Lições e “Trambolhões” Take Three

Artigo de Opinião
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Estávamos na época dos anos 80 do séc. passado, eu era um piloto de ultraleve Pendular, bastante activo aos fins de semana e nas férias.
 
Nessa época, eu e os meus colegas pilotos de pendulares motorizados, tínhamos inúmeros pedidos de participação em eventos camarários por todo o País.
 
Eu trabalhava na área dos sistemas de informação na Sperry, que era uma multinacional americana importante e muito exigente. Era preciso, como se diz, dar mesmo o litro, para singrar nessa empresa à época.
 
Nessa época já era casado, tinha um filho e estudava à noite na Faculdade, portanto bons ingredientes…
 
Penso que foi no ano de 1986, que fomos convidados para participar nas comemorações do Foral da Cidade de Seia.
 
Tínhamos um grupo de pilotos e aeronaves pendulares que vinha de todo o País, era uma época heróica. Combinámos os detalhes, comunicámos à Camara Municipal, que nos arranjou hotel e refeições e a disponibilidade do aeródromo de Seia.
 
Seia é uma cidade que fica no sopé da Serra da Estrela, muito bonita, com muita construção em granito e com um aeródromo excelente, para os padrões da época e para os requisitos dos nossos aparelhos.
 
Entretanto a minha vida, era preenchida demais com trabalho, família, faculdade e actividades aéreas e a coisa complicou-se no trabalho, pelo que me lembro eu a minha mulher, o meu filho Daniel e o meu amigo Carlos Bernardo, tivemos de sair, não na 6ª feira como estava combinado, mas já no sábado, dia que começavam as comemorações e o festival aéreo (modesto)… Portanto o tempo era escasso, a pressa muita e é preciso não esquecer de que a viagem de Lisboa a Seia, de automóvel era na época um pesadelo, acrescido ao peso do equipamento e ao atrelado.
 
Lá fomos, alegremente, almoçámos no carro durante a viagem, até que finalmente chegámos a Seia já ao princípio da tarde…
 
A minha mulher e o Daniel ficaram no Hangar com os nossos colegas e agora era um contra-relógio para eu e o Carlos Bernardo montarmos os equipamentos e prepararmos a aeronave para o vôo, porque tínhamos uma hora limite para a demonstração aérea e a filmagem que o meu amigo ia fazer. Na 2ª parte do espetáculo, entrava a Força Aérea Portuguesa com uma Dornier 27 a largar paraquedistas.
 
O aeródromo, tinha muitas centenas de pessoas de Seia e dos arredores, a assistir às performances das aeronaves e seus pilotos.
 
Era um orgulho para nós, na época, podermos participar nestas festividades e lá pusemos as aeronaves preparadas para a descolagem, com os motores a trabalhar e toda a gente a dizer adeus.
 
Começou o espetáculo, na altura como sabem, sem instrumentos e sem rádio, a ideia era fazer evoluções sobre a pista em circuito em fila com as restantes aeronaves. Foi muito bom, o tempo estava excelente, era verão com muito calor, lá fizemos as passagens baixas, curvas e contracurvas, até que terminou esta parte da actuação.
 
Assim conforme combinado, mas já um pouco em cima da hora limite, eu e o Carlos Bernardo lá fomos fazer as filmagens, que estavam acordadas á cidade, que ficava a cerca de 2 km do Aeródromo.
 
Correu tudo bem e preparámo-nos para regressar ao aeródromo e pensei, “vamos lá mas é” fazer mais uma última passagem baixa em circuito esquerdo, como estava combinado, correu bem todos aplaudiram, mas a meio da pista fizeram-nos sinal da Do 27 da FAP, que passou ao nosso lado, para passarmos a circuito direito e depois aterrarmos, dado que os paraquedistas já estavam lançados.
 
Por nós perfeito e em vez da circulação habitual no circuito, rumámos, em vento de cauda, por cima de uma pequena floresta que estava adjacente ao aeródromo, estávamos bastante baixo a cerca de 200 pés de altitude e de repente o motor começou a acelerar furiosamente e pouco tempo depois parou…
 
Estávamos muito baixo por cima de um floresta, com a enorme pista paralela a cerca de 200 metros à nossa esquerda… e o Carlos percebeu logo que a coisa estava a ficar negra, recolheu a câmara de filmar e preparou-se…
 
Da minha parte, não queria despenhar-me em cima das árvores que era na certa fatal, pelo que paralelo a meio da pista, faço uma “perna base” esquerda e fiquei a cerca de 50 metros de altura, sem motor, atravessado a meio da pista… Se fizesse a famosa rotação de 45% para aterrar na pista sem motor e sem velocidade, era a cena que todos conhecem, partíamos o pescoço.
 
Pelo que, tive como única alternativa, de seguir em frente, ultrapassei a pista (atravessado), vinha com velocidade, mas de repente, mal a passámos, ouço um grito do Carlos, Ólha o Cabo !!, estava um cabo de electricidade e postes, mesmo à nossa frente…
 
A solução foi empurrar o triângulo, torcer os dedos a ver se passávamos, tivemos muita sorte, passamos a rasar o cabo.
 
Portanto floresta resolvida, pista resolvida, cabo eléctrico resolvido e agora, “que mais me irá acontecer” ?!
 
Bem agora a velocidade tinha sido consumida, pelo que a única alternativa era picar sempre a descer e depressa, olhei em frente e estava um bosque com um pequeno arvoredo e centenas de silvas. Tudo bem, é mesmo aqui que ficamos. Vínhamos depressa, pelo menos a uns 70 km, tocámos no solo e começou a confusão de arbustos, silvas, pó, mas até aqui tudo bem, já estamos no chão e safos.
 
Pois, mas houve um pequeno problema, que vimos subitamente à nossa frente, na rolagem ainda em velocidade, um muro de pedra com cerca de 30 cm de altura em pedra de granito…
 
Depois de ver o muro apaguei… não me lembro da parte final.
 
Chocámos com a roda da frente no muro e o aparelho volatizou-se, a asa partiu-se em pedaços, hélice despareceu, o motor saltou, a aeronave encolheu meio metro. Ficou tudo em bocadinhos pequeninos, menos o triciclo, em que graças à sua estrutura, nos protegeu completamente.
 
Entretanto, o meu filho Daniel com 2 anos, a assistir à cena, dizia à mãe: “olha o papá vai cair” !!!
 
Rápidamente, tirámos o que restava dos cintos e saltámos do aparelho, no meio do fumo, barulho das pessoas a gritar, a correr e tentámos ver se nós, pelo menos, estávamos inteiros. Estávamos com dores no dito “cocxis”, todos arranhados da vegetação e das silvas, mas inteiros!
Portanto no meio da confusão, o que fazer?, simples, fugimos daquilo tudo e fomos a correr à primeira tasca que encontrámos, à entrada de Seia e comemos um grande bife com batatas fritas à portuguesa e n + 1 imperiais !!
 
Quando regressámos, imaginem as consequências do ponto de vista familiar, foi uma desgraça “perdi milhares de fichas”, imaginem as impressões dos colegas, ficámos como uns “azelhas”, mas para o público, divertiram-se a ver o acidente como sempre e a tentar ver se levavam “requerdos”.
 
O que aconteceu? Onde falhámos?  Simples, fizemos tudo quase certo, menos abastecer de combustível, com a pressa… O aparelho não tinha simplesmente gasolina…
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Pós Trambolhão:
Depois foi uma saga, que demorou cerca de 6 meses, tempo e dinheiro que perdi, a reconstruir pessoalmente a aeronave e a asa, que heroicamente lá voltou a voar. O primeiro vôo pós trambolhão foi no aeródromo de Espinho. Estava tudo perfeito, menos o pano da asa que estava mal colocado, pelo que para voar direito, tinha de ir pendurado na parte esquerda do triangulo, uma canseira. Mas vá lá, depois o José Manuel ajudou-me a recolocar a vela e ficou tudo bom.
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Lições a tirar:
 
Nunca voar sem abastecer Bem a aeronave
 
Nunca voar sem verificar os níveis de combustível
 
Nunca voar sem verificar se cumprimos a checklist que todos devemos ter
 
Nunca andar à pressa, a montar uma aeronave, para voar de seguida
 
Nunca voar, sem primeiro conhecer o terreno circundante e sem manter uma altitude de segurança
 
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David Ferreira
 
24 de Outubro de 2015