Torremocha del Jiloca – a viagem

Torremocha del Jiloca ou a influência da Altitude de Densidade.

Recentemente, tive a minha primeira experiência de uma viagem longa…

Bem longa… numa semana fizemos mais de 3000km e atravessámos toda a Península Ibéria em direcção a França. E fizemo-lo num dos melhores aviões de sempre (bem… pelo menos para alguns… adiante).

E porque razão estou a escrever estas linhas?

Bem, porque entre aquilo que nos é ensinado, dito e redito pelos nossos instrutores e amigos pilotos com muito mais experiência e aquilo que experiênciamos “na pele” vai uma enorme diferença…

E uma das enormes diferenças que senti foi aquilo a que se chama de Altitude de Densidade.

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Mas afinal de contas que é isso de Altitude de Densidade?

Altitude de Densidade é, em termos laicos (simplistas… pronto!) a medida da espessura do ar e é baseada em três factores: pressão atmosférica, temperatura e humidade.

A definição técnica é “altitude de pressão ajustada para a temperatura não-standard”.

Ainda se lembram da parte de trás do famoso “computador de voo”?

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“Mas porque raio é isto que interessa?…”

Em conjunto a pressão atmosférica, a temperatura e a humidade afectam a densidade. Podemos pensar a densidade como uma massa de moléculas de ar num dado volume.

Interessa porque nos dias quentes o ar é muito menos “espesso”, ou menos denso, que nos dias frios. (… e se além de quentes, ainda forem húmidos tanto pior!)

Mais massa de ar a “fluir” pelas asas permite gerar mais sustentação, e mais moléculas de oxigénio nessa massa permitem queimar melhor o combustível que entra pelo carburador (na tal famosa proporção de 16:1) – o que significa mais potência. Diminuindo a densidade diminui-se a performance.

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Pressão – o factor principal

Podemos entender a pressão como o peso de uma dada coluna de ar. O que quer dizer que, à medida que aumentamos o peso, mais moléculas conseguimos “encaixar” num dado volume.

Logo, para um dado volume de ar:

– Quando a pressão é maior que o standard, temos mais moléculas de ar do que num dia standard, e

– Quando a pressão é menor que o standard, temos menos moléculas de ar, no mesmo volume, que num dia standard.

A rapaziada da engenharia demonstrou há muito que aumentando a pressão em 33.9 milibares, diminui a altitude de densidade em 1000 pés, pelo que o nosso avião se comportará como se estivesse a voar 1000 pés abaixo.

A pressão atmosférica ao nível do mar normalmente varia entre os 980mb e os 1050mb o que significa que a “nossa” aeronave frequentemente se comporta como se estivesse a voar 1050 pés abaixo.

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Temperatura – o efeito Verão quente (piora se for húmido)

Lembram-se do secundário?…

Numa das disciplinas em que não estávamos distraídos com as vicissitudes da adolescência ensinaram-nos que quando aquecemos um material, as moléculas excitam-se (deve ser por isso que me lembro), ou seja, ficam com mais energia. E quanto mais energia têm, maior é a tendência para se dispersarem.

Quando o ar é mais quente que o standard é menos denso e a performance diminui. A temperatura standard ao nível do mar é de 15 graus Celcius. À medida que subimos a temperatura diminui cerca de 2 graus por cada mil pés.

(Sim, sim… e depois?)

Bem, imagine que voa no Campo de Voo de Benavente. Num dia típico de verão pode encontrar um METAR como este (que retirei dos dados históricos da estação meteorológica instalada no campo)

BENAV 121515Z 32008KT 34/23 Q1016

Como Benavente ULM está a 110pés AMSL, quando colocamos motor em marcha numa das placas de aquecimento o “nosso” avião vai comportar-se como se estivesse a … 2563pés. (também estranhei… e até fiz os cálculos duas vezes)

Podem usar a calculadora e rever as aulas teóricas. Ou então não (!) e usar a ferramenta disponível encontrar aqui

Agora imagine que se inscreve no RedBurros e dá um saltinho a Mogadouro. E encontra um METAR igual a este: (disponíveis em flyweather.net)

LPMU 151640Z 17008KT 35/08 Q1012

Sendo que LPMU está a 2344pés, a altitude de densidade sobe para os 5312pés (hummmm?!)

Mais do dobro! Dá que pensar, hein?!….

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Humidade – o factor que não calculamos

E porque é que a humidade também afecta a densidade? O ar é uma mistura de gases, 78% de Azoto (também conhecido por Nitrogénio), 21% de Oxigénio e cerca de 1% de outros gases. A quantidade de vapor de água varia, mas pode contribuir com cerca de 1%.

Na atmosfera, o azoto existe na fórmula molecular N2 – o que significa que que temos dois átomos de Azoto ligados entre si- uma vez eu a sua massa atómica é 7, podemos inferir que uma molécula pesa 14 unidades (de peso – não interessa agora o rigor científico da coisa)

Também o Oxigénio é uma molécula “biatómica” (calma… não é assim tão difícil) o que quer dizer que existe sob a forma O2. Como cada átomo pesa 8 a molécula pesará 16 unidades (de peso)

Ora, uma molécula de água, H2O, é constituída por um átomo de oxigénio e dois de Hidrogénio. Sabendo que cada átomo de hidrogénio pesa 1 então uma molécula de água pesará 10 unidades.

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E onde é que esta química toda nos leva?

Simples! – as moléculas de água são mais leves que as restantes moléculas que constituem um determinado volume de ar e além disso concorrem para ocupar o mesmo espaço. Logo, quanto mais vapor de água existir no ar, menor será a sua massa (peso) – o que significa que é menos denso.

Lembram-se do exemplo que dei acima para o Metar de LPMU

LPMU 151640Z 17008KT 35/08 Q1012

Conforme está temos uma humidade relativa de cerca de 20%.

Aumentemos 10 pontos percentuais (30%).

A altitude de densidade sobe para os 5465’ – mais 153’

Infelizmente, calcular a influencia da humidade não é simples, mas para quem esteja com “pachorra” pode validar aqui.

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E todo este discurso porquê?

Então cá vai… (e voltando ao primeiro parágrafo):

Torremocha del Jiloca

– Altitude: 3527 pés

– Temperatura exterior: 38º e nem sequer eram ainda 16H00 locais (15H00 em Portugal, 1400UTC)! Não se esqueçam que é por volta desta hora que a massa de ar, junto ao solo, atinge o valor de temperatura mais elevado (algo chamado de “delay” térmico)

A altitude de densidade, calculam os meus amigos (considerem o ponto de orvalho nos 25 graus dado pelo METAR de LETL – a menos de 10NM)! … eu prefiro descrever a experiencia:

Passagem à vertical para avaliar as condições do vento. Calmo para a pista 15 com uma ligeira componente de direita, duas pistas (uma em terra outra em asfalto) com 600 metros de comprimento anunciado e, pelo menos, mais 100 para cada lado da faixa branca… tranquilo. Vento de cauda OK mas entrada prematura na perna base. Resultado: final curta e alta. Decido-me quase instantaneamente por um “borrego”!

Olho rapidamente para piloto ao meu lado e nem foi preciso falar para perceber que faria exactamente o mesmo se estivesse aos comandos – era (foi!) a manobra mais acertada.

Até aqui tudo bem… era o último aterrar… não havia aeronaves em circuito pelo que a passagem a 120pés AGL (marcados no GPS) sobre a pista a 115 km/h configurado com 1 ponto de flaps estava a correr bem. (muito bem)

Dois terços da pista, alinhado, 120pés AGL… vamos embora… motor aos copos e ligeiro nariz em cima… 110 km/h e vamos subir…

…subir?!…

…e nada….

… o variómetro teimava em marcar 100pés/min… (a 5200 rpm, com 2 pessoas a bordo, normalmente sobe a 500pés/min ou mais).

OK Then…. Asas direitas, não há obstáculos… deixa ir…

130pés …. 140pés….  200pés…. volta muito larga à esquerda …. 500pés … vento de cauda … 600pés …

… a perna base e a final correram muito bem e o trem traseiro, depois de um espectacular efeito de solo, tocou o solo no final do primeiro terço de pista…

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Moral da História:

Afinal de contas esta coisa da altitude de densidade é mesmo algo a ter em conta em dias quentes (muito quentes) e pistas a cotas elevadas.

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Carlos Miguel Costa. 11 de Agosto de 2017. Fotos por Carlos Costa e João Oliveira.

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