Por Mike Silva
(Coordenador do Portuguese Aircraft Restoration Group, membro da British Microlight Aviation Association e detentor de licença de pilotagem de ultraleve emitida pela CAA inglesa)
Este ano juntei-me a vós, lamentando a perda de vários companheiros nossos . Tenho lido as mais diversas opiniões sobre as causas dos acidentes, umas mais avalizadas que outras. Numa tentativa de tentar perceber o que se passa, permitam-me como entusiasta da Aviação e praticante desta actividade ,deixar também aqui a minha modesta opinião.
Sou um mero piloto de lazer. Ou, como já lí em qualquer lado, “ um piloto inexperiente com menos de 300 horas que ainda não sabe que uma aeronave é um aparelho letal”. Na minha primeira lição, o instrutor disse-me para trazer um casaco, pois se nos despenhássemos, “poderíamos ter de passar a noite à espera do SAR” ! Logo aí ,tive uma idéia vaga em como isto poderia ser perigoso… Não precisei de chegar às 300 horas. Nestas cerca de 220 horas que tenho, já aterrei sem motor numa plantação de feijão, e danifiquei parcialmente uma asa ao aterrar, mercê de uma súbita rajada de vento cruzado, já a rolar na pista. Já se me rompeu um tubo do radiador em vôo, e passou por debaixo de mim um helicóptero da Midlands Air Ambulance a escassos 300 pés de separação. Tínhamos o Sol pela frente, e possivelmente ele não me viu. Já me gelaram os carburadores às sete da manhã, a rolar para descolar! Permitam-me pois contrapôr este argumento, precisamente com a idéia contrária: É exactamente a partir das 300 horas que o perigo aumenta, quando os pilotos já pensam que sabem tudo e começam a facilitar!
Avançar com idéias de “mais legislação”, é porventura a solução mais fácil. Tal como nos airshows, se o público insistir em se aproximar dos aviões, a gente mete correntes e vedações! Proíbe-se e pronto! Analogamente, se permitirmos apenas a meia-dúzia de ricos com grandes posses operar os aviões , de certeza que o número de acidentes cai a pique. A reacção institucional típica portuguesa, de proibir e legislar por default, avança que se calhar seria melhor “ legislar” e “ aumentar a carga horária dos cursos e das disciplinas ”. Melhor formação é sem dúvida uma solução, ninguem nega. Mas penso que esta solução raspa apenas ao de leve na superfície do problema.
Lí num site institucional português , que este organismo perante a resma de acidentes este ano “ já não sabe o que fazer para evitar tanta morte”. Estamos eternamente gratos a este organismo, por perder noites de sono a pensar numa solução para a nossa actividade… Mas não seríamos nós sobretudo que teríamos de pensar sobre o que possa estar a correr mal? Isto é como se todos os dias uma quantidade de bêbados se acidentasse contra uma parede a 200 à hora no meio da localidade ,enquanto mandavam SMS ao volante, e fôssemos para o café da esquina esperar que a assembleia arranjasse uma solução.
Muitas são as causas avançadas para estes acidentes ; Clima, manutenção, desorientação espacial, inexperiência. Mas poucos se atrevem a avançar, sem ser à boca pequena, uma das principais causas de alguns destes acidentes. (Não de todos os acidentes , atenção!) : Excesso de Confiança e uma atitude relaxada perante a operação de uma aeronave. Esta é a minha opinião, e sei que não estou sozinho . Por mais “ legislação” e “ carga horária” ou “ modificação da forma como as disciplinas são ministradas”, por mais que se “ certificassem os ultraleves como as outras aeronaves”, o espírito latino e irreverente de fazer tábua rasa dos procedimentos de segurança iria sempre pervalecer. “ Certificar os ultraleves como as outras aeronaves?”..A sério? Andar em contra corrente ao resto da Europa onde se simplifica o acesso aos ultraleves? Fazer o quê? Exigir um ATPL para pilotar um Quicksilver? Elitizar ainda mais a Aviação? Tipo Cuba ou a Coreia do Norte? Pelo que tenho visto, um parvo , tanto é parvo num Cessna como num Skyranger…
Em suma, e como já disse, sou apenas um “inexperiente piloto de lazer com menos de 300 horas”. A minha opinião vale o que vale. No meu entender, para diminuir drasticamente esta pouca vergonha de mortes em avalanche dos nossos amigos, para acabar com a extrema dôr de estar permanente a escrever no Facebook “ descanse em Paz”, a solução passa por também enxovalhar e envergonhar os nossos companheiros impreparados que , sem serem pilotos de acrobacia qualificados, insistem em fazer parvoíces para mostrar aos amigos. Em fazer piruetas bonitas, e passagens baixas . Este comportamento, quando não resulta em morte ou ferimentos graves, está a fazer com que o Poder institucional comece a olhar para esta nossa actividade como “perigosa” e venha por aí abaixo com o livro das Leis numa mão e a saca do dinheiro na outra. Cabe a nós, pilotos de ultraleve que escolhemos esta actividade pela simplicidade, acessibilidade e prazer inadulterado de voar que nos proporciona, expurgar comportamentos inadequados e lhe fazer ver que não é bem-vindo quem insiste em se comportar assim e estraga isto tudo para o resto de nós. Sabe Deus o que me custou adquirir este privilégio de descolar como os pássaros! Não vou permitir que ninguém me tire isto, com as suas atitudes de Barão Vermelho. Acho que vocês também não deviam permitir. Esta é a minha modesta e sincera opinião, e não é de forma nenhuma um ataque a quem quer que seja. Acho que quem está realmente preocupado com isto deve chamar os bois pelo nome , e discutir o assunto sem tabus para tentar achar uma solução. Um abraço a todos os pilotos de ultraleve e suas famílias.