O meu relacionamento com Controladores Aéreos – Take Three

Pode ler aqui o Take ONE anteriormente publicado
Pode ler aqui o Take TWO anteriormente publicado
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Outro exemplo da extraordinária colaboração de controladores comigo, foi numa ida a Castelo Branco. No regresso, devido a vários factores, fui obrigado a aterrar em Santarém. E lá pernoitar. Talvez um dia descreva esse incidente: “Uma ida e regresso de Castelo Branco e a importância de um bom par de auscultadores”.

E pronto. Pernoitámos num hotel em Santarém e no dia seguinte regressámos ao aeródromo. O tempo não estava bom, tínhamos “frentes de tempo”. Esperámos no Aeródromo, entretanto conheci um personagem “sui generis”, senhor já de certa idade, cabelo completamente branco. Piloto e aficionado, de Santarém, foi-nos contando algumas fascinantes histórias de aviação. Mas acabavam (todas elas!) com a morte dos pilotos em tremendos acidentes… Para quem vai voar, enfim….

Entretanto, o tempo melhora. Metemo-nos no avião, está agora um sol intenso, deixou de chover. Por telefone, submeto o plano de voo. Descolo, destino Tires, via Tejo, descida do Tejo até Bugio, e Tires. Take off, 2000 pés, Lis Mil na frequência. Num ápice, o céu acinzenta-se e começa a chover. Já tinha voado com uns “chuviscos”, mas NUNCA desta forma. Chove tanto, que praticamente perco a visibilidade. Mas o avião comporta-se bem. Eu pensava que com tanta pressão do peso da chuva nas asas, o comportamento seria diferente… Na realidade, é rigorosamente semelhante ao de um dia sem chuva. O barulho da chuva é que se sobrepõe ao próprio barulho do motor, tal a sua intensidade.

Mas estou SEM VISIBILIDADE. E acabei de entrar numa nuvem. Agora, e sem exageros, não vejo NADA para além do plexiglass da carlinga. Enervo-me algo. Graças a Deus que tenho Horizonte Artificial! Contacto Lis mil: “Lis Mil, Charlie Oscar Charlie…”, “Go ahead Charlie Oscar Charlie” “ Lis mil, enroute to Tires, 2.000 feet, fogged in, repeat fogged in, estou na sopa over!!” “Ok, Charlie Oscar Charlie, no problem, vamos vectorizá-lo por radar, calma”, Roger!” exclamo. “Charlie Oscar Charlie, on the count of 3, change course to XXX, 3, 2, 1 execute!” Assim faço“Charlie Oscar Charlie steady, steady, on my mark change course to XXX, 3, 2, 1 execute!” E assim por diante. A certo momento , Lis Mil: “Charlie Oscar Charlie, on my mark change course to XXX, descend to 1.000 feet”… assim faço. “Charlie Oscar Charlie, deve ter mais visibilidade, se olhar para a esquerda deve ver a mão direita do Cristo Rei, confirm!” E de facto, LÁ ESTÁ a mão do Cristo Rei, e começo a ter alguma visibilidade. Que ALÍVIO! Estamos por cima do Rio Tejo, e a minha namorada berra: “olha olha os flamingos!” e lá os vejo, por entre “ripas de nuvens”, umas manchas cor-de-rosa. Mas estou é concentradíssimo no voo. Novo contacto de Lis MilCharlie Oscar Charlie, já saiu da sopa Hummm….digite frequência XXXXX, Cascais Tower, Cumprimentos, Lis Mil”. Agradeço profusamente.

received_10206159672134845Cascais tower, Charlie Oscar Charlie…”, Boa tarde Charlie Oscar Charlie, Cascais…É mesmo seu, Captain Kirk, o tempo péssimo, os aviões no chão, e o Charlie Oscar Charlie na sopa…”…”Cascais tower!! Saí de Santarém com um tempo magnifico…Além disso, o voo foi pré-aprovado”, Charlie Oscar Charlie, pois, o costume, you are clear to land direct approach, cross wind factor 5 Kts, North Norwest, quando aterrar venha ter connosco…”.

E assim fiz… Que remédio. Alguns “puxões de orelhas” depois, e devidamente “repreendido”, lá racionalizo que “tudo está bem quando acaba em bem”… Uma nota: não fui repreendido pelo voo de Santarém para Tires, mas sim pelo voo do dia anterior de Castelo Branco para Tires, que foi desviado para Santarém… E a “repreensão” não foi “séria”… Foram, como já mencionei, uns “puxões de orelhas”.

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Dias depois, Tires, uma magnífica manhã para voar….”start-up”, “ready to cross”, sou informado por Cascais Ground: “Charlie Oscar Charlie, you are number 14 for take off “… Resposta minha, saiu-me sem querer: ”14? Meu Deus, até parece Chicago!” Ouve-se gargalhada generalizada na frequência, precisamente de Cascais Ground… E fico à espera rolando lentamente… Mas tenho um cockpit grande, o calor é enorme, mesmo com as janelas abertas… não resisto: “Cascais Ground 38 degrees in cockpit!” Resposta do Cascais Ground: “Stand by!”…Ok… Sou agora talvez numero 9 na lista de descolagem… De repente, nova comunicação do Cascais Ground: “Charlie Oscar Charlie, quantos metros é que precisa para descolar?”. Respondo “100 meters!Charlie Oscar Charlie, make next right, EXPEDITE, line up, clear to take off, EXPEDITE!” Para quem não conhece Tires, existe a pista principal, e depois uma via lateral, paralela à própria pista. É por aí que os aviões rolam, antes da descolagem e após aterragem. Estas 2 vias (a pista e a via lateral) estão ligadas por varias vias de acesso entre elas, dispostas na diagonal.

E assim, porque o meu avião descola em muitíssimo menos espaço e tempo do que qualquer Cessna, pude “papar” cerca de 9 aviões à minha frente. Graças ao Controlador, um dos que, dias antes me tinha “puxado as orelhas”…

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Já aqui referi algumas experiências que tive com controladores, embora tivesse muitas mais…e fico-me por apenas mais uma, essa francamente má, desagradável, e inesquecível pela gravidade.

Desde já, e antes de passar à narrativa, sempre assumi 100% de responsabilidade e culpa nesta instância… E mais: Sempre fui obcecado, quando escrevo e/ou relato algo, que tal descrição corresponda RIGOROSAMENTE à verdade, pelo menos como a experimentei e senti. Neste caso por ter sido grave, caótico e confuso, confesso que não me lembro totalmente do que se passou.

CAVOK.pt[spacer height=”20px”]

Talvez em 2009, decido ir ao Alqueva. O maior lago artificial da Europa, é lindíssimo, e para um anfíbio, ideal para uma boa tarde de voos, amaragens e lazer.

Take off de Tires, consigo permissão para subir o Tejo, isto é, não preciso de voar pelo Túnel Este.

Sou “entregue” a Lis Mil que monitoriza o voo. Tudo nos conformes, comunico a Lis Mil: “Alqueva in sight!”, Lis MilCharlie, Oscar Charlie, intentions?”. Resposta minha: “Lis Mil, intentions to land at Alqueva on water, remain there about 1-2 hours, with several touch and go water landings”. Resposta: “Roger, Charlie Oscar Charlie, change frequency to XXX, Beja control, CONFIRM”.

E aí, penso eu, começa o problema. As transmissões estão “fracas” naquele dia. Porquê, não sei. As últimas são talvez de 2 por 5, no máximo. Mesmo assim, Respondo a Lis MilWill do!”, mas já não ouço a resposta. Assumo (mal, muito mal!) que o Controlador de Lis Mil ouviu. E entretanto, contacto como instruído, com Beja Control. Mas a frequência está horrível, cheia de interferências. Mesmo assim, consigo ouvir a resposta de Beja: “Roger Charlie Oscar Charlie”….

Assumo que está tudo Ok. Amaro. Passámos ali umas horas agradáveis.

Ao descolar, para regressar, vejo uma pista em terra batida numa das margens. Não resisto e aterro. Afinal conheço o dono da pista. Passamos ali mais uma hora.

Entretanto, verifico o telemóvel, que “apitou”… No Alqueva não tinha sinal. Alguém me telefonou repetidamente. Não reconheço o numero de telefone, mas tenho um pressentimento… Desagradável.

P51108-154946Devolvo a chamada. Atende-me individuo com voz muito séria: “É o Dr. Pedro Gomes, dono da aeronave CS-UOC?” Replico que sim, instintivamente reconheço-o. E afirmo-o: “Pois, é o Sr. Controlador de Lisboa Militar?“, Sou de facto. O meu nome é XXXX XXXX, oficial militar XXXXXXXX. O Sr. fez-me passar um dos piores dias da minha vida…..

Não vou, por respeito, descrever o que o Sr. Oficial me disse, numa voz embargada, agoniada e sofrida. Sei que estive a momentos de ser largado helicóptero para nos irem buscar. Se tivéssemos “sobrevivido”. Levei uma das piores (senão a pior) reprimenda da minha vida, como piloto e como Homem.

E escrevo este incidente como exemplo do que o que não se deve fazer, e que eu, IRRESPONSÁVELMENTE, fiz. Esperançadamente, servirá de exemplo e maturação para quem me lê, pilotos ou não.

O QUE SE PASSOU? No meu entender, e da explicação dada pelo Controlador, passou-se o seguinte:

  1. Quando Lis Mil me pede para confirmar a transferência do Controle de voo para Beja, não ouve a minha resposta. Entretanto, como estou a descer (para amarar), eu também já não ouço o pedido de Lis Mil : “SAY AGAIN, SAY AGAIN!!
  2. Assumo que Beja me ouviu, ao ouvir resposta, embora muito deficientemente, na frequência de Beja: “Roger, Charlie Oscar Charlie”.
  3. O Controlador em Lis Mil, perante a minha falta de contacto, telefona para Beja, inquirindo se o CS-UOC os contactou. A resposta é negativa.
  4. O Controlador de Lis Mil admite (ou começa a admitir) a hipótese que houve um acidente, na aproximação ao Alqueva.
  5. O Controlador em Lis Mil debate-se com o que fazer. O procedimento seria de “lançar helicóptero” para efeitos de busca. Decide telefonar mais uma vez para Beja, tem um “pressentimento”. E com razão: De facto, o Controlador local já tinha saído do serviço (aquele a quem ouvi a reposta de “Roger, Charlie Oscar Charlie”), ao meu pedido de contacto. Pede então que se ouça a gravação. E de facto lá está o meu pedido de contacto, mas com muito ruído…
  6. O Controlador de Lis Mil continua a debater-se com o que fazer. Não tem a certeza se houve ou não houve acidente. Está farto de me ligar. Não atendo. Está para autorizar a saída do Helicóptero, quando finalmente telefono eu.

Alguns aspectos em “minha defesa”:

  • Os procedimentos são muito claros: Um voo devidamente planificado, isto é com a submissão prévia de um plano de voo (que eu entreguei em Tires) só acaba perante a confirmação de “boa aterragem” por parte do piloto ou do Aeródromo que controla o voo.
  • Eu telefonei muitas vezes, quando amarava em várias barragens, confirmando “boa aterragem”, e consequentemente o “fecho do voo”. No Alqueva não o fiz, porque não tinha rede no telemóvel. Pelo menos onde amarei.
  • E eventualmente também não sou responsável por transmissões deficientes, especialmente com Beja, tão perto do Alqueva!

A legislação existente (pelo menos na altura) não é muito específica para situações de amaragens, e consequentes protocolos de segurança.

Mas estes aspectos não me exoneram da culpa! O que é que fiz mal?

  • Perante condições muito pobres de transmissão, em vez de descer no sentido de amarar, deveria ter aumentado a altitude ATÉ ser reestabelecida uma boa comunicação com Lis Mil.
  • O mesmo com Beja! Manter-me-ia na altitude correcta para um bom desempenho das comunicações com Beja.
  • SÓ DEPOIS ENTÃO é que iniciaria descida no sentido da amaragem.

Em suma: Facilitei. Fui preguiçoso. Não quis saber.

NUNCA MAIS!

Concluo aqui esta minha narrativa. “Admitidamente” longa… Algumas histórias interessantes e divertidas, e outra bem mais sóbria e esperançadamente útil!

Constitui esta narrativa também uma HOMENAGEM aos Controladores Aéreos, Homens e Mulheres que das suas torres, e tantas vezes no campo, com uma cadeira, um rádio antigo e um par de binóculos, todos os dias labutam para manter a segurança nos Céus de Portugal.

Para todo eles,

Um grande Abraço.

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Pedro Cameira Gomes (Cpt. Kirk). 1 de Novembro de 2016. Fotos Luís Rosa, Luís Malheiro.