Efeito de Solo

O que realmente acontece quando estamos pertinho do chão

“As paixões são todas boas por natureza e nós apenas temos de evitar o seu mau uso e os seus excessos.” René Descartes

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Se há coisas que nos dão prazer, uma delas é falar sobre a nossa paixão, depois de um belo repasto.

E foi assim, que este fim de semana, na companhia de ilustríssimos senhores aviadores, me encontrei no meio de uma conversa sobre efeito de solo. Aquela almofada de ar espetacular que amortece o nosso aparelho e que teimosamente não nos deixa “vir para o chão” quando queremos.

O espírito crítico, o respeito pela opinião dos outros, a partilha de conhecimentos e experiências de quem sabe (e de quem aspira a saber) é uma das características de inarrável qualidade de todos os senhores aviadores com quem tenho privado e que me têm trazido imensas alegrias.

Nos dias de correm, em que cada vez somos mais egoístas, em que achamos que o mundo é populado por seres acéfalos e desprovidos de qualquer réstia de decência é muito bom constatar que afinal há um nicho de resistentes que insiste em fazer a diferença.

Feitas as devidas introduções e agradecimentos importa então partilhar essa conversa.

Não sei se já me confessei como sendo muito preguiçoso? Não? Bem, sou mesmo! Acho que se a roda já foi inventada então o melhor é fazê-la rodar em vez de gastar energia em refazer o processo.

E com isto, ao invés de andar a tentar escrever algo sobre o efeito de solo escrevi a um Senhor chamado Colin Cutler, co-fundador da boldmethod.com e pedi-lhe para traduzir e adaptar o seu artigo sobre efeito de solo.

O artigo está absolutamente espetacular! Então para quê inventar?

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Ora então vamos lá…

Quer adoremos quer detestemos, o efeito de solo tem um papel muito importante nas aterragens (e descolagens). E se a aproximação para aterragem for demasiado rápida, o efeito de solo evidência o melhor de nós, uma vez que pairamos… pairamos… pairamos (e talvez praguejemos um pouco) pela pista fora.

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Mas porque (raio) é que isto me acontece?

Já todos lá estivemos. Começamos a arredondar mas vimos demasiado rápidos, e esperamos que as rodas toquem no chão. Esperamos um pouco mais… e mais… e quando nos damos conta “já comemos” metade da pista…

Este flutuar, como que se de uma almofada de ar se tratasse, deve-se a um fenómeno chamado “efeito de solo”. Mas o que realmente acontece é devido aos vórtices da ponta das asas e ao que lhes acontece quando se aproximam do chão.

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Como é que o chão limita os vórtices das pontas das asas.

O efeito de solo resume-se basicamente ao quão grande são os vórtices provocados pelas pontas das asas. Tomemos como exemplo o Cirrus SR-22 do exemplo abaixo. Conseguem perceber a grande diferença entre os vórtices das pontas das asas em altitude versus junto ao solo?



 

Quando a asa está perto do chão, os vórtices da asa não podem crescer, porque, quando eles rodam em torno da ponta da asa eles “batem” no chão e dissipam-se.

Resultado? Uma redução numa coisa chamada downwash (como muitos termos aeronáuticos não tem tradução direta para Português. A palavra mais próxima talvez seja “declinante”. Significa mudança da direção do ar, desviado por ação de um perfil aerodinâmico).

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Menos downwash, menos arrasto (drag)

À medida que o ar (e os vortices) enrola na parte traseira da asa, tem uma tendência para baixo. Verifique no diagrama a diferença entre o fluxo do ar em altitude versus junto ao solo:

Exemplos:

Vejamos o que se passa com um Cessna 172 que tem uma envergadura de cerca de 11 metros. Quando o 172 está no solo a sua asa fica a uma altura de cerca de 2 metros. Se validar no diagrama abaixo a asa está 20% da altura da sua envergadura o que quer dizer que imediatamente antes de tocar o arrasto induzido é cerca de 60% do arrasto induzido normal.

E se nos colocarmos num avião de asa baixa. Imaginemos um avião com 9 metros de envergadura e com uma distância entre a asa e o solo de cerca de 90 cm – há vários pelos nossos campos de voo. Pelo mesmo gráfico pode constatar-se que a cerca de 10% de distância em relação ao solo o arrasto induzido é apenas 40% do normal. O que é significativo – é menos de metade!

É por isso que os aviões de asa baixa têm uma tendência maior para “flutuar” junto ao solo.


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Efeito de Solo: O melhor amigo de alguns aviões

Embora o efeito de solo nos traga alguma dor de cabeça quando aterramos, para outro tipo de aeronaves é exatamente o contrário. Algumas aeronaves, como por exemplo o Ekranopln russo, são desenhadas para voar sobre o efeito de solo e nunca voar mais alto do que alguns centimetros acima da superfície, permitindo-lhes ter uma capacidade de carga maior do que o normalmente possível. Ora vejam este vídeo (clicar).

O “monstro” é tão assombroso que merece ser visto mais de perto: aqui (clicar)


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Juntando tudo

Quando estamos em efeito de solo, temos vórtices das asas menores, menor downwash, maior sustentação, todos eles a reduzir drasticamente o arrasto induzido. E tudo acontece a uma altura igual ou inferior à da envergadura da aeronave em voo.

Portanto, da próxima vez, que nos encontremos a flutuar na “almofada de ar”, pela pista fora, em vez de arriscar ficar “com a boca cheia de canas” o melhor mesmo é borregar e tentar uma nova aproximação – desta vez com um pouco menos de velocidade.

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Carlos Miguel Costa. 1 de Novembro de 2017. Tradução e adaptação de um original de Colin Cutler.

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