Assiduidade e recorrência

Quantas vezes acontece não poder voar num fim-de-semana porque tem um programa com o seu filho, no seguinte não voa porque tem uma festa de aniversario, no outro não voa porque vai com a família almoçar fora, durante a semana não voa porque o trabalho não permite e assim o tempo vai passando…
Por fim lá chega o “seu dia” e desloca-se ao campo voo, naturalmente desejoso de entrar no seu “vaivém” e de fazer subir a adrenalina que nos últimos tempos tem estado adormecida… E aqui que os problemas podem começar…

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Pilotar um avião começa e termina dentro do hangar. Em voo existem determinadas fases em que os nossos sentidos são postos a prova, e nessa altura temos de estar aptos e aplicar a técnica adequada que a situação exigir.
Nenhum voo e igual, nenhuma descolagem e igual, bem como nenhuma aterragem.
Dominar o avião em todas as fases, mantendo uma adequada vigilância situacional, isto é, de tudo o que nos rodeia, chama-se proficiência.
Os pilotos que voam de uma forma regular tem, teoricamente uma proficiência mais apurada do que aqueles que voam com ciclos mais longos de inactividade, no entanto, isto não e sinonimo de insegurança, bastando a estes pilotos que voam menos vezes, redobrar os cuidados.
A quebra de rotinas frequentes, muitas vezes leva ao esquecimento de métodos, no limite ao erro. Não é só o facto de o piloto estar bastante tempo sem voar e de isso, inevitavelmente, baixar os seus níveis de proficiência, há que ter também em conta a maquina.
Qualquer maquina se danifica estando mais tempo parada do que a trabalhar.
As borrachas tendem a ressequir e determinadas peças pela sua proximidade com outras tendem a colar-se, os equipamentos eléctricos tendem a ganhar humidade, os pneus tendem a esvaziar-se, a bateria a descarregar… no entanto por estarmos a falar de aviões, e obrigatório ter cuidados mais redobrados, dado que na hora verdade, um longo tempo de inactividade não é desculpa nem consolo.

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Ao chegar ao hangar, muito antes de descolar, verifique se não existem líquidos no chão, vindo do motor ou dos travões.
Faça a purga aos depósitos e verifique se não tem contaminação de combustível, de água ou impurezas vindas dos recipientes utilizados para atestar o avião.
Impõe-se uma inspecção cuidada das condições em que o combustível se encontra, bem como ao cockpit, ao motor, asas, empenagem, trem e no final ver se a maquina pega…
A bateria assume aqui um papel preponderante, pois normalmente e dado um “encosto” com uma outra bateria, mas será que depois de o motor estar a trabalhar ela recebe carga? Será que o alternador ou similar a esta a carregar? Há que verificar, embora os motores não precisem de bateria quando estão a funcionar, os restantes aparelhos precisam e se a mesma não estiver a receber carga, rapidamente esses aparelhos a vão descarregar, o que leva a ficar sem comunicações ou GPS.
Imagine que aterra num campo sem apoio, se o motor não voltar a pegar pode ter uma P51107-155614surpresa desagradável! Para alem do facto de em caso de falha de motor em voo, poder precisar de starter no caso de não conseguir “windmill”. Determinadas combinações de hélice/motor não arrancam ao sabor do vento sem uma bateria convenientemente carregada.
O checklist e “obrigatório” em qualquer avião. Ele ajuda a não negligenciar nenhuma operação, desde do “Start-up” ao “Parking”.
No entanto o checklist deve estar elaborado de uma forma fácil e objectiva sem items desnecessários, que o tornem fastidioso, que nos de vontade de saltar e não cumprir; uma vez que checklist não é airmanship, mas uma lista “anti-esquecimento” de items potencialmente perigosos se não executados atempadamente. Um mau checklist é um mau inicio de voo.

É normal, depois de um longo período sem voar haver esquecimentos. Perde-se a noção da envergadura do avião. Durante o taxi a ponta da asa pode acabar por bater num poste que íamos jurar que nunca ali esteve…

Na descolagem pode esquece-se de por os “flaps” na “take-off position” requerida para aquelas condições, da cobertura do tubo de “pitot”, ou de acertar o QNH etc. O uso do checklist elimina muitas destas potencialidades de incidente.

No inicio do voo, o avião tem uma tendência para repartir o “comando” com o piloto, pois não estamos “ainda” a vontade para assumir toda a autoridade que devemos exercer sobre ele, o que naturalmente vai melhorando com a continuação do voo. A estatística diz-nos que e durante a fase de aproximação e aterragem, numa altura em que as velocidades são mais baixas, que existem mais probabilidades para o erro.
Nesta fase os pilotos estão com os sentidos em alerta, atentos a pilotagem do avião bem como com todo o tráfego que circula em seu redor e no chão; para quem não lida já à algum tempo com isto, tem de estar muito mais concentrado, sem no entanto correr o risco de visão em “túnel”, tão frequente após longos períodos de inactividade.

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Há que ter em conta ainda que durante uma aterragem com vento cruzado forte, ou outro factor que saia de uma situação standard, por não estar totalmente familiarizado com as reacções típicas do avião, pode existir da sua parte algum desconforto…
Neste caso impera o bom senso, que e borregar, sempre que não estejam reunidas todas a condições para uma aterragem em segurança, o Piloto Comandante deve borregar. Não esqueça que Segurança não é só um conceito objectivo. Mas também uma sensação. Quando sentir que alguma coisa não esta bem, que não esta confortável, mesmo que não saiba muito bem o que e… BORREGUE!
Borregar é uma das manobras mais nobres na aviação, nos ultraleves esta NOBREZA deve ser escrita com letra maiúscula.

Os aviões de hoje, de um modo geral os de 3ª geração, têm uma performance aerodinâmica optimizada, o que faz com que as razões de planeio aumentem. As pistas em que operamos são muitas delas satisfatórias, mas não exageradamente compridas ou com condições de piso e aproximação óptimas; por tudo isto uma boa aterragem deve ser sempre o sinónimo de um borrego que no último momento se resolveu não executar.

O borrego quando atempadamente decidido e executado transmite calma. É o criar de uma outra oportunidade que tantas vezes reclamamos não poder ter na nossa vida do dia-a-dia.

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A aviação ultraleve e de lazer / desporto, não tem de ser individualista, muitos pilotos optam por se “fechar em copas” com as suas duvidas e com os seus medos; não há razão para que isso aconteça, a comunidade não é grande, no entanto existe um número considerável de pessoas que nos podem esclarecer duvidas, sejam eles instrutores ou pilotos com experiência sobejamente conhecida e que em geral são os primeiros a partilhar as suas experiências menos boas.

Felizmente para a modalidade, temos no nosso “fuel tank” pilotos militares, pilotos profissionais, pilotos examinadores de primeiríssimo plano, pilotos seniores, pilotos que andaram a combater nas colónias, pilotos que fazem do ensino o seu modo de vida, e pilotos das mais diversas proveniências profissionais e pessoais que contribuem a cada momento com o seu bom senso adquirido nas mais diversas áreas da vida: enfim não temos falta de “Ground”.

O nosso património aeronáutico e feito das experiências por que passamos, do bom senso que aplicamos nas decisões, da objectividade que temos e fundamentalmente no saber aprender com os erros dos outros.

Voando desta forma ficamos expostos apenas a pequeníssima percentagem de incidentes por razoes mecânicas… e mesmo essas, muitas delas, em extremo relativamente minoradas nas suas consequências com um bom “SAF”, continuamente treinado.

Desejo a todos que continuem a manter o mesmo número de descolagens ao de aterragens.

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Autor Pedro Simões in Revista Voar #09 APAU