Volta em análise

Chamar-lhe curva é infâmia passível de levar à degradação de amizades e em casos extremos ao corte definitivo de relações… técnicas!

Realizamos esta manobra uma infinidade de vezes, ao longo de anos, de forma reflexa, sem nos determos em análises sobre pequenos detalhes, por vezes transparentes, que resultam da forma como a planeamos e executamos.

Intuitiva ou reflexa, uma volta é uma manobra que resulta da nossa acção directa e quantificada nos comandos de voo…

Associados a uma volta estão sempre factores, igualmente quantificáveis, como deflexão de comandos, razão de enrolamento, ângulo de pranchamento, atitude, factor de carga, raio de volta, aceleração gravítica, razão de volta, velocidade, etc.

Uma volta pode ser de nível… ou não! Vulgarmente voltamos a subir ou a descer. Um looping é um caso particular de volta e é, obviamente por convenção, uma volta de 360º no plano vertical.
Centremo-nos na volta na sua expressão mais simples: A volta de nível.

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Comandos de Voo e Velocidade

Numa aeronave convencional de 3 eixos (bem sei que há outras ) a deflexão dos ailerons para estabelecer um ângulo de pranchamento terá efeitos primários e secundários…

Primariamente induzirá um ângulo de pranchamento com uma razão de enrolamento que será sempre função da deflexão e da velocidade. Maior velocidade implicará menor deflexão para a mesma razão de enrolamento…

Secundariamente, esta deflexão de ailerons provocará instabilidade na direcção (guinada adversa). Esta guinada adversa (de sentido contrário ao da volta que se pretende) será mais expressiva para maiores ângulos de deflexão do aileron e a explicação é simples: O aileron que “desce” oferece maior resistência ao avanço (aumento da resistência induzida), do que o aileron que “sobe” (redução da resistência induzida). Este efeito adverso provoca a necessidade de deflectir o leme de direcção em simultâneo com os ailerons para entrar coordenadamente na volta, evitando a “fuga” do nariz para o lado de fora da volta.

Uma vez estabelecido o ângulo de pranchamento desejado, os ailerons deverão ser “quase” neutralizados, com a coordenada redução da deflexão do leme direcção. É aqui que o indicador de coordenação (bola) assume o seu protagonismo. Não desfazer a deflexão de leme de direcção quando neutralizamos os ailerons, uma vez atingido o pranchamento desejado, significa entrar numa situação de comandos cruzados pela necessidade de travar o aumento de pranchamento por efeito secundário do leme de direcção.

O cruzamento de comandos traduz-se em resistência adicional com impacto na segurança, na performance e no conforto… De facto, o desalinhamento do vento relativo e do eixo longitudinal, resultante da descoordenação, aumenta a velocidade de perda, já de si aumentada pelo factor de carga resultante da condição de volta: Performance degradada e margem à perda reduzida resultam, normalmente, em redução inadvertida de altitude.

Desfaz-se a volta no sentido inverso da entrada: deflectindo ailerons para estabelecer o nivelamento das asas e actuando sobre o leme de direcção, coordenadamente, para controlar a guinada adversa e voltar à condição de linha de voo: Asas niveladas, comandos neutrais direcção e altitude constantes com a velocidade e potência estabilizadas.

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Raio de Volta
Numa volta de nível – altitude, ângulo de pranchamento e velocidade constantes – estaremos (sem vento) numa trajectória circular. O raio (R) desta circunferência só depende da velocidade (V), da aceleração gravítica (g), constante, e do ângulo de pranchamento (θ).
Dois aviões de massas diferentes, voando sujeitos à mesma aceleração gravítica, com o mesmo ângulo de pranchamento e com a mesma velocidade terão exactamente o mesmo raio de volta…Nova imagem (3)

Quanto às margens de cada um aos limites do seu envelope de performance (diagrama V-n) é outro assunto…
Assim, contrapondo velocidades do nosso âmbito com ângulos de pranchamento, obteremos os seguintes raios de volta:
Nova imagem (1)

A tabela indica raio de volta e inclui as aeronaves de asa rotativa… De facto, o ângulo de pranchamento tem correspondência à inclinação “lateral” da resultante aerodinâmica, relativamente à direcção vertical, independentemente do seu tipo de geração. Atente-se, contudo, que a área coberta numa volta de 360° terá de ser, em planeamento, equacionada com referência ao diâmetro!

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Factor de Carga
Numa volta de nível a velocidade constante, o factor de carga (“nº de G’s”) é apenas dependente do ângulo de pranchamento. Em linha de voo, o factor de carga é 1g. Quando introduzimos um ângulo de pranchamento suave, quase não é necessário ajustar o manche atrás para compensar, com aumento de ângulo de ataque, o desalinhamento vertical da resultante aerodinâmica… No entanto, à medida que o pranchamento aumenta, será necessário ajustar o manche atrás continuamente, mantendo um ângulo de ataque capaz de criar uma resultante aerodinâmica cuja componente vertical equilibre o peso… obviamente vertical. A manutenção desta situação resultará, por acréscimo de resistência induzida, numa degradação de performance que terá obrigatoriamente de ser compensada com aumento de potência.
Numa volta de nível, coordenada e a velocidade constante, estaremos sujeitos a um factor de carga (n) que será exclusivamente dependente do coseno do ângulo de pranchamento (θ)…
Nova imagem (2)

Assim, no que respeita a factor de carga, independentemente da massa do avião e/ou da sua velocidade, o ângulo de pranchamento e o factor de carga terão a seguinte correspondência:
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Sobrepondo as duas análises, obviamente presentes na mesma volta, teremos:
•Um factor de carga constante para cada pranchamento
•Para um dado pranchamento, um raio de volta crescente com a velocidade
•Para a mesma velocidade, um raio de volta decrescente com o aumento do pranchamento
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Ninguém se surpreenderá se afirmarmos que a velocidade de perda que gostamos de “vender tal como a compramos” e que corresponde ao factor de carga 1g, não tem nada a ver com a que nos surpreenderá durante uma volta… verdade?
Verdade!

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Velocidade de Perda
A velocidade de perda é determinada em linha de voo, de asas direitas e em condições optimizadas, correspondendo esta velocidade ao ângulo de ataque crítico do perfil que, sendo excedido, resulta em perda de sustentação por separação da camada limite do seu extradorso.

Para cada condição específica e em consequência da introdução de pranchamento, a velocidade de perda em linha de voo (Vs1g) “desliza” no velocímetro para valores superiores por razões algo discretas mas potencialmente letais, especialmente quando a opção é “apertar voltas” a baixa altitude…

É ponto de partida o facto de o ângulo de ataque crítico ser sempre o mesmo para cada perfil… Quando efectuamos uma volta, a introdução de pranchamento inclina lateralmente a resultante aerodinâmica, afastando-a da verticalidade onde se encontrava, colinear e em oposição ao peso. Nesta condição, em volta de nível com pranchamento e velocidade constantes, a única forma de compensar a redução (pelo pranchamento) da componente vertical da resultante aerodinâmica (que se opõe ao peso) é aumentar o valor da resultante aerodinâmica para que a sua componente vertical continue a equilibrar o peso… e a única forma de o fazer é aumentar o ângulo de ataque pelo aumento da pressão atrás no manche e consequente actuação no leme de profundidade. Naturalmente a resistência induzida aumenta, sendo necessário ajustar potência para manter a velocidade.

Como vimos anteriormente, em volta de nível, o factor de carga (n) depende exclusivamente do ângulo de pranchamento…
Aproveitamos então para abordar a relação do “deslize” da Vs1g (velocidade de perda em linha de voo – 1g) com o aumento do factor de carga (n):
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Ou, sendo a mesma coisa mas em função do ângulo de pranchamento:
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Na prática, esta relação reduz-se a uma pequena tabela de exemplos abrangentes:
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Assim:
• O aumento do factor de carga aumenta o ângulo de ataque, colocando-o mais próximo do ângulo de ataque de perda para a mesma velocidade indicada… e a perda de sustentação ocorre por excedência do ângulo de ataque crítico, não devendo fidelidade a velocidades! Um indicador de ângulo de ataque seria bem elucidativo…

• O cálculo do raio de volta refere-se a VAV. Significa isto que o raio de volta aumenta com a altitude e que desvios da atmosfera padrão em pressão e temperatura poderão contribuir para surpresas (por inesperadas) bem desagradáveis; Voando com uma depressão (maior altitude de pressão), teremos, à mesma altitude (QNH), maior raio de volta do que voando num núcleo anticiclónico… Por outro lado, podendo ser cumulativo, voar em dias quentes faz disparar a altitude de densidade e, por consequência, também a VAV e o raio de volta!

• Voltar 360° (ou múltiplos) expõe-nos, gradualmente, a vento de todas as direcções durante a manobra. Por vezes o vento é expressivo e aqui temos um problema sério e frequentemente menosprezado… VT! “Mas a sustentação depende apenas da VAI…”, dirão os teóricos. O problema é que Isaac Newton também tem a ver com isto! Ora confirmem lá comigo: Quando estamos alinhados para descolar e aplicamos a potência máxima, o avião não se acomoda instantaneamente à velocidade de cruzeiro… certo? Claro que estamos de acordo! O avião oferece resistência à alteração do seu estado de repouso (VT=0), sendo essa resistência proporcional à sua massa. Esse efeito também é válido para um avião em movimento, sendo um excelente exemplo a dificuldade em dissipar a velocidade após a aterragem apesar da redução da potência e do uso de travões…O avião tende a manter a sua quantidade de movimento e, inercialmente falando, é de VT que estamos a falar… Ora se considerarmos uma intensidade de vento de 40Kts e uma VAI de 80Kts, é obvio que, em volta suave e prolongada, de frente para o vento teremos uma VT de 40Kts e de cauda para o vento, depois de acomodados, teremos uma VT de 120Kts… O problema surge quando a razão de volta é muito elevada, situação característica de volta apertada, não dando tempo para que o avião se adapte gradualmente à nova VT, podendo, em casos pontuais, aproximar-se perigosamente do ângulo de ataque crítico ou resultar em redução inadvertida de altitude e potenciando colisões com o solo ou obstáculos se as margens forem estreitas…

Como evitar? Fácil:
•Não executar voltas apertadas a baixa altitude. Proibitivo!
•Não executar voltas a baixa altitude com ventos moderados ou fortes. Nestas circunstâncias, há que subir e dar preferência a pranchamentos suaves, logo, a razões de volta compatíveis com a acomodação a cada uma das cíclicas variações de VT.

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In REVISTA APAU #14. Autor António Rocha