Viagem à Bulgária – 2018

Tudo começou com um e-mail.

Depois de 2 anos e 200 horas com o meu Rallye, decidi coloca-lo á venda no planecheck. Ao fim de uns meses recebo um e-mail da Bulgária no dia 4 de Dezembro de 2017 a perguntar se estaria interessado em vez de vender, trocar o meu Rallye MS893 de 180 cv por um Dimona H36 moto planador!

Liguei ao meu amigo e conselheiro Arlindo ao que ele respondeu “Troca já! Se não fizeres essa troca, faço eu com um avião que tenho!”… com isto, ficou decidido na minha cabeça. Vai haver negócio.

[spacer height=”20px”]

Primeira parte, falar com a minha mulher e dar-lhe a notícia. Ela que não gosta nada de aviões, levou a notícia com uma grande ligeireza. Expliquei lhe que o Rallye, embora seja mais avião, era talvez avião demais para o que preciso (4 lugares, 35 lt/h de consumo e muitas revisões e custos). O problema é que se fosse para avançar, teria de ser agora, pois o Rallye só tinha licença de estação até ao final do ano e se a troca fosse para ser feita, não trocaria os rádios.

Segunda parte, papelada do Dimona e do Rallye. Foram enviados vários e-mails e várias fotografias de ambos aviões com status e todas as papeladas para entre nós e os Búlgaros termos uma maior certeza do estado das aeronaves. Depois de tudo ok de ambas as partes, decidi, junto com o Arlindo, em irmos à Bulgária fazer uma inspecção visual ao Dimona o mais rapidamente possível.

Bilhetes comprados, carro alugado e arrancamos para a Bulgária no dia 13 (uma semana depois do primeiro e-mail).

Voamos para a Roménia e alugamos um carro às 3 da manha para fazer os 200 kms até Razgrad na Bulgária. Chegamos à fronteira com a Bulgária e não pudemos prosseguir, pois um carro alugado na Roménia precisa de uma autorização para passar a fronteira. Rapidamente decidimos em largar o carro alugado numa bomba de gasolina e ir de táxi (já são 5 da manhã).

Depois de tentar explicar ao senhor dos combustíveis o que precisávamos numa língua que ninguém percebe, lá aparece o táxi que nos levará à Bulgária.

Chegamos ao hotel onde combinámos e lá estavam os nossos novos amigos Búlgaros. Decidimos dormir um pouco e encontrar-mo nos às 10:00 para irmos ao aeródromo ver e testar o Dimona.

Às 10:00 lá aparecem e levam-nos para o aeródromo. Uma pista de relva privada onde eles têm os seus aviões. 1 Zkin Z-37, 2 planadores Pirat Glider e Grob Twin, o Dimona H36 e um helicóptero Enstrom 280C. Um sitio perfeito para planadores devido ás montanhas!

Fazemos o teste e ficamos maravilhados com o Dimona. Tudo ok, é para avançar! Expliquei-lhes o Rallye, os problemas da licença de estação e ficou tudo acordado. Negócio fechado!!

Mas para o negócio seguir, teria de ser antes do final do ano porque o Rallye estava em Tires que é espaço aéreo controlado.

Entretanto viría o Natal e por isso decidimos que iríamos dia 26 Dezembro.

O dia 26 Dezembro chega e a meteorologia estava pior que má. Não havia hipótese. Vamos ter de esperar.

Tudo indica que não haveria hipótese até ao final do ano. Tenho de ir para o Plano B. Tirar o Rallye de Tires e levá-lo para Santarém.

Mesmo essa missão tornou-se muito complicada. Tento no dia 29 de Dezembro e ao fim de uma hora e meia de voo volto para cascais. Plano inicial pelo corredor sul da costa da Caparica. Não dá! Chegado à Lagoa de Albufeira o tecto está muito baixo, impossibilitando virar para Este. Falo com o ATC e peço para alterar plano de voo e ir pelo Cabo da roca. Ao fim de uns minutos lá me autorizam. Quando chego a Cascais, vejo que o Cabo da Roca não é uma hipótese. Mudo para a frequência de Cascais e peço então se podem coordenar pelo ponto Delta. Mais uns minutos e ok, posso seguir! Passo pela Serra de Sintra e perto da Base Aérea de Sintra começo a ter de baixar dos 1500’ pois o tecto não me permitia ir tão alto. Mais uns minutos e oiço uma comunicação na zona da Ericeira em que o piloto diz que está tudo fechado para norte e que quer voltar para cascais. Lisboa Militar pergunta se recebi a comunicação e o que quero fazer. Desisto, volto para Cascais!

Dia 30 ainda estava pior… Dia 31 acordo com uma chamada de um amigo meu, também piloto às 8 da manha a dizer que o tempo tinha aberto. Levanto-me e vou praticamente de pijama para o aeródromo porque se aproximava uma frente que iria estragar tudo muito em breve.

Chego ao avião e arranco para Norte. Chegando ao Cabo da Roca, vejo a frente do meu lado esquerdo com muita chuva. Vou sempre chegando-me para a direita tentando encurtar o caminho. Pedindo a Lisboa Militar de modo a entrar na área da Aproximação de Lisboa perto do Cercal, eles autorizam-me e lá eu vou directo a Santarém. Chego e ao fim de 5 minutos estava a chover copiosamente! Está feito!

Agora é planear com mais tempo a nossa viagem.

Começámos a olhar para a meteorologia e como somos rapazes que gostam de aventura, achámos que Janeiro seria o mês ideal para atravessar a Europa. Fica decidido!

Após varias discussões de meteorologia e de rotas (equacionamos linha recta pelo Mediterrânico (Santarém – Valência – Palma – Sardenha – Itália) com direito a bote salva-vidas, fatos de mergulho, etc…) decidimos ir pela costa.

[spacer height=”20px”]

Na noite de dia 16 de Janeiro ligo para o Arlindo e ele não me atende, dizendo que não pode falar mas que esta tudo confirmado para o dia seguinte. Explicou-me que a sua mulher não sabia desta aventura que falaríamos depois! Afinal, mesmo depois de 40 anos de voo e de casamento, ainda acontece 🙂

No dia 17 de Janeiro arrancamos. O Arlindo tinha de fazer o flightcheck de C182 e enquanto ele fazia, eu fui verificar o Rallye. O pitot não estava a funcionar. Pedimos ajuda ao mecânico e era só um fio solto. Já está!

Arlindo e eu no Rallye, plano de voo submetido através do site da NAV e arrancamos! Mal descolo reparo que tenho a temperatura do óleo no máximo. Não era possível, pois estava frio e o ground roll foi curto. Reduzo potência e ao reduzir o ponteiro vai para o normal. Discutimos o que fazer, sobrevoando o aeródromo e constatamos que é um mau contacto e que vamos controlando!

Vai começar a aventura à séria!!

Primeira vez que saio de Portugal!

Vamos altos, Lisboa Control transfere-nos para Madrid Control! Tá feito, novo squawk e estamos em Espanha!

Primeira paragem, Ocana (LEOC). Aterramos e o Arlindo desmontou o capou e confirmou que o fio do indicador de temperatura estava mal ligado. Resolvido! Bomba em self-service e só para clientes AIRBP. O Arlindo olha para mim e, para surpresa dele, eu tenho… estamos safos!

Mais ou menos. É preciso de um código que não tenho…. Alguma conversa depois e finalmente somos abastecidos Combustível posto, olhamos para a meteorologia e para o por do sol e decidimos ir para Teruel (LETL).

Teruel é um aeroporto espetacular. Um cemitério de aviões enorme com mais de 100 aviões comerciais mas também uma oficina para reparação e readaptação de aviões com tudo o que se possa imaginar.

Aterramos e somos muito bem recebido pelo staff. Vem o Follow e e seguimos pela pista. Depois de estacionados na placa somos levados ao diretor do Aeroporto que nos recebe e nos ajuda com o Avgas e burocracias de segurança…

No dia seguinte chagamos ao avião e ele está congelado. Aguardamos uma hora para que o sol descongele…Temos mais dois aviões do nosso lado de uma escola que vemos com aquecedores a aquecerem os motores. Nós, com o Rallye a seco, mostramos o que o nosso avião vale. Motor em marcha e ficamos quase 30 minutos no chão a aquecer o motor :-).

[spacer height=”20px”]

Arrancamos em direção a Montpellier. FL 100 e lá vamos nos. Chegámos a França! Novo squawk .


Depois de zigzaguear os caminhos entre Pirenéus e espaço aéreo controlados, de nos terem alterado o squawk umas cinco vezes e até, desta vez alterarem-nos o callsign de CS-AIQ para CS-AIQ ONE,  Montpellier á vista. Montpellier tem um aeroporto internacional e um aeródromo local. Optamos pelo aeródromo pois seria mais fácil.

Quando nos passam para a frequência do aeródromo, pedem-nos que as comunicações sejam feitas em Francês. Não sabemos mas inventamos! Rapidamente percebemos que não havia tráfego e aterramos.

Mais uma bomba self-service, neste caso da Total. Enchemos a 0.90€ o litro e decidimos: Vamos directos a Itália!

Isso implicava atravessar cerca de 130 Nm de Mediterrâneo. Discutimos e quando dei por mim tinha um colete posto. Arrancamos pela costa francesa, sempre a pedir para subir até chegarmos a St Tropez. Aí traçamos uma linha direta a Roma e lá fomos nós.

Voar por cima de água é intimidante! Começamos a ouvir barulhos que não existem e andamos sempre como se estivéssemos em emergência: a ver onde estão os barcos, caso aconteça alguma coisa.


Chegando à costa Italiana, o ATC começa a vetorizar-nos para o aeroporto. Devido à CTR de Roma, temos de ir baixo, muito baixo mesmo, chegando por várias vezes a estar a menos de 500 pés AGL…. Levamos o avião para Roma Urbe (LIRU) entre montes e vales! “Temos tráfego as nossas 12 horas 500 pés acima!” Mentira!!.. estava mesmo à nossa frente.

Vamos percebendo que as comunicações são em italiano e inglês não é o forte deles. Isso deixa-nos sempre apreensivos porque não percebemos a “full picture” do que está a acontecer.

Aterramos em Urbe Roma e pedimos combustível de imediato.


No dia seguinte a meteorologia não estava amiga. Tectos com 1500 pés e muitas montanhas. Vemos que assim vai ficar durante todo o dia mas na costa Este de Itália estava CAVOK. Vemos algumas abertas e decidimos tentar, primeiro shoreline até ao Sul de Itália. Mal descolamos o ATC disse-nos que não poderíamos ir para Sul, pois aí sobrevoaríamos Roma que era proibido. Pedimos para nos indicar o caminho alternante e eles colocam-nos em direção a uma montanha. Aí, eu decidi em abortar e voltar para o aeroporto! Falo com o ATC e peço autorização para voltar para o Aeroporto. A caminho do aeroporto vimos algumas abertas que embora pequenas, achamos que daria para passar. Pedimos ao ATC que afinal queríamos retomar o nosso plano original para Sul, mas desta vez queríamos voar a FL075 e ir direção Este. Ao fim de um pouco, lá nos autorizam a subir. Subimos em espiral à procura das poucas abertas…. Depois de algumas voltas já estamos acima das nuvens. FL090 e lá vamos nós!!

Passando as montanhas e chegado á costa Este a meteorologia confirma-se! Visibilidade Polo a Polo e sem nuvens! Plano inicial era abastecer combustível na Grécia, mas depois das voltas que demos em Roma, achamos por bem parar antes de atravessar para a Grécia.

Paramos em Brindissi (LIBR). Grande aeroporto sem movimento. Atestámos e decidimos avançar para Thessaloniki (LGTS) também na Grécia. Nunca tínhamos ido à Grécia e assim, sempre é mais um país que voámos.

Arrancamos rumo à Grécia. Atravessando Mar Jônico… Para meninos, só 80 Nm!

Chegando à Grécia. Vemos as nuvens a aparecer por baixo de nós, mas sabíamos que estará CAVOK no aeroporto de destino. Depois de passar as montanhas centrais gregas, confirma se, CAVOK!

Na final do aeroporto o ATC começa por nos perguntar quem era a nossa agência de handling. Nós respondemos que não tínhamos. Eles pediram para, quando aterrássemos para aguardar por um Follow Me. Fazemos o pedido e aparece o Follow Me que nos leva para uma parte de aviação geral.

Saímos do avião, pedimos combustível. Não Há!!

Embora diga no AIP que existe, na realidade na Grécia, há muito pouco. Começamos logo a fazer contas de cabeça. Com isto aparece a Diretora do Aeroporto, aos berros a perguntar o que estávamos ali a fazer. Perguntei se aquilo não era um aeroporto, ela respondeu que sim, mas que não poderíamos aterrar ali, pois havia um NOTAM a dizer que era preciso de uma autorização especial. Nós explicamos que fomos ali parar um pouco sem querer, que vimos a carta de AIP, que submetemos plano de voo e que olhámos para os NOTAM’s mas com eram tantos para aquele aeroporto (mais de 30) não reparámos… depois de muitas ameaças e de chamar a polícia, lá teve de nos deixar ficar com a nossa promessa que iríamos embora ao nascer do sol.

Entretanto o Arlindo achou que havia uma pequena poça por baixo da purga de combustível. Ele cortou uma pequena garrafa (…e um dedo!!! 🙂 ) e colocou por baixo do respirador para ver se perderia combustível durante a noite. Enquanto isso, eu fui tirar uma foto aos indicadores de combustível para puder comparar no dia seguinte.

Depois das diligências da polícia, e de pagar 300€ de handling, fomos para o hotel fazer planos para o dia seguinte.

Muitas contas depois chegamos à conclusão que temos combustível suficiente para chegar à Bulgária. No dia seguinte chegamos ao avião e a primeira coisa que faço é ir tirar nova foto aos manómetros de combustível. Quando olho para os mesmos, vejo uma luz acesa. Deixei o Master ON!! E agora? Num aeroporto que nos queria ver pelas costas e sem bateria!

Embora tivesse muito frio o Arlindo decidiu pegar o avião à mão! E não é que pega mesmo e logo à segunda tentativa! “Porreiro, vamo-nos despachar pois o combustível é pouco!!” Levantámos e vemos que alguma coisa está mal! O alternador não está a carregar. Voltar para trás não era hipótese, pois tínhamos já tido muitas chatices com este aeroporto. Aviso no rádio que estamos com problemas elétricos, que vamos prosseguir o nosso Flight Plan, mas que iríamos desligar os sistemas. Pomos 7600 no transponder e seguimos!! O Arlindo entretanto desmonta o fusível do alternador, vai aos suplentes e não havia para aquele! O que fazemos? Papel de alumínio e fazemos um bypass (isto tudo em voo). Ligamos o fusível e alternador no máximo!! Temos energia elétrica. Mantemos tudo desligado para poupar o máximo de energia e deixar a bateria carregar. Perto da fronteira da Bulgária, voltamos a ligar os rádios, squawk 7000 e estamos de volta.

Voamos para Plovdiv (LBPD) e somos recebidos como realeza. Super bem-dispostos e amigáveis. Explicamos o que nos aconteceu na Grécia e a nossa falta de combustível. Como aqui também não há AVGAS, ofereceram-se de imediato para irem connosco comprar uns Jerrycans e ir comprar Mogas para a hora de voo que nos faltava até ao destino final!

Dito e feito, alfandega tratada, combustível a bordo, plano de voo pelo site da NAV e lá vamos nós!!

Finalmente Razgrad!!

Grande festa, um mega almoço e voltamos ao aeródromo para uns voos de largada. Eu dei no Rallye e o Arlindo recebeu no Dimona!

Com o por do sol, fomos para o hotel.

Amanha é dia de regresso!!

Continua(…)

[spacer height=”20px”]
[foogallery id=”14175″]
[spacer height=”20px”]

Vasco Simões de Almeida. 12 de Fevereiro de 2018. Fotografia por Vasco Simões de Almeida

Nota Cavok.pt – O artigo publicado é da responsabilidade do seu autor e não compromete ou vincula o CAVOK.pt aos conteúdos, ideias ou intenções. O autor do artigo não recebe, nem irá receber qualquer compensação directa ou indirecta, referente à opinião expressa. O CAVOK.pt não interfere ou analisa o conteúdo pelas ideias, opiniões ou intenções mas apenas ajusta a formatação gráfica do mesmo.