Odisseia do voo Portugal/Bulgária

Prefácio

Conheci o Vasco de Almeida em finais de 2015, quando procurava um avião para comprar. Acabou por comprar o avião que lhe recomendei, no qual fizemos juntos vários voos, entre eles o voo Bragança/Cascais e no dia seguinte Cascais/Ponte de Sôr/Cascais que me mereceu uma reportagem, que se encontra alojada em www.cavok.pt. com o título “A viagem Bragança – Cascais” que pode LER AQUI.

Depois destes voos, fui acompanhando a ascensão do Vasco no Mundo da aviação (na altura dos nossos voos atrás referidos, ainda era um promissor aluno, quase a terminar o curso PPL, ainda sem qualquer qualificação aeronáutica, mas com uma notória paixão pelos aviões e com uma extraordinária aptidão para a pilotagem) e só voltamos a voar juntos nos finais de Julho de 2017 nas Redburros Térmicas em Mogadouro, onde se deslocou propositadamente no seu avião, para voar planador comigo.

Aí, quando lhe passei os comandos do planador, percebi que era um piloto perfeitamente consolidado, com uma proficiência somente experimentada por quem voa regularmente (200 horas em dois anos).

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O Vasco descreve com grande fidelidade, numa reportagem também alojada no www.cavok.pt “Viagem à Bulgária-2018“, como chegamos a esta aventura, que agora descrevo, (levar um avião monomotor para a Bulgária e trazer um motoplanador de volta), cuja leitura eu recomendo vivamente, a quem não tiver paciência para ler o meu reporte mais detalhado.

A partir do momento em que regressamos da Bulgária, (em linha aérea) depois de termos verificado e voado o Dimona, era certo que a aventura estava à nossa espera. No fundo, no fundo, eu tinha esperança que as coisas se arrastassem para épocas do ano em que a meteorologia fosse mais amiga dos voos VFR. Não me preocupava tanto o mau tempo (tetos baixos e falta de visibilidade), mas sim a formação de gelo. Mas o Vasco, impelido pelo seu voluntarismo, estava sempre a ligar-me, dando conta das condições Meteorológicas, impaciente por dar início à odisseia.

Mas, como estávamos dependentes da chegada do Magneto do Dimona, que tinha sido enviado para a Alemanha para revisão, sabia que, apesar do entusiasmo do Vasco, não iríamos sair sem a certeza de que este estaria instalado no avião, para o nosso regresso.

Este facto não impedia que, desde o nosso regresso da Bulgária, todas as noites, antes de me deitar, estudasse cartas, espaços aéreas, características das rotas, rotas alternativas, etc. Sabia que o Vasco estava acossado da mesma febre.

Tal como imaginava, nada iria deter o Vasco de descolar para a Bulgária, logo que tivesse a confirmação de que o Dimona estaria pronto a trazer-nos de volta, por isso, logo que os alemães confirmaram o envio do Magneto, o Vasco marcou a data de descolagem e eu, ou o acompanhava, ou ficava em terra.

Tentei matar dois coelhos duma só cajadada, e agendei para o dia da descolagem, fazer 3 aterragens para efeitos de seguro, num C182 dum amigo alemão, atualmente sediado em Santarém e logo a seguir descolar para a Bulgária com o Vasco no Rallye Commodore, CS-AIQ.

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No dia aprazado, 17de janeiro de 2018, acordei às 5 horas da manhã, viajei de carro de Castro Daire para Santarém, para descolarmos cerca das 12 horas locais. Literalmente foi sair dum avião e entrar noutro, para uma aventura, que eu sabia ir ser atribulada, mas apesar da minha imaginação e tentar considerar todas as variantes, não poderia nunca imaginar o que nos poderia acontecer e, bruxo não sou. Penso que é por isso, que todas as aventuras têm o condão de criar uma irresistível atracção com sabor agridoce.

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Voo Santarém – Ocaña

Eu já não sentava o traseiro no CS-AIQ, desde o último voo de Ponte de Sôr para Cascais e tinha uma imagem diferente do estado do avião, onde agora, as mais de 230 horas voadas pelo Vasco tinham deixado algum rasto. Mas, como sabia que o avião estava em regime de Manutenção Controlada, tinha confiança que nos levaria à Bulgária sem problemas de maior. Mesmo assim, notei que o travão do lado esquerdo estava preso, indiciando uma bolha na tubagem hidráulica do sistema de travagem.

Um problema recorrente nos Rallyes e fácil de resolver com as ferramentas adequadas. Mas, não havia tempo para o corrigir, e caso o problema piorasse, eu sabia como resolvê-lo.

Sentei-me na cabine do lado direito e quando levanto os olhos, dou com uma fissura no pára-brisas na ordem dos 20 cms. Pensei logo que deveria ter levado um capacete, à semelhança do meu amigo Hans Regner que um dia me apareceu em Viseu vindo da Alemanha no seu TB10, de capacete e viseira enfiados na cabeça.

A explicação não se fez esperar. Durante a revalidação anual, o inspetor detetou pequenas fissuras no pára-brisas e ordenou a sua substituição, mas como o novo pára-brisas não chegou a tempo, e porque a viagem já estava marcada, resolveu o problema com um capacete de mota, para qualquer eventualidade, que é como quem diz, para o caso do pára-brisas entregar definitivamente a alma ao criador. A fissura no CS-AIQ já tinha sido “tratada” através de dois furinhos nas extremidades para impedir que esta continuasse a expandir-se. Guardei para mim, que tínhamos que ter cuidado com as velocidades, até porque eu já tinha vivido uma situação de pára-brisas partido, quando efetuava um voo de ensaio num Piper Tomahawk, que deixou o proprietário furibundo e me mereceu rasgados elogios do inspetor que ordenara o voo de ensaio. Segundo o inspetor, era exatamente para isso que serviam os voos de ensaio.

Descolamos sem grandes delongas, e como o Vasco descreve muito bem no seu relato, logo após a descolagem, apercebemo-nos que, o indicador da temperatura do óleo estava no arco vermelho, mas a temperatura da cabeça dos cilindros estava no verde, assim como a pressão do óleo, por isso nunca nos passou pela cabeça voltar para trás. Entretanto o Vasco percebeu que, reduzindo a potência, a temperatura estabilizava nos 60 graus, pelo que, a avaria só poderia ser do sensor. Com uma visibilidade soberba, o Vasco foi pilotando, navegando e gerindo as comunicações, demonstrando um domínio absoluto em todas áreas, o que me levou a pensar, que  eu iria ser apenas lastro durante toda a viagem. Não que isso me incomodasse, muito pelo contrário, sentia-me um privilegiado. Iria participar numa aventura com a qual todo o piloto sonha. Relaxei e fui verificando a funcionalidade dos instrumentos de voo, pois numa viagem destas, onde iríamos encontrar todo o género de meteorologia, seria bom saber com o que podíamos contar.

O Gyro processava bastante, mas mantinha-se estável e era operado pela bomba de vácuo do avião, enquanto o Horizonte Artificial era elétrico e era necessário engatá-lo de 5 em 5 minutos, ou com mais frequência, consoante estivesse a voar estabilizado ou em volta. O Indicador de Volta não era minimamente fiável. O voo decorria estável e com uma excelente VT entre 120 e 130 Knots e não teve mais história, à exceção de 30 em 30 minutos o Vasco reduzir a potência para fazer a leitura da temperatura do óleo.

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Voo Ocaña – Teruel

Enquanto o Vasco resolvia o problema de abastecimento, que ele descreve muito bem no seu reporte, eu tentava perceber a razão da falsa indicação da temperatura do óleo. Como sabia onde estava o sensor da temperatura do óleo, fui lá direto, mas a única coisa que me parecia menos correta, eram os cachimbos de borracha que cobriam os terminais de ligação, que não estavam no sítio, deixando os terminais nus (à vista). Limitei-me a empurrar os cachimbos para a posição correta e tentar desencostar os cabos de partes metálicas que pudessem estar a causar interferência. E, funcionou!

Com os tanques atestados de novo com 180 litros de AVGAS, descolamos para Teruel.

Uma das minhas preocupações, que fui partilhando com o Vasco e que serviu de regra para o resto da viagem, era respeitar as reservas de combustível, ou seja, gasolina para o aeródromo alternante e mais 30 minutos de combustível, ou seja, aterrar sempre com autonomia para 60 a 90 minutos de voo. Poderá parecer um exagero, mas eu tenho muito calo sobre a gestão de combustível e o único stresse que não procurávamos era encontrar-nos em algum espaço aéreo complexo, com mau tempo e com o sol a esconder-se no ocaso e os ponteiros do nível de combustível  a indicar zero.

A outra preocupação, era não voar até muito próximo do pôr do sol, apesar de termos, legalmente, mais 30 minutos de crepúsculo vespertino para aterrar, não seria muito sensato, tendo em conta que não estávamos familiarizados com os espaços aéreos, nem tão pouco com a orografia do terreno, ou com meteorologia instável. Por estas razões, a nossa última perna do dia era planeada de forma a terminar no mínimo 45 a 30 minutos antes do pôr do sol.

Aproximamo-nos de Teruel e podemos avistar o parque de dezenas de aeronaves de grande porte, em que o mais pequeno deveria ser o A319. No relato da viagem de regresso com o Dimona, que nos trará de novo a Teruel, falarei mais detalhado deste aeroporto e deste investimento. Aterramos com um vento gélido, e estacionamos ao lado dum B747 e de dois Pipers Cherokee com matrícula G (os únicos mono motores ali estacionados) e como previsto 30 minutos antes do pôr do sol. Providenciamos de imediato o abastecimento do avião, porque no dia seguinte queríamos descolar ainda dentro do crepúsculo matinal. Infelizmente o aeroporto só abria às 8:00 horas e a Guardia Civil só chegava às 8:20, pelo que a nossa descolagem ficava para as 9:00 horas locais, ou seja, uma hora depois do nascer do sol. Enquanto cumpríamos as formalidades, somos questionados se pretendíamos de-icing para o dia seguinte. Reagimos unanimemente incrédulos. O quê? De-icing? Claro que não!

De táxi para o Hotel em Teruel, check in, e saímos para jantar, beber uma cerveja e ver a cidade… de noite, o que ia ser uma constante em todas as cidades onde iríamos pernoitar. Mesmo assim, fiquei com a impressão, que deve ser uma cidade interessante.

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Voo  Teruel – Montpellier Candillargues no dia 18/01/2018

Despertar às 6:00 horas portuguesas para nos encontrarmos no lobby do Hotel às 6:30 e pedir um táxi. Feito o pedido do táxi na recepção, somos informados pela recepcionista que não há táxis. Como não há táxis? Aparentemente o hotel tinha um acordo com uma cooperativa de táxis e só podia recorrer a eles, que naquele momento não dispunham de nenhum, nem tão pouco a receção tinha qualquer outro número de táxi. Típico dos nossos hermanos! Felizmente, no dia anterior eu tinha ficado com o cartão do táxi que nos tinha trazido do aeroporto e em cinco minutos acorria à nossa chamada à porta do Hotel e assim íamos poder cumprir com os nossos planos. Como só poderíamos entrar na placa do aeroporto depois de passar pela Guardia Civil que só chegava às 8:20 locais, Tínhamos tempo, e decidimos pedir ao taxista para nos levar a comer umas tapas. Estávamos longe de imaginar o quão este gesto nos ia ser útil. Com um frugal pequeno almoço de presunto e queijo (e este, ia ser o único pequeno almoço digno do nome durante toda a viagem) pedimos mais duas tapas para levar na viagem, prevendo que não iria haver tempo para almoçar.

Depois das formalidades no aeroporto (apesar de todo o pessoal, incluindo o diretor, serem extremamente simpáticos, não deixavam de usar e abusar da burocracia), finalmente levaram-nos ao avião, para constatarmos que… estava congelado!!

A fuselagem e as asas não apresentavam muito gelo, mas a canopy estava com uma camada de gelo superior à espessura do plexiglass. Tínhamos aprendido a nossa lição.

Tentamos raspar o gelo do pára-brisas e depois de algum sucesso, o Vasco decidiu despejar-lhe uma garrafa de água que, congelou de imediato, obrigando-nos a repetir tudo de novo. Felizmente, o sol que se ia levantando no horizonte, deu-nos uma “mãozinha” e passado uma hora, depois do motor na temperatura de funcionamento, estávamos a descolar rumo a Montpellier Candillargues. O tempo apresentava-se esplendoroso, com o sol a derreter alguns resquícios de gelo ainda existentes no avião. Confortávelmente estabilizados em FL085 víamos desenrolar-se debaixo de nós um compacto manto branco de nuvens, qual sereno mar de algodão.

Poderia parecer um mar de algodão mas, nada tinha de fofo. Em caso de paragem do barrote, sabíamos que aquele manto branco, colado ao solo, nos iria matar. Os Pirenéus, recortavam-se majestosos no horizonte, limpos de quaisquer nuvens, com o sol arrancando-lhes  reflexos vermelho sangue.

O avião continuava sulcando os ares com uma estonteante velocidade terreno de 145 Knots. Voava perfeitamente estabilizado numa atmosfera gelada de 16 graus negativos, como se fosse pilotado por um sofisticado piloto automático. Aproximamos-nos rapidamente dos Pirenéus, e temos que subir para FL100 pés, para passarmos com uma segurança de 1.000 pés. Logo que deixamos os Pirenéus para trás, vislumbramos a cidade e o aeroporto de Perpignan e a costa francesa, donde faremos navegação “costodrómica” até Montpellier Candillargues. Perpignan obriga-nos a descer, o que fizemos com todo o agrado, para assim melhor podermos apreciar a costa. Estranho é o funcionamento do FIS e do ATC em França, sempre que nos transferiram, atribuíam-nos novo código Transponder.

Montpellier Candillargues é um aeródromo simpático, com ventos fortes mas, alinhados com a pista, com gente simpática, (como estava na hora de almoço, depois de nos abastecerem, foram almoçar e deixaram-nos dentro das instalações a planear a nova perna, pedindo-nos apenas para fecharmos a porta quando partíssemos) e com a gasolina mais barata de toda a viagem, e eu diria mesmo de toda a Europa. Montpellier Candillargues recomenda-se, verdadeiramente.

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Voo Montpellier Candillargues– Roma Urbe

Com a avião de novo atestado com 180 litros de Avgas, depois duma breve consulta à meteorologia – abençoadas ferramentas que hoje existem, e que permitem no momento aceder aos Metar´s aos Taf´s e ainda obter todas as informações, quer para a rota, quer para o destino, que um piloto VFR necessita para planear a sua viagem – a nossa decisão foi unânime em voarmos diretamente de Montpellier Candillargues para Roma Urbe. O Vasco que trata o Skydemon por tu, rapidamente elaborou a viagem e logo submeteu o plano de voo online (em todas as pernas desta odisseia, quer na ida, quer no regresso, sempre submetemos o plano de voo online, via NAV em Lisboa, e sempre funcionou extraordinariamente bem). Nesta parte de França a estrutura do espaço aéreo é muito complexa, em virtude dos muitos aeroportos civis e militares  existentes na região, muito próximos uns dos outros e uma vez mais o Skydemon se revelou inexcedível, fornecendo-nos todos os way points para sair daquele emaranhado de espaços C, D, E e F até entrarmos finalmente no tão amado Golf. Preparamo-nos para a grande travessia, que o Vasco volta a descrever muito bem no seu relato.

Sacamos e vestimos os coletes salva vidas, que mais do que salvar-nos a vida, na realidade tinha apenas um efeito psicológico, porque é sabido, com a temperatura da água do mar mediterrânico em Janeiro, em caso de amaragem, teríamos no máximo 5 minutos de vida antes de morrermos de hipotermia.

Descolamos  com vento forte, que nos aquecia a alma, porque iria estar propício à nossa rota para Roma Urbe. Visto que o aeródromo Montpellier Candillargues não tinha ATIS, tentamos contactar ainda no solo com Montpellier aeroporto, que dista poucos quilómetros, mas sem sucesso. A 1.000 pés conseguimos estabelecer contacto rádio com Montpellier que nos atribuiu logo um código transponder em substituição do código 7000 com que havíamos descolado, para pouco depois nos transferir para Nimes, e pouco depois para Marselha, que por sua vez, pouco depois, nos passou a Provence, e o nosso pedido era sempre o mesmo, autorização para subir.

Queríamos chegar à costa o mais alto possível, para enveredarmos pelo mar adentro. Fomos sendo autorizados  a subir por etapas, ora 1.000 pés, ora 2.000 pés, e finalmente chegamos à costa no FL 095, quando as 180 NM do Mediterrâneo se abriam à nossa frente, que iríamos percorrer, com os nossos coletes vestidos e com a nossa fé em Deus (afinal estávamos a voar para Roma) e na manutenção feita em Cascais.

O ATC autorizou-nos a subir para FL105 e colocou-nos algumas questões, como tipo de aeronave, pessoas a bordo, pedindo-nos a estima a um qualquer way point no meio do mar, cuja informação o Skydemon nos forneceu com um simples olhar. O vento soprava forte de cauda, proporcionando-nos uma VT na ordem dos 150 Knots. A terra firme ia ficando para trás e o mar expandia-se à nossa frente até onde a vista podia alcançar. Às tantas, o Skydemon indica que em caso de falha de motor, já não atingiríamos terra firme, apesar de, voltando a cabeça, ainda conseguirmos vislumbrar as fraldas da costa francesa.

A partir daí, a nossa atenção virou-se para as embarcações que sulcavam o mar e apontávamos um ao outro a localização dos navios que íamos vendo, sem palavras, mas ambos sabendo que,  em caso do barrote parar, seria para ali que apontaríamos a proa do CS-AIQ. Descontraídos e com a moral alta, virei-me para trás e saquei das sandes que nos acompanhavam desde Teruel. Relaxados e confiantes, almoçamos as nossas sandes, embrulhadas em folha de alumínio, que depois colocamos no saco plástico de lixo que nos acompanhava. O Vasco pôs o saco do lixo atrás, enquanto eu ainda tinha na mão um pedaço de folha de alumínio. Preguiçoso para me virar para trás, em busca do saco do lixo, fiz uma bola com o alumínio e atirei-a simplesmente para trás. Estávamos longe de imaginar, como este gesto nos ia poupar stresse e nervos, e quem sabe, evitar ser abatidos por algum F16 ou MIG.

Os instrumentos estavam todos no arco verde, o motor continuava a trabalhar redondinho como um relógio suíço, (apesar de nos parecer sentir vibrações e barulhos que até ali nunca tínhamos percebido), mesmo assim, deixamos de dispensar muita importância aos navios que, cada vez mais esporadicamente iam aparecendo. A meteorologia estava do nosso lado, com alguns cúmulos espaçados, aqui e acolá. Finalmente começámos a vislumbrar terra ao longe (era o extremo norte da Córsega) mas o Skydemon continuava a insistir que se tivéssemos que amarar, continuaríamos a ter que ser “pescados”. Finalmente o Skydemon indica que já atingiríamos terra firme em modo planador, para pouco depois verificarmos que o lado Nordeste da ilha era escarpado e montanhoso, sem possibilidade de aterragem de emergência, a não ser na “banheira”. Transpusemos as montanhas para o lado leste da ilha que é plano e, é onde se encontra um dos aeroportos da ilha, que sobrevoamos mesmo à vertical.

A Córsega começa a ficar para trás, mas à nossa esquerda e à nossa direita vislumbravam-se várias ilhas, pelo que em caso de emergência, segundo o Skydemon, atingiríamos terra firme, até que tudo ficou de novo para trás e cruzamos de novo o ponto de não retorno. Finalmente estabelecemos contacto com Roma que nos mandou descer de FL105 para 4.000 pés sobre um determinado way point, que para além de já estar muito próximo da nossa posição, estava a umas dezenas de milhas da costa. Era eu que estava aos comandos e a ideia não me agradou nada, por isso iniciei uma descida suave, para trocar altitude por velocidade.

O vento de cauda tinha diminuído mas a VT aumentou para 170 Knots, enquanto a VAI estava próxima do arco amarelo e, nós tínhamos o pára-brisas no estado que relatei no prefácio, portanto tinha duas opções, ou reduzia o motor e fazia uma descida mais acentuada, com menor VAI, ou mantinha a potência e chegava ao way point a uma altura superior a pedida pelo ATC. A visibilidade era excelente, por isso optei pela última alternativa, (voar a 4.000 pés sobre mar aberto com o nosso espartano equipamento era uma experiência que não desejávamos, mas o ATC foi irredutível, “esticamos a corda” mantendo os olhos bem abertos, e poucas milhas à frente do way point, atingimos os 4.000 pés QNH mas, nem sinais de costa.

Finalmente atingimos a costa italiana e o ATC foi-nos “empurrando” para baixo até estarmos a voar a 500 pés QFE, através dum corredor, (mais uma vez obrigado ao Skydemon) onde não voávamos sozinhos. Embora percebêssemos que havia outro tráfego, como as comunicações com esse tráfego eram efetuadas em italiano, só quando o ATC nos informou da posição desse tráfego, situado num way point do qual nos estávamos a aproximar é que conseguimos localizar o “caramelo” (um C150 ou 152) a cruzar à nossa frente da esquerda para a direita a subir, mais baixo do que nós, que já estávamos a 500 pés QFE (ao contrário da informação prestada pelo ATC, segundo a qual, o tráfego estaria mais alto). Era claro que o “caramelo” tinha andado a mostrar as cuecas fungicida à namorada. Roma Urbe é um aeródromo secundário mas com muito tráfego de aviação geral e executiva, penso que será o Cascais lá do sítio.

O terreno era irregular e, o sol já estava no horizonte, dificultando a visibilidade para a frente, porque o corredor de entrada tinha-nos levado por norte, para Leste do aeroporto e a aproximação agora fazia-se para Oeste, com sol de frente. Finalmente aterrados, quisemos abastecer de imediato, gerando-se alguma confusão, porque o taxiway para livrar a pista era à esquerda, para o apron, mas o abastecimento encontrava-se do lado direito da pista, o que obrigava a rolar até à cabeceira da pista, atravessá-la, e entrar no único  taxiway  do lado direito que conduzia ao abastecimento, que tinha os dois sentidos, sem permitir a passagem dum avião pelo outro e, por isso, obrigava que os aviões para abastecimento esperassem a meio do taxiway numa raquete e, só fossem autorizados pela Torre a avançar para a bomba, quando o avião abastecido cruzasse à sua frente. Na raquete já estava um avião que tinha aterrado depois de nós, mas tinha feito backtrack na pista e saído logo no caminho para abastecimento, porém a torre, corretamente, mandou-nos avançar em primeiro lugar, logo que o avião abastecido cruzou à nossa frente, o que mereceu um protesto do “caramelo” que considerava estar em primeiro lugar. Quando cruzamos à sua frente, a caminho da nossa park position, já abastecidos, o Vasco acenou-lhe num gesto de agradecimento/desculpa e, eu mostrei-lhe o “dedo”. Feitios!

Abastecidos e avião parqueado, deixamos o aeroporto, sem burocracias, sem taxas de aterragem e aí vamos nós de Uber para Roma cidade.

O Vasco tinha escolhido um Hotel a mais ou menos 30 minutos a pé do Vaticano, pelo que decidimos visitar o Vaticano a pé… de noite, claro. Depois dumas fotos tiradas na Praça de S. Pedro, decidimos regressar à zona do Hotel, e o Vasco, um veterano seguidor das novas tecnologias, sempre bem informado, descobre que Roma tem a mesma aplicação que existe em Lisboa para partilha de motas-aceleras elétricas, e logo descobre uma mesmo junto ao Vaticano e, aí vamos nós, de capacetes na cabeça, de novo com o Vasco aos comandos, mas desta vez duma acelera.

O Vasco tem, não só extraordinárias qualidades como piloto de aviões, mas também de condução. Vi-o a conduzir no trânsito caótico de Budapeste, como se toda a vida ali tivesse conduzido, e por isso não me surpreendi, enquanto ele serpenteava a mota com inigualável mestria  através do trânsito de Roma. Em menos de cinco minutos, estávamos de novo na zona do Hotel, largamos a mota, numa qualquer rua e, prosseguimos a pé à procura dum restaurante, não sem primeiro comprarmos ferramentas para tentar aliviar  o travão da roda esquerda do avião, e depois, dormir, porque havia que levantar cedo, e as emoções do dia tinham sido muitas e intensas.

Voo Roma Urbe – Brindisi, Sexta-feira dia 19/01/2018

Apesar de cansado, não conseguia conciliar o sono. Enquanto jantávamos, estivemos a discutir a nova perna e, o Vasco saiu-se com a ideia de voarmos através da Grécia, onde a meteorologia estava significativamente melhor. Essa nunca tinha sido uma opção minha, por isso argumentei contra, embora a ideia me agradasse, apesar de significar que só chegaríamos à Bulgária no Sábado, em lugar de chegarmos no dia seguinte, sexta-feira, como era nossa intenção.

Nas inúmeras rotas que tinha imaginado, passavam todas pelo norte da Itália, abrindo-se depois em duas alternativas: via Eslovénia, e Hungria para fazer alfandega e depois atravessar a Roménia non-stop até Gorva na Bulgária para desalfandegar. Esta rota já tinha sido abandonada por nós em Montpellier,  quando decidimos voar para Roma, por causa da meteorologia, por isso na minha cabeça restava apenas a outra rota, via Brindisi Itália, Tirana na Albânia para reabastecimento e fazer alfandega, atravessar a Macedónia non-stop e entrar na Bulgária por Grova para desalfandegar. No entanto anuí satisfeito. Afinal ia ser interessante conhecer a Grécia, pensávamos nós.

Na cama, às voltas com o Skydemon e com a meteorologia, parecia-me, que a única forma de sair de Roma seria chegar à linha de costa pelo caminho mais curto e prosseguir a baixa altitude para sul onde o tempo estava cinco estrelas. No entanto a meteorologia iria estar marginal, com nuvens baixas que iam baixando ainda mais junto à costa, com uma espessura de mais ou menos 4.000 pés, entre Roma Urbe onde estávamos e a linha de costa.  Para Leste tínhamos altas montanhas com 8.000 pés a barrar-nos a passagem, com nuvens coladas ao terreno e com Top a 9.000 pés, embora a Leste das montanhas o tempo também estivesse magnifico.

A aplicação Windy prometia base das nuvens a 1.000 pés, num raio de 15 ou 20 milhas na rota que nos conduzia através do corredor estabelecido pelo ATC, e depois, subia substancialmente, mas entretanto o maldito terreno era irregular. Desliguei tudo e forcei o sono, porque no dia seguinte o plano era voltar a descolar ao nascer do sol, que era um pouco antes das 7:00 horas UTC ou de Portugal. À hora que saíamos dos hotéis não havia pequeno almoço para ninguém. Mas nesse dia também não havia qualquer apetite. A saída de Roma adivinhava-se muito complicada.

Chegados ao aeródromo, de novo com os serviços da Uber, dirigimo-nos ao avião sem qualquer burocracia a atrasar-nos e depois de concluir que as ferramentas que tínhamos comprado eram insuficientes, outra alternativa não nos restava que não fosse continuar a viagem com a roda esquerda meia travada. Descolamos sem sabermos que, começavamos uma das partes mais estressantes da viagem. O Vasco tinha escolhido uma rota direta para a costa, (num desejo lógico de escapar ao mau tempo, através da rota onde este se apresentava mais amiga e o terreno era mais regular), ou seja, através da cidade de Roma a baixa altitude. O ATC logo após a descolagem, com “requintes de malvadez” decidiu fazer um traço nos planos dos portugueses.

Sobrevoar Roma a 1.000 pés estava fora de questão, e subir, o S. Pedro (aquele que regula as condições Meteo) tinha-se encarregado de bloquear essa alternativa colocando o tecto de nuvens a 1.500 pés, e para além disso o procedimento de saída era exatamente aquele que nos ia levar através da m….., mas, ou isso, ou voltar para trás. Estava decidido, íamos tentar através do maldito corredor, cuja a altitude máxima era 1.500 pés.

O Vasco entregou-me os comandos, talvez pensando, se ele “vestia” o avião como um fato, eu vestia-o como a própria pele. Pela primeira vez naquela viagem, senti-me útil, pois até ali o Vasco Tinha pilotado, navegado e comunicado, enquanto eu curtia o voo, sem ter que me preocupar rigorosamente com nada. Estava decidido a “forçar” a passagem até ao extremo. Passados 10 minutos de voo o tecto começou a baixar, mas pareceu-me que se conseguíssemos passar um pequeno monte à nossa frente, talvez do outro lado desse para “furar”. Infelizmente, do outro lado revelou-se uma falsa perceção e, a voarmos mais baixo que o monte que havíamos ultrapassado, não havia qualquer nesga por onde passar. Aliás, a única alternativa era voltar para trás, pelo corcovado por onde tínhamos vindo, que era mais baixo que o ponto mais alto do monte.

Unanimemente decidimos regressar a Roma Urbe e repensar a nossa vida mas, mais ou menos a meio do caminho de regresso apercebemo-nos duma aberta, que apesar de não mostrar céu azul, deixava passar muita claridade. Trocamos rapidamente opiniões entre nós, e decidimos tentar subir ali mesmo para cima da camada, desde que o ATC nos autorizasse a subida. O Vasco encetou as negociações com o ATC, enquanto eu continuava a pilotar, que nos foi deixando subir inicialmente para 4.000, depois para 6.000, e por último para nível 095, com compromisso de voarmos para Leste. Durante a subida o ambiente a bordo era tenso e sério, mas longe de ser dramático. Sentado do lado direito, tinha os instrumentos de voo do lado esquerdo, tendo que repartir a atenção pelo exterior, que não fornecia grandes referências mas, mesmo assim suficientes para não entrar em IMC e, virar a cabeça para a esquerda para vigiar os instrumentos de voo. O Vasco de hoje já nada tem a ver com o piloto inexperiente que eu conheci há dois anos atrás. Hoje é um piloto maduro, ponderado e consciente, que já passou por algumas situações difíceis, e por isso estava tão conhecedor da delicadeza da situação quanto eu. Penso que por essa razão, já não confiava tanto na minha experiência como quando há dois anos atrás, quando me “obrigou” a passar Montejunto em condições climatéricas mais adversas que aquelas que estávamos a viver naquele momento.

Finalmente on top, não nos abraçamos porque o exíguo espaço da cabine não permitia, mas apertamos efusivamente as mãos de satisfação. À medida que voávamos para Leste, as nuvens iam ficando mais espaçadas, deixando entrever os picos das montanhas cobertas de neve e finalmente chegamos à costa Leste, onde imperava o sol e a boa visibilidade.

Prosseguimos para Sul, desfrutando a beleza da paisagem e da linha de costa, sobrevoando várias pistas/aeroportos até chegarmos a Brindisi, cuja entrada para o circuito era um waypoint em pleno mar, cuja localização o Skydemon transforma em brincadeira de crianças. De novo estamos na final de mais um aeroporto, com uma pista gigante à nossa frente, construída em parte dentro do mar, por isso aterramos a meio da pista para evitar rolar durante “meia hora”. O Follow Me já estava à nossa espera no taxiway e depois de alguma confusão, porque queríamos abastecimento de imediato, lá obtivemos o que queríamos.

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Voo de Brindisi – Tessalónica

Uma vez mais, sem grandes burocracias, o que estava a gerar em mim um sentimento de admiração e simpatia pelo italianos, lá estávamos de novo agarrados ao microfone na busca de instruções de rolagem e do ATC Clearance. Infelizmente o nosso pedido para descolar da intersecção foi recusado, apesar dos A320 e os B737 serem autorizados a descolar à nossa frente, fazendo-o com vento de cauda forte, mas um teco-teco como o nosso que descola (com o vento que se fazia sentir) em menos de 150 metros, não era autorizado a descolar da intersecção, com mais de 1500 metros de pista à sua frente. Motivos haverá que a razão desconhece, ou seria por ação da Máfia?

Seja como for, finalmente estávamos de novo no ar a caminho do extremo da “bota” que nos ia servir de trampolim para atravessar as 80 milhas de água até Korfu. Para “veteranos” como nós que tínhamos atravessado 180 milhas de mar aberto no dia anterior, este risco eram “peanuts”. O ambiente a bordo era de total relaxe, com moral elevada, contrastando com o ambiente vivido nessa manhã.

Já com o Skydemon a anunciar-nos que já conseguíamos chegar a solo grego em modo planador, o ATC italiano transferiu-nos definitivamente para o controlo grego. É interessante, quando ouvimos e lemos, aqui e acolá, sobre uma qualquer localidade, não nos preocupamos em situá-la no mapa, mas o nome fica no nosso subconsciente, marcado por um qualquer acontecimento. Agora cruzando Korfu em FL 095, olho para baixo e penso “então é isto Korfu!”, mas não consigo lembrar-me qual o acontecimento que me fez guardar a localidade no subconsciente.

O ATC conduz-nos através dum corredor  mais direto, que nos leva mesmo junto à fronteira com a Macedónia, onde as nuvens à nossa esquerda, deixam adivinhar meteorologia marginal, (era a rota que eu queria ter experimentado) mas sobre a Grécia, ao nosso nível a meteorologia parecia encomendada. A moral a bordo estava nos píncaros. Íamos pernoitar em Tessalónica, quase como prémio para tão invejável tripulação. Modéstia à parte. Estávamos longe de sonhar o vespeiro em que nos íamos meter.

A Grécia continuava a desenrolar-se debaixo de nós, irregular e com montanhas altas, revelando modernas auto-estradas, furando as montanhas através de dezenas de túneis, que nos fez evocar o “nosso” Sócrates. As nuvens desapareceram por completo, parecendo querer dar-nos as boas vindas. Tessalónica já se vislumbra ao longe, e quando consultamos o Skydemon e sofremos o primeiro de muitos choques que nos aguardavam.

O Skydemon avisava-nos que Tessalónica não tinha Avgas!!!!!???? Não era possível! Tínhamos verificado e re-verificado o AIP que, garantia Avgas e alfândega, necessária para sair para a Bulgária, que não pertence ao mercado Shengen.

Já no circuito, a Aproximação pergunta-nos se temos agente de Handling. Negativo, foi a nossa pronta resposta. Começamos a antever arrelias, mas mesmo assim estávamos longe de imaginar a catadupa de problemas que se estavam a adensar.

Finalmente estamos na final de mais uma pista megalómana para o nosso avião. Aterragem curta e saída no primeiro táxi way, onde já nos esperava o Follow Me, que nos conduziu para o Apron da AG, mas estranhamente, em lugar de nos conduzir para um stand, deixou-nos no meio do taxiway. Pensei que o objetivo era estacionar o avião à mão, dado que tínhamos aviões estacionados do lado esquerdo e do lado direito. Motor desligado e depois de trocarmos algumas palavras com o indivíduo do Follow Me, percebemos ter que esperar, mas confirmou logo que não havia gasolina. O nosso moral começou a “arrefecer”, mas mesmo assim, continuávamos a não sonhar a borrasca de problemas que se avizinhavam. Já em voo, a minha bexiga vinha a dar sinais da necessidade de ser aliviada, e agora no solo, essa necessidade manifestava-se com mais intensidade. Vi do lado direito, atrás dos aviões estacionados um canto mais escuso e dirigi-me para lá. Quando tentei abrir o fecho, percebi, que ao fechá-lo, tinha entalado a roupa interior, e apesar do meu esforço não havia maneira de corrê-lo para baixo. Tinha três alternativas: Primeira, dar um safanão e rebentar com o fecho, a segunda, seria urinar pelas pernas abaixo e a terceira, descer as calças até meio das pernas.

A primeira opção estava fora de questão, porque na bagagem só tinha mais umas calças, e as que tinha vestidas tinham que aguentar mais dois dias (limitação de bagagem no Dimona, apenas 12 Kgs, como à frente veremos).

A segunda opção, também estava fora de questão, por razões óbvias. E naquele momento lembrei-me dos meus amigos Luís Castanheira e Fernando Ferreira que, em voos longos de planador, usam fraldas. Quando aterram, é vê-los sair dos planadores e dirigirem-se à casa de banho, tão lestos quanto a fralda lhes permite, com as pernas escachadas, quais virgens estupradas. Que inveja senti naquele momento.

A terceira opção era aquela que mais me agradava, mas o sítio estava demasiado exposto.

Decidi aguentar e regressar junto do avião e do Vasco que não aprovava estas minhas liberdades e de mais 3 pessoas, que entretanto tinham chegado.

Continuávamos à espera, quando chega um carro com duas pessoas, que estaciona a 20 metros do sítio onde estávamos e dele sai o condutor do género masculino, e do lado do pendura sai um indivíduo do género feminino, aos berros, ….what is this….you land here….but what is this…, que se dirige a nós, qual égua a resfolegar, com as crinas ao vento. O primeiro pensamento que me ocorreu foi: porque é que esta gaja não está a berrar em português? Senti-me transportado na distância e no tempo ao aeródromo de Bragança, quando há quase duas dezenas de anos atrás, depois de ter rebocado um planador desde Aveiro, aterrei, enquanto o planador permanecia no ar aproveitando a altura do reboque. Tirei uma bicicleta desdobrável do avião e preparava-me para ir à pista para ajudar a retirar o planador, quando aparece a mulher de limpeza a berrar, que não podia ir para a pista. Expliquei-lhe que a aeronave que estava a chegar, não tinha meios próprios para abandonar a pista, mas a resposta veio pronta: não me venha com tretas, ele (o planador) quando aterrar tira o motor fora e sai pelos seus próprios meios!!!!!…?????

Portanto, pensei, estamos perante a sósia da mulher de limpeza do aeródromo de Bragança, cá do sítio. Preparava-me para lhe refrear as rédeas, quando o Vasco (mais educado e diplomático do que eu) se adiantou e desfazendo-se em desculpas, tentou esclarecer a situação. A gaja afinal era a Diretora do Aeroporto, que tinha sido vendido à Fraport há 3 meses atrás (a mesma empresa que gere a aeroporto de Frankfurt am Main, a quem estou a pensar escrever um e-mail a elogiar as inigualáveis qualidades da sua funcionária) e estava furibunda porque não tínhamos requerido os serviços dum agente de handling e por ainda termos a desfaçatez de querer gasolina. O Vasco tentou demonstrar que tínhamos feito tudo by the book, inclusivamente abriu no Tablet a folha do AIP onde estava escarrapachado que, o aeroporto tinha Avgas. Pois, argumentava a gaja, espumando pelos cantos da boca, e com os olhos raiados de sangue, qual égua picada pelas esporas, que havia um NOTAM há 3 meses cancelando o fornecimento de Avgas, e insistia que nos queria imediatamente dali para fora, caso contrário tinha que nos denunciar e literalmente, segundo ela, não nos chegaria o valor do avião para pagar a coima. E a gaja insistia, que não nos autorizava a pernoitar no aeroporto dela. Não estou a usar o termo GAJA com o intuito de ser acintoso ou pejorativo, simplesmente não sei como classificar aquele género de coisa. Ainda hoje, quando penso nas cenas que ali vivemos, só me ocorre que a gaja deveria ser um daqueles militantes do Syriza, assexuados sem género definido, à semelhança dos que existem no nosso BE. Portanto ao usar o termo GAJA, faço-o no intuito de não ofender a/o personagem.

Estávamos a uma hora do pôr do sol, escassos de gasolina, e bastou cruzar o olhar com o Vasco, para decidirmos e transmitirmos à gaja que estava fora de questão sair dali, naquele dia a voar. Preferíamos sofrer as consequências de permanecer ali, do que corrermos o risco de partir o pescoço. A gaja, que parecia possuída por todos os demónios do inferno, decide chamar a policia. Chegada entretanto a polícia, que não falava inglês, pelo que o diálogo decorria em grego, mas dava para ver e perceber que a gaja continuava com a rédeas nos dentes, tentando por todos meios atirar-nos abaixo da cela. Notava-se que os polícias argumentavam e encolhiam os ombros, o que nos dava a entender que polícia não tinha, ou não queria ter nada a ver com o caso. A gaja, semi domada com este revês, lá deu instruções para nos atribuírem um stand, sem antes ameaçar que nos queria de lá para fora ao raiar do sol. Então e a gasolina? Virou-nos as costas e desapareceu. Entretanto juntaram-se mais duma dúzia de pessoas à nossa volta, entre polícias, pessoal de aeroporto em que um deles era agente de handling que nos ofereceu os seus serviços.

Resolvido o primeiro problema, as nossas cabeças fervilhavam à procura duma solução para resolver a questão da gasolina. Enquanto estacionávamos o avião, notei que a purga do tanque esquerdo estava a pingar. Mais um choque. Se não estancássemos a fuga, corríamos o risco de chegar no dia seguinte com o tanque vazio, e se os nossos problemas já eram graves, ainda mais se agudizariam. Decidi meter uma garrafa de plástico vazia de 1,5 lts de água debaixo da purga, amarrada com uma abraçadeira de plástico, que tínhamos por sorte a bordo.

Lá fomos para o edifício do aeroporto, transportados pelo agente de handling,  sem que primeiro tivesse ido urinar no tal sítio onde tinha estado anteriormente, optando pelo terceira alternativa. Shit para os gregos. Fomos mandados esperar num gabinete da polícia, amontoado de agentes, uns à civil, outros à paisana, sem espaço para se cruzarem uns pelos outros, preenchendo formulários e tirando fotocópias dos nossos documentos, como se estivessem a lidar com criminosos. Não admira que o país esteja falido. Finalmente, escoltados por três polícias, vamos fazer o scanner das bagagens, e quando a mala do Vasco passa no scanner, notamos uma troca de olhares entre os funcionárias e a polícia e, vejo estes aproximarem as mãos dos coldres, enquanto um funcionário aponta a mala ao Vasco que a identifica como sendo sua, solicitando-lhe que tirasse um determinado objeto de dentro. O Vasco mete a mão dentro da mala, os polícias dão dois passos atrás com as mãos nos coldres, enquanto ele retira um objeto embrulhado num saco plástico opaco, e quando o desembrulha, exibe UMA MARRETA!!

Enquanto o Vasco tenta explicar a finalidade daquela ferramenta, eu só penso no quanto gostaria de a usar na cabeça de alguém, se não fosse crime. Realmente, a culpa da marreta estar na mala do Vasco era minha. Preocupado com o regresso no Dimona e com as pernoitas em aeródromos ventosos, havia que amarrá-lo e para a eventualidade de não haver onde, decidi munir-me das espias que usamos nos planadores, mas faltava-me a marreta e por isso pedi ao Vasco para comprar uma, que ele meteu no saco e esqueceu.

Finalmente estamos fora do aeroporto, depois de termos combinado com o agente encontra-mo-nos no dia seguinte, ao nascer do sol no escritório dele.

O problema da gasolina para sairmos dali no dia seguinte não me saía da cabeça. Enquanto estávamos na placa de estacionamento, tínhamos visto o hangar do Aeroclube local e começamos logo a urdir uma forma de contornar a mulher de limpeza, perdão, Diretora do Aeroporto. Assim, deslocamo-nos a pé para aquilo que deveriam ser os escritórios do Aeroclube que, confinavam com o hangar. Enquanto o Vasco fumava um cigarro na rua, eu tentei encontrar um interlocutor, e finalmente levaram-me ao Presidente do Aeroclube. Apresentei-me como sendo piloto e sócio do Aero Clube de Portugal (tenho que pôr as quotas em dia) e expliquei o nosso problema. Necessitávamos de 40 litros de gasolina! Impossível, não temos gasolina! – foi a resposta. Não desarmei, e enquanto pensava que estava no ADN dos gregos serem fdp, fui tentando apelar ao coração do Sr. Antonios Ziakas, argumentando que os pilotos estão unidos por um sentimento de entreajuda e que se isto fosse em Portugal, qualquer português viraria o país de pernas para o ar na busca duma solução.

Então o Sr. Ziakas explicou-me muito pacientemente que, há 3 meses mantém um diferendo com a Fraport, que não fornece nem deixa entrar combustível no aeroporto, fosse de que tipo fosse, para além daquele que vinha no tanque dos aviões. Conformado o Sr. Ziakas continuou a explicar-me que, uma vez por mês, voavam com os aviões para um aeródromo na Grécia a 160 milhas de distância, ou para um dos países vizinhos, para abastecer.

Enquanto ouvia fui elaborando um plano B, que entretanto tinha cogitado. Como eles tinham um hangar, eu propunha meter o avião dentro do hangar, comprar Mogas que faríamos passar para dentro do hangar através dos escritórios, onde abasteceríamos o avião fora da vista da gaja.

Impossível, a gaja tinha mandado betonar todos os acessos ao hangar, pelo que o único acesso era através do controlo do aeroporto que, claro, não deixava passar uma gota que fosse de combustível.

Agradeci, e fui carpir as minhas/nossas mágoas com o Vasco que, continuava na rua alimentando a esperança de eu resolver o problema.

Partimos para cidade a pé, na esperança de podermos pedir um Uber fora do raio de proteção do aeroporto, mas depois de percorrermos mais dum quilómetro, a aplicação da Uber continuava a não funcionar. Tivemos que mandar parar um táxi que nos levou ao centro de Tessalónica. A nossa moral estava de rastos. Fizemos o check-in e saímos com o intuito de visitar alguma coisa da cidade mas, como já era habitual, era de noite e o nosso estado de espírito estava pelas horas da amargura. Fomos jantar sem grande apetite.

Começamos a enunciar as alternativas que se nos apresentavam para sair do aeroporto da gaja, sem partir o pescoço.

  1. Vamos apelar ao bom senso da gaja, para nos deixar passar 40 litro de Mogas através do controlo. As probabilidades dela abrir um precedente, que o aeroclube local podia usar em seu proveito próprio, era tão remoto, como a gaja cair durante a noite e partir o pescoço.
  2. Descolamos e vamos aterrar a um aeródromo qualquer, abastecemos Mogas e seguimos para a Bulgária, para um aeródromo não controlado e sem alfândega. O Vasco aconselha-se com o novo proprietário do Rallye que, desaconselha vivamente esta ideia, porque lhes iria criar problemas com o registo do avião na Bulgária.
  3. O Vasco começou por fazer contas ao combustível que tínhamos gasto, e ao combustível de que dispúnhamos. Havia um aeroporto na Bulgária, na nossa rota, que não tinha Avgas mas, tinha alfândega e ficava a cerca de 1 hora e 10 minutos de voo. Pelas nossas contas, ainda teríamos mais ou menos 20 a 30 minutos de reserva. Estava decidido, íamos descolar ao nascer do sol para Plodiv na Bulgária e rezar para que a meteorologia não nos obrigasse a grandes desvios e o ATC estivesse connosco.

Viagem Tessalónica – Plodiv, Sábado dia 20.01.2018

Como já era hábito, saímos do Hotel, devido à hora, sem pequeno almoço. Enquanto o Vasco submetia o plano de voo, eu pedi qualquer coisa para comermos e bebermos, num bar exterior, à entrada do aeroporto. O estado de espírito continuava nas horas da amargura, tentando conjecturar todas as variantes sobre aquilo que nos podia acontecer. Lá se ia a nossa regra, de aterrar com autonomia para 60 a 90 minutos, por causa duma gaja qualquer, elevada a diretora dum aeroporto, sem  perceber nada de aviões. Apesar da minha revolta contra os gregos e da péssima imagem que tinha construído do país nas poucas horas de permanência ali, por uma qualquer razão, sentia-me como em casa. Na verdade, já tinha vivido situações muito semelhantes em Portugal, desde Presidentes da Autoridade Nacional, com formação de canalizador, sem qualquer Licença Aeronáutica, até diretores de aeroporto que queriam obrigar-me a preencher formulários IATA. Já tinha vivido de tudo um pouco.

Lá vamos ter com o agente, para pagar a dolorosa (300 euros, malditos gregos) que depois nos encaminhou através do controlo de bagagem e, de novo o meu sangue voltou a gelar nas veias. Desta vez, para além da MARRETA do Vasco, também detectaram o meu canivete suíço personalizado, que me tinha sido oferecido pelo meu sobrinho, piloto de F16. Argumentei que aquilo era uma ferramenta que, para além da navalha, também tinha outras aplicações. O indivíduo hesitou mas acabou por mo entregar. Respirei de alívio. Finalmente, carimbos da alfândega/polícia e estamos a caminho do avião.

Chegados ao avião, fui logo direto ao depósito esquerdo, e felizmente a garrafa não tinha gota de gasolina. Percebi que a abraçadeira que tinha metido estava a puxar a válvula para baixo e tinha estancado a fuga. Saquei a tal navalha para cortar a abraçadeira, que me lembrou de imediato, o quão afiada ela é, ao cortar-me também o indicador esquerdo. O aparato de sangue era superior ao golpe. Estanquei o ferimento com um lenço de papel e não pensei mais no assunto. Apenas um pensamento me ocupava, sair daquele maldito aeroporto.

Continuei a inspeção do avião, enquanto o Vasco subia à asa e abria a carlinga, e logo oiço um impropério, seguido dum “click”, típico dum interruptor a ser desligado.

A minha reação foi seguida duma pergunta e logo duma resposta.

-Que se passa? Esqueceste-te do Master Switch ligado!

A confirmação do Vasco teve em mim o mesmo efeito, qual martelada assestada na minha cabeça desferida pela gaja do aeroporto, com a marreta do Vasco. A última vez que tinha tentado pôr aquele avião/motor a trabalhar à mão, tinha sido em Bragança, há dois anos atrás e não tinha conseguido (está descrito no relato alojado na www.cavok.pt).

Porque é que aquilo tinha que nos acontecer, logo ali?

Se não conseguisse pô-lo a trabalhar à mão, ninguém nos ia ajudar, e se o fizessem seria com certeza em troca honorários milionários.

Depois dum chorrilho de impropérios que fariam corar o diabo, pedi ao Vasco, mais a soar a ordem, para se sentar aos comandos para iniciarmos os procedimentos de pôr o motor em marcha à mão e lá vem a ladainha dita por mim e repetida pelo Vasco dentro da cabine:

Tudo desligado.

Rodo o hélice, uma dezena de meias voltas.

Injetar 5 vezes.

Gás, uma polegada aberto.

Contacto.

Puxo o hélice, com a força e raiva que sentia, por ainda estar no aeroporto da gaja.

Nada!!

Desligar contacto.

Ponho o hélice novamente na posição.

Contacto.

Puxo o hélice, imaginando que a gaja está a ver a cena através de binóculos, regozijando-se e babando-se de prazer.

O motor arranca mas, apaga-se ao fim de 3 segundos!!

Repetimos tudo de novo.

Contacto.

Puxo o hélice com uma fúria assassina.

O motor arranca e estabiliza.

O astral subiu logo para níveis recorde. Já nada nos poderia deter!! Era como se tivesse dado uma bofetada à gaja!!

Entrar dentro do avião, apertar os cintos e pedir autorização para rolar, foi um ápice. O amperímetro indicava um débito de mais de 40 amperes de carga, a temperatura dos cilindros ainda não estava na temperatura de rolagem mas, como o caminho é longo até ao line-up, não nos preocupamos. Pedimos autorização para descolar da intersecção (objetivo, poupar combustível) e de novo nos foi recusado. Mais cinco minutos de rolagem  com o consequente consumo do precioso combustível.

Finalmente tiramos o trem da pista e, separamo-nos definitivamente daquele maldito aeroporto. Rápida verificação dos instrumentos e está tudo no verde mas………, logo ressalta aos nossos olhos uma luz VERMELHA!!!!!

Nenhum de nós queria acreditar no que nos estava a acontecer. Estupefactos olhávamos a lâmpada absolutamente incrédulos. Definitivamente aquele era um aeroporto amaldiçoado. Era a luz indicadora de falha do alternador, confirmada pelo amperímetro que indicava descarga.

O alternador estava fora de serviço!

Com os 10 minutos de carga que a bateria tinha recebido, não iria aguentar muito tempo. Com a cabeça mais fria, decidimos manter o transponder ligado e introduzir o código 7600 (falha de comunicações) e desligar tudo o resto, rádio, luzes de posição e de navegação, etc.

E agora, que fazer?

Regressar ao aeroporto da gaja, estava fora de questão! Alternar para o aeródromo mais próximo, significava que teríamos de voltar ao aeroporto da gaja, para passar de novo pela alfândega se quiséssemos sair para a Bulgária.

Todos os outros aeroportos com alfândega ficavam a mais de 1:30 hora de voo, e com a falta de Avgas na Grécia, não queríamos andar a passear-nos só com Mogas nos depósitos.

O problema do Mogas é ter normalmente álcool etanol que danifica as borrachas e tem uma temperatura de volatilidade diferente da Avgas que pode criar bolhas na tubagem de alimentação e pode levar à paragem do motor.

Daí que, para abastecer um avião com Mogas, este tem que possuir um STC (Supplementary Type Certificate) para garantir que a canalização de combustível está construída de forma a impedir a obstrução por bolhas de gases. É claro que o CS-AIQ não tinha este certificado.

Voltando à nossa avaria, concluímos que, duas razões poderia haver para a avaria acontecer. O alternador teria entregue a alma ao criador, ou o fusível tinha-se queimado.

Aliás, era por ali que deveríamos ter logo começado, por isso não me fiz mais rogado e desapertei o fusível e…..eureka!!! o fusível estava queimado!

Faço uso de novo do meu canivete para levantar a tampa dos fusíveis suplentes, e……claro, aquele que necessitavamos não estava no seu lugar. No seu lugar havia apenas um buraco. “Obrigado” à Aerovip que tinha sido a responsável pela manutenção nos últimos dois anos.

E agora? Só precisávamos dum pedaço de fio, para fazer uma ligação direta. Comentamos entre nós mas, não nos ocorre nada, porém, de repente, eu que tenho uma péssima memória, recordo-me vagamente de um piloto (salvo erro o João Marques) me ter contado que tinha resolvido um problema de fusíveis com o alumínio do maço de cigarros. Claro, alumínio! Deveria estar com um sorriso de orelha a orelha, quando pergunto ao Vasco pelo saco do lixo, e vem resposta pronta, pu-lo fora! O sorriso deve ter-se tornado no mais compungente esgar de dor.

Enquanto me ouvia a proferir impropérios de fazer corar o mais pecador, começava a imaginar os gregos a enviar os F16 para nos interceptar, ou os búlgaros a enviar os Mig´s logo que cruzassemos a fronteira, à semelhança do nosso ATC que enviou os F16 para interceptar os meus amigos alemães que há dois meses atrás vieram de Espanha para Santarém, sempre em espaço aéreo Golf, com plano de voo submetido e com Transponder Mode S ligado mas… sem dar cavaco ao FIS.

Para além dos F16 que foram enviados pelo ATC para os interceptar, quando aterraram, tinham “metade” da GNR de Santarém à espera. Felizmente, o capitão era um polícia com formação e salvou a imagem do país. Até hoje, apesar de eu próprio ter tentado indagar, ninguém me sabe explicar a razão de tal aparato.

Se os portugueses, conhecidos por ser um povo de brandos costumes, enviam a “cavalaria” em peso com o dedo no gatilho para interceptar dois “pobres” alemães, não era difícil de imaginar haver por aquelas bandas um qualquer Kim Jong-un mortinho por disparar primeiro e fazer perguntas depois.

Diferente seria, descolar dum aeródromo não controlado, sem plano de voo, com transponder desligado, contornando montes e vales e aterrar num aeródromo não controlado, ou, como era agora o caso, com plano de voo aprovado, com transponder ligado, enquanto a bateria não desse o último suspiro, como que oferecendo-nos para tiro ao alvo.

Possuído duma raiva miudinha, por termos tido a solução tão perto e nos encontrarmos de novo num beco sem saída, ocorre-me de repente à memória, ter atirado uma bola de alumínio para trás do avião, quando sobrevoamos o Mediterrâneo.

Desapertei os cintos e viro-me para trás, pedindo aos céus para que a saga das limpezas do Vasco não a tivesse apanhado e jogado fora com o restante lixo. Retirei uma série de tralha que se acumulava no chão do avião e, lá está ela! A minha alegria era transbordante. É extraordinário viver momentos como este, quando um pedaço de alumínio sem qualquer valor, nos alegram mais, que uma nota de 5.000 euros (se é que as há) perdida no chão do avião.

Aliso cuidadosamente a folha de alumínio, envolvo rapidamente o fusível e volto a introduzi-lo na cavidade. Interruptor ligado e…….bingo, a luz vermelha apaga-se e o amperímetro confirma carga positiva superior a 40 amperes.

Com o problema resolvido, o Vasco começa a ligar o equipamento e, de novo a luz vermelha acende-se e o amperímetro indica descarga. Repito a operação mas, desta vez passo duas vezes a folha de alumínio à volta do fusível e decidimos não ligar qualquer equipamento para além de manter o transponder ligado, até que o amperímetro indique apenas 20 amperes de carga positiva. Nervosamente vasculhamos o horizonte em busca dos F16 prontos a ligar o rádio e a render-nos. Já perto da fronteira da Bulgária voltamos a ligar o equipamento todo e estabelecemos de novo contacto com os gregos para explicar os nossos problemas elétricos. Pouco depois estamos a cruzar a fronteira da Grécia com a Bulgária e somos convidados a contactar Sofia.

Sobrevoamos uma região montanhosa com resquícios de neve, mas aparentemente muito seca e fria. O termómetro exterior indica 10 graus negativos. A visibilidade é fantástica, sem sol, encoberto por nuvens altas.

Finalmente somos transferidos para a aproximação de Plovid. O aeroporto encontra-se num vale junto ao sopé das montanhas que estávamos a sobrevoar, pelo que só podemos iniciar a descida bastante próximo do aeroporto. Uma vez mais uma pista descomunal. O nosso agente, organizado pelo novo dono do CS-AIQ, estava à nossa espera. Sem burocracias, duma simpatia extrema, somos inicialmente conduzidos ao seu escritório, que se apercebe do meu dedo, atabalhoadamente embrulhado num lenço de papel e sem que eu pedisse nada, foi logo buscar uma caixa de primeiro socorros, com a qual pude fazer um curativo condigno.

Entretanto informam-nos que iriam pôr uma carrinha à nossa disposição, com motorista, para irmos buscar combustível a uma bomba de gasolina. O aeroporto tinha muito bom aspeto, com funcionários extremamente simpáticos incluindo os polícias, contrastando com os malditos gregos, mas para além de 3 ou 4 aviões de passageiros estacionados na placa, não havia qualquer movimento de aviões, ou de passageiros. O polícia que examinou os nossos documentos, entrou a brincar connosco, dizendo que provavelmente não gostaríamos dele por usar uma fita ao pescoço do Barcelona. Começamos logo a elogiar o Ronaldo (porra, eu nem gosto do gajo), enquanto o polícia repetia Messiiiii, Messiiiii, por entre gargalhadas.

Na rua já nos esperava a carrinha com o condutor e um outro funcionário do agente de handling, que explicou ao motorista, que só falava húngaro, quais eram as nossas pretensões e lá seguimos nós, juntamente com o motorista num mini-autocarro de 15 lugares para ir buscar 40 litros de gasolina.

O condutor, como aliás todos os búlgaros, são duma simpatia extrema, foi tentando entabular conversa connosco em inglês, o que lhe mereceu no final uma gorjeta choruda do Vasco.

A primeira  bomba tinha Jerricans mas, não tinha a gasolina que pretendíamos. Nós queríamos gasolina com 100 octanas  e sem etanol. Compramos os únicos três jerricans que havia e prosseguimos para a bomba seguinte. Também não tinha gasolina com 100 octanas e finalmente a terceira tinha gasolina de 100 octanas mas, tinha 7% de etanol, e também tinha o Jerrican que nos faltava para fazer os 40 litros.

Liguei ao amigo Pinto do IAC em Coimbra para me explicar quais as consequências de usar gasolina com tão elevado nível de etanol, porque, quando voava o C182 do Paraclube da Maia, que tinha um STC para Mogás, o meu amigo Avelino Cruz dizia e, testava cada lote de gasolina, que não podia ter mais do que 1% de etanol.  O amigo Pinto (estou a dever-lhe um almoço) explicou-me que o único inconveniente do etanol é danificar as borrachas, mas como o Rallye tinha tanques metálicos e o carburador também não tinha partes de borracha, podíamos ficar tranquilos.

Regressamos ao aeroporto e passamos de novo pelos polícias, que já nos conheciam, enquanto o agente de handling introduziu a gasolina dentro do aeroporto e a colocava ao lado do avião.

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Voo de Plovdiv – Blavoego

No voo de Tessalónica para Plovdiv tínhamos decidido (que é a regra) usar um só tanque até este se esgotar e o motor dar o último suspiro, o que não chegou a acontecer, porque já estávamos no circuito e o motor continuava a ser alimentado. Mudamos de tanque para que o motor não parasse quando estivéssemos na final. Portanto, quando abastecemos os 40 litros de Mogas decidimos abastecer 10 litros na asa com mais gasolina e os restantes 30 litros no tanque vazio.

Iríamos tentar usar o tanque que tinha apenas 10 litros de Mogas e pelos nossos cálculos, ainda cerca de 20 Litros de Avgas. Enquanto eu abastecia, o Vasco regularizou a factura com o agente, cerca de 60 euros, incluindo taxa de aterragem, deslocação às bombas e a taxa de handling.

Que diferença dos malditos gregos. Alinhados na pista, colocámos o gás em grande para a última etapa da viagem de cerca duma hora de voo. Abandonamos a frequência da aproximação de Plovdiv para contactarmos o FIS de Sofia, que nos acompanhou até declararmos Blavoego à vista. O Vasco contacta a frequência local (o aeródromo é propriedade dos novos donos do CS-AIQ) que dizem ouvir-nos mas, não conseguirem ver-nos. Aproveitamos a altitude e transformamo-la em velocidade e cruzamos a pista de oeste para leste a quase 300 km por hora, puxando suavemente pela esquerda, convertendo a velocidade de novo em altitude, até aos 60 Knots VAI, full flaps, empurramos o manche à frente, mantendo a velocidade e a asa esquerda em baixo e pé contrário, numa glissagem acentuada, perdendo de novo altitude e, fazemos uma aterragem curta à campeão.

Estava completada metade da viagem. O que se passou a seguir, o Vasco relata muito bem no seu reporte.

Em breve seguir-se-á a segunda parte. O regresso a Portugal com o Dimona de apenas 80 CV.

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Arlindo Silva. 18 de Fevereiro de 2018. Fotografia por Vasco Simões de Almeida e Arlindo Silva

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