parece-me razoável para vento cruzado, mas julgo que um piloto com alguma experiência conseguirá negociar uns 20 a 25 nós enfiados com a pista.

Obviamente, terá que se considerar a natureza do voo que se vai fazer, evitar voo de montanha onde poderá ocorrer turbulência moderada a severa, e ter sempre em mente as opções de local de aterragem, com obstáculos tais como hangares ou edifícios que poderão provocar turbilhão no ponto de tocar.

O que indica a manga de vento? Normalmente, a manga completamente na horizontal indicará uma velocidade de vento de cerca de 25 nós. Caída a 45º mas ainda cheia, indicará 10 a 15 nós. No entanto, a melhor indicação será obter a informação meteorológica oficial do aeródromo mais próximo.

Em dias com algum vento, a rolagem deve ser feita mais devagar. Se houver dificuldade em manter o avião alinhado com o taxiway, será uma boa indicação de que talvez não seja um bom dia para ir para o ar.

Dever-se-á fazer a rolagem com os comandos de aileron para o lado do vento, e o manche um pouco para trás com vento de frente (totalmente atrás para aviões de roda de cauda), ou totalmente à frente com vento de trás. Basicamente, para evitar confusões, manter os comandos de maneira a que o vento não os faça levantar. Dever-se-á igualmente manter sempre o manche seguro para que o vento não faça os comandos ir bruscamente ao batente, evitando danos nas ligações.

A corrida da descolagem será feita com o aileron todo para o lado do vento, e deverá manter-se a roda de nariz no chão um pouco mais tempo que o habitual para ajudar a manter o centro da faixa. Fazer a rotação rapidamente, sem ser excessivo, e ir para o ar. Como foi descrito no início, o avião terá tendência para aproar ao vento e levantar a asa do mesmo lado, portanto haverá que antecipar o facto e manter a linha de subida.

O voo em circuito será exactamente igual ao de um dia de vento calmo, acrescendo a esperada turbulência, e as correcções necessárias ao rumo para manter o avião paralelo ou perpendicular à pista.

Pode fazer-se a final utilizando uma de duas técnicas: aproado ao vento em “crab” mantendo o eixo da faixa (rota) com a diferença de rumo necessária, ou em técnica de comandos cruzados (asa do lado do vento em baixo e leme de direcção oposto para manter o rumo, contrariando a tendência de volta). Qualquer que seja a técnica utilizada na final, deve transitar-se para a segunda durante o arredondar, pois os nossos trens de aterragem não estão preparados para tocar no solo sem que as rodas estejam alinhadas com a trajectória. Tal esforço ao tocar poderia originar danos na estrutura, e são poucos os aviões comerciais ou militares que suportam a manobra. Pessoalmente, prefiro estabelecer desde o início da final a técnica de “asa em baixo e pé contrário” para começar a perceber quanta componente de vento lateral tenho e escuso assim de mudar de técnica na final curta.

Com bastante vento cruzado, a aterragem planeada com menos flaps permite que a velocidade de perda ao arredondar seja superior, o que proporciona melhor efectividade de comandos para contrariar a eventual rajada.

A ter em atenção que a corrida da aterragem será também mais longa, portanto o comprimento da pista é um factor a ter em conta. Pistas muito curtas e vento cruzado forte não são uma boa combinação.
Não deverá arredondar-se e esperar que o avião toque en suplesse como no dias normais. Pode manter-se uma posição paralela à pista de roda de nariz ligeiramente acima (menos do que o habitual) e “trazer” o avião para o chão a voar, tocando suavemente. Deixar que o avião entre em perda para tocar como de costume poderá sacrificar algum controlo lateral, crítico em dias de muito vento cruzado.

Travar normalmente na corrida da aterragem e manter os comandos como à descolagem.
A rolagem para os calços será exactamente igual à anterior e só descontrair quando o avião estiver no hangar ou amarrado!

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Em resumo: não deixar de praticar em dias de vento cruzado, para que tenha alguma experiência quando precisar, e BORREGAR SEMPRE que não estiver totalmente satisfeito(a) com a aproximação.

Porém, voar em ultraleve é uma actividade de lazer e nada nos deve impelir a ir para o ar quando o bom senso e o julgamento o desaconselham!

Bons voos!

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Autor Francisco Fernandes in Revista Voar #5&6 APAU Fotos Luís Malheiro