Pode ler aqui o Take ONE anteriormente publicado
Pode ler aqui o Take TWO anteriormente publicado
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Outro exemplo da extraordinária colaboração de controladores comigo, foi numa ida a Castelo Branco. No regresso, devido a vários factores, fui obrigado a aterrar em Santarém. E lá pernoitar. Talvez um dia descreva esse incidente: “Uma ida e regresso de Castelo Branco e a importância de um bom par de auscultadores”.
E pronto. Pernoitámos num hotel em Santarém e no dia seguinte regressámos ao aeródromo. O tempo não estava bom, tínhamos “frentes de tempo”. Esperámos no Aeródromo, entretanto conheci um personagem “sui generis”, senhor já de certa idade, cabelo completamente branco. Piloto e aficionado, de Santarém, foi-nos contando algumas fascinantes histórias de aviação. Mas acabavam (todas elas!) com a morte dos pilotos em tremendos acidentes… Para quem vai voar, enfim….
Entretanto, o tempo melhora. Metemo-nos no avião, está agora um sol intenso, deixou de chover. Por telefone, submeto o plano de voo. Descolo, destino Tires, via Tejo, descida do Tejo até Bugio, e Tires. Take off, 2000 pés, Lis Mil na frequência. Num ápice, o céu acinzenta-se e começa a chover. Já tinha voado com uns “chuviscos”, mas NUNCA desta forma. Chove tanto, que praticamente perco a visibilidade. Mas o avião comporta-se bem. Eu pensava que com tanta pressão do peso da chuva nas asas, o comportamento seria diferente… Na realidade, é rigorosamente semelhante ao de um dia sem chuva. O barulho da chuva é que se sobrepõe ao próprio barulho do motor, tal a sua intensidade.
Mas estou SEM VISIBILIDADE. E acabei de entrar numa nuvem. Agora, e sem exageros, não vejo NADA para além do plexiglass da carlinga. Enervo-me algo. Graças a Deus que tenho Horizonte Artificial! Contacto Lis mil: “Lis Mil, Charlie Oscar Charlie…”, “Go ahead Charlie Oscar Charlie” “ Lis mil, enroute to Tires, 2.000 feet, fogged in, repeat fogged in, estou na sopa over!!” “Ok, Charlie Oscar Charlie, no problem, vamos vectorizá-lo por radar, calma”, “Roger!” exclamo. “Charlie Oscar Charlie, on the count of 3, change course to XXX, 3, 2, 1 execute!” Assim faço“Charlie Oscar Charlie steady, steady, on my mark change course to XXX, 3, 2, 1 execute!” E assim por diante. A certo momento , Lis Mil: “Charlie Oscar Charlie, on my mark change course to XXX, descend to 1.000 feet”… assim faço. “Charlie Oscar Charlie, deve ter mais visibilidade, se olhar para a esquerda deve ver a mão direita do Cristo Rei, confirm!” E de facto, LÁ ESTÁ a mão do Cristo Rei, e começo a ter alguma visibilidade. Que ALÍVIO! Estamos por cima do Rio Tejo, e a minha namorada berra: “olha olha os flamingos!” e lá os vejo, por entre “ripas de nuvens”, umas manchas cor-de-rosa. Mas estou é concentradíssimo no voo. Novo contacto de Lis Mil “Charlie Oscar Charlie, já saiu da sopa Hummm….digite frequência XXXXX, Cascais Tower, Cumprimentos, Lis Mil”. Agradeço profusamente.
“Cascais tower, Charlie Oscar Charlie…”, “Boa tarde Charlie Oscar Charlie, Cascais…É mesmo seu, Captain Kirk, o tempo péssimo, os aviões no chão, e o Charlie Oscar Charlie na sopa…”…”Cascais tower!! Saí de Santarém com um tempo magnifico…Além disso, o voo foi pré-aprovado”, “Charlie Oscar Charlie, pois, o costume, you are clear to land direct approach, cross wind factor 5 Kts, North Norwest, quando aterrar venha ter connosco…”.
E assim fiz… Que remédio. Alguns “puxões de orelhas” depois, e devidamente “repreendido”, lá racionalizo que “tudo está bem quando acaba em bem”… Uma nota: não fui repreendido pelo voo de Santarém para Tires, mas sim pelo voo do dia anterior de Castelo Branco para Tires, que foi desviado para Santarém… E a “repreensão” não foi “séria”… Foram, como já mencionei, uns “puxões de orelhas”.
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Dias depois, Tires, uma magnífica manhã para voar….”start-up”, “ready to cross”, sou informado por Cascais Ground: “Charlie Oscar Charlie, you are number 14 for take off “… Resposta minha, saiu-me sem querer: ”14? Meu Deus, até parece Chicago!” Ouve-se gargalhada generalizada na frequência, precisamente de Cascais Ground… E fico à espera rolando lentamente… Mas tenho um cockpit grande, o calor é enorme, mesmo com as janelas abertas… não resisto: “Cascais Ground 38 degrees in cockpit!” Resposta do Cascais Ground: “Stand by!”…Ok… Sou agora talvez numero 9 na lista de descolagem… De repente, nova comunicação do Cascais Ground: “Charlie Oscar Charlie, quantos metros é que precisa para descolar?”. Respondo “100 meters!” “Charlie Oscar Charlie, make next right, EXPEDITE, line up, clear to take off, EXPEDITE!” Para quem não conhece Tires, existe a pista principal, e depois uma via lateral, paralela à própria pista. É por aí que os aviões rolam, antes da descolagem e após aterragem. Estas 2 vias (a pista e a via lateral) estão ligadas por varias vias de acesso entre elas, dispostas na diagonal.
E assim, porque o meu avião descola em muitíssimo menos espaço e tempo do que qualquer Cessna, pude “papar” cerca de 9 aviões à minha frente. Graças ao Controlador, um dos que, dias antes me tinha “puxado as orelhas”…
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Já aqui referi algumas experiências que tive com controladores, embora tivesse muitas mais…e fico-me por apenas mais uma, essa francamente má, desagradável, e inesquecível pela gravidade.
Desde já, e antes de passar à narrativa, sempre assumi 100% de responsabilidade e culpa nesta instância… E mais: Sempre fui obcecado, quando escrevo e/ou relato algo, que tal descrição corresponda RIGOROSAMENTE à verdade, pelo menos como a experimentei e senti. Neste caso por ter sido grave, caótico e confuso, confesso que não me lembro totalmente do que se passou.
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Talvez em 2009, decido ir ao Alqueva. O maior lago artificial da Europa, é lindíssimo, e para um anfíbio, ideal para uma boa tarde de voos, amaragens e lazer.
Take off de Tires, consigo permissão para subir o Tejo, isto é, não preciso de voar pelo Túnel Este.
Sou “entregue” a Lis Mil que monitoriza o voo. Tudo nos conformes, comunico a Lis Mil: “Alqueva in sight!”, Lis Mil “Charlie, Oscar Charlie, intentions?”. Resposta minha: “Lis Mil, intentions to land at Alqueva on water, remain there about 1-2 hours, with several touch and go water landings”. Resposta: “Roger, Charlie Oscar Charlie, change frequency to XXX, Beja control, CONFIRM”.
E aí, penso eu, começa o problema. As transmissões estão “fracas” naquele dia. Porquê, não sei. As últimas são talvez de 2 por 5, no máximo. Mesmo assim, Respondo a Lis Mil “Will do!”, mas já não ouço a resposta. Assumo (mal, muito mal!) que o Controlador de Lis Mil ouviu. E entretanto, contacto como instruído, com Beja Control. Mas a frequência está horrível, cheia de interferências. Mesmo assim, consigo ouvir a resposta de Beja: “Roger Charlie Oscar Charlie”….
Assumo que está tudo Ok. Amaro. Passámos ali umas horas agradáveis.
Ao descolar, para regressar, vejo uma pista em terra batida numa das margens. Não resisto e aterro. Afinal conheço o dono da pista. Passamos ali mais uma hora.
Entretanto, verifico o telemóvel, que “apitou”… No Alqueva não tinha sinal. Alguém me telefonou repetidamente. Não reconheço o numero de telefone, mas tenho um pressentimento… Desagradável.
Devolvo a chamada. Atende-me individuo com voz muito séria: “É o Dr. Pedro Gomes, dono da aeronave CS-UOC?” Replico que sim, instintivamente reconheço-o. E afirmo-o: “Pois, é o Sr. Controlador de Lisboa Militar?“, “ Sou de facto. O meu nome é XXXX XXXX, oficial militar XXXXXXXX. O Sr. fez-me passar um dos piores dias da minha vida…..”
Não vou, por respeito, descrever o que o Sr. Oficial me disse, numa voz embargada, agoniada e sofrida. Sei que estive a momentos de ser largado helicóptero para nos irem buscar. Se tivéssemos “sobrevivido”. Levei uma das piores (senão a pior) reprimenda da minha vida, como piloto e como Homem.
E escrevo este incidente como exemplo do que o que não se deve fazer, e que eu, IRRESPONSÁVELMENTE, fiz. Esperançadamente, servirá de exemplo e maturação para quem me lê, pilotos ou não.
O QUE SE PASSOU? No meu entender, e da explicação dada pelo Controlador, passou-se o seguinte:
- Quando Lis Mil me pede para confirmar a transferência do Controle de voo para Beja, não ouve a minha resposta. Entretanto, como estou a descer (para amarar), eu também já não ouço o pedido de Lis Mil : “SAY AGAIN, SAY AGAIN!!”
- Assumo que Beja me ouviu, ao ouvir resposta, embora muito deficientemente, na frequência de Beja: “Roger, Charlie Oscar Charlie”.
- O Controlador em Lis Mil, perante a minha falta de contacto, telefona para Beja, inquirindo se o CS-UOC os contactou. A resposta é negativa.
- O Controlador de Lis Mil admite (ou começa a admitir) a hipótese que houve um acidente, na aproximação ao Alqueva.
- O Controlador em Lis Mil debate-se com o que fazer. O procedimento seria de “lançar helicóptero” para efeitos de busca. Decide telefonar mais uma vez para Beja, tem um “pressentimento”. E com razão: De facto, o Controlador local já tinha saído do serviço (aquele a quem ouvi a reposta de “Roger, Charlie Oscar Charlie”), ao meu pedido de contacto. Pede então que se ouça a gravação. E de facto lá está o meu pedido de contacto, mas com muito ruído…
- O Controlador de Lis Mil continua a debater-se com o que fazer. Não tem a certeza se houve ou não houve acidente. Está farto de me ligar. Não atendo. Está para autorizar a saída do Helicóptero, quando finalmente telefono eu.
Alguns aspectos em “minha defesa”:
- Os procedimentos são muito claros: Um voo devidamente planificado, isto é com a submissão prévia de um plano de voo (que eu entreguei em Tires) só acaba perante a confirmação de “boa aterragem” por parte do piloto ou do Aeródromo que controla o voo.
- Eu telefonei muitas vezes, quando amarava em várias barragens, confirmando “boa aterragem”, e consequentemente o “fecho do voo”. No Alqueva não o fiz, porque não tinha rede no telemóvel. Pelo menos onde amarei.
- E eventualmente também não sou responsável por transmissões deficientes, especialmente com Beja, tão perto do Alqueva!
A legislação existente (pelo menos na altura) não é muito específica para situações de amaragens, e consequentes protocolos de segurança.
Mas estes aspectos não me exoneram da culpa! O que é que fiz mal?
- Perante condições muito pobres de transmissão, em vez de descer no sentido de amarar, deveria ter aumentado a altitude ATÉ ser reestabelecida uma boa comunicação com Lis Mil.
- O mesmo com Beja! Manter-me-ia na altitude correcta para um bom desempenho das comunicações com Beja.
- SÓ DEPOIS ENTÃO é que iniciaria descida no sentido da amaragem.
Em suma: Facilitei. Fui preguiçoso. Não quis saber.
NUNCA MAIS!
Concluo aqui esta minha narrativa. “Admitidamente” longa… Algumas histórias interessantes e divertidas, e outra bem mais sóbria e esperançadamente útil!
Constitui esta narrativa também uma HOMENAGEM aos Controladores Aéreos, Homens e Mulheres que das suas torres, e tantas vezes no campo, com uma cadeira, um rádio antigo e um par de binóculos, todos os dias labutam para manter a segurança nos Céus de Portugal.
Para todo eles,
Um grande Abraço.
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Pedro Cameira Gomes (Cpt. Kirk). 1 de Novembro de 2016. Fotos Luís Rosa, Luís Malheiro.