Cinzas vulcânicas e Segurança Aérea – Parte II

Embora designadas “cinzas”, as partículas sólidas expelidas durante as erupções dos vulcões não resultam de uma reação de combustão e, à parte do aspecto de algumas delas, nada têm a ver com a cinza macia resultante da queima de madeira ou de papel.

As “cinzas vulcânicas” são basicamente compostas por materiais silicosos e, em menores quantidades, por óxidos de alumínio, de ferro, de cálcio e de sódio.

Alguns dos compostos que integram a composição química das cinzas vulcânicas são ligeiramente corrosivos para as fuselagens e para as estruturas das aeronaves, sendo também perigosos para a saúde: destacam-se os dióxidos de enxofre e de cloro que, quando hidratados, produzem, respectivamente, soluções de ácido sulfúrico e de ácido clorídrico.

Do ponto de vista físico e mecânico, as cinzas vulcânicas são essencialmente fragmentos muito finos de rocha pulverizada; com arestas e vértices muito aguçados, estes fragmentos de vidro silicatado são extraordinariamente abrasivos e têm uma granulometria que varia entre 2 mm e 1 a 25 µm (1 µm = um milionésimo de milímetro…).

Embora as cinzas vulcânicas possam afectar e danificar qualquer tipo de motor, os motores turbina são os mais sensíveis, quer pela concepção, partes constituintes e modo de funcionamento, quer porque equipam aviões que voam às altitudes/níveis de cruzeiro em que os encontros com cinzas vulcânicas são mais prováveis, quer porque a temperatura de fusão das cinzas vulcânicas (≈ 1100 ºC) é inferior à temperatura de operação de algumas partes deste tipo de motores.

Em relação aos possíveis danos nos motores decorrentes de encontros com nuvens de cinzas vulcânicas, existe um conjunto de fenómenos sintomáticos dos mesmos:

surging;

– “efeito maçarico” (torching) na tubeira de escape;

flameouts;

– variações inesperadas na temperatura dos motores;

– brilho branco ou laranja que cria um “efeito de lanterna”, visível na entrada de ar do motor, através das pás da fan.

Além dos danos nos motores, porventura os mais críticos para a segurança de voo, existe uma série de outros riscos e de perigos associados às cinzas vulcânicas:

– tubo de pitot entupido, o que pode levar a uma indicação de diminuição da Velocidade Ar Indicada ou a flutuações erráticas da mesma;

– descargas estáticas, semelhantes ao Fogo de Sant’ Elmo ou que produzem um brilho constituído por faíscas azuis que percorrem as janelas frontais do cockpit em sentido ascendente ou por faíscas brancas que aparecem nos bordos de ataque das asas.

Os encontros com nuvens de cinzas vulcânicas são ainda detectáveis através de:

– odor acre ou cheiro a fumo, semelhante ao cheiro de fogo de origem eléctrica, pó queimado ou enxofre;

– surgimento de “bruma” no cockpit e na cabine, com pó a depositar-se nas superfícies dos mesmos;

– alteração ou perda de pressurização.

Qualquer um destes indicadores é suficiente para alertar as tripulações de voo para a possibilidade de um encontro com cinzas vulcânicas: deverão ser então tomas medidas apropriadas para abandonar, da forma mais expedita e segura, o espaço aéreo contaminado.

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As consequências dos encontros com cinzas vulcânicas podem ser divididas em ameaças imediatas à segurança aérea e em ameaças “a prazo” à mesma.

São consideradas ameaças imediatas:

– degradação da performance ou falha completa de potência dos motores em voo;

– condutividade eléctrica da cinza vulcânica, especialmente quando está molhada: as perturbações eléctricas daí resultantes podem conduzir à impossibilidade de transmissão de uma mensagem de emergência via rádio;

– falhas nos sistemas pneumáticos e hidráulicos;

– janelas do cockpit que ficam parcial ou completamente opacas por abrasão, com a consequente perda de visibilidade;

– contaminação do ar da cabine, com a possível necessidade de utilização das máscaras de oxigénio: a hidratação de compostos sulfurosos de origem vulcânica gera uma suspensão ácida de aerossóis que podem causar problemas respiratórios aos passageiros e às tripulações em voo.

No que respeita a ameaças “a prazo”:

– erosão de componentes internos e externos das aeronaves, com o encurtamento da respectiva vida útil, devido a desgaste prematuro, e necessidade da sua substituição;

– exposição prolongada a sub-produtos vulcânicos (aerossóis corrosivos), o que aumenta significativamente os custos de manutenção em função do menor tempo entre manutenções;

– eficiência reduzida no arrefecimento dos equipamentos eléctricos e electrónicos, com potenciais curto-circuitos, falhas e/ou comportamentos anómalos nos sistemas de controlo de voo, de instrumentação e de navegação;

– situações de conflito de tráfego aéreo em manobra para evitar ou para abandonar espaço aéreo contaminado com cinzas vulcânicas;

– depósitos de cinza vulcânica nas pistas: a cinza vulcânica não se dissolve em água e forma uma pasta extremamente escorregadia que reduz a capacidade de travagem das aeronaves.

Face ao crescente número de incidentes e à gravidade dos mesmos, a ICAO começou a dar, em 1982, os primeiros passos oficiais e formais para mitigar os riscos colocados pelas cinzas vulcânicas à segurança aérea: esse será o tema de abertura do meu terceiro e último texto acerca deste tema.

Texto por Pedro Cruz. 27 de Março de 2016. Fotos por Terje Sørgjerd, David Karnå, Boaworm