Do sonho à realidade…

Desde que me lembro de ser gente, que os brinquedos que mais apreciava eram aviões. Embora os Natais não tivessem a abundância e o escandaloso consumismo dos dias de hoje, ainda assim eu facilitava a vida a quem me queria dar uma lembrança: um aviãozito, fosse ele do tamanho que fosse, resolvia o problema…

E se eles não existiam, abria os braços para deles fazer asas, e corria armado em aeronave.

Na hora do recreio na Escola Primária, em Rio de Mouro, um gajo entretinha-se a jogar “à apanhada”, “ao lenço”, “ao alho”, mas se acaso se ouvia o silvo característico de um T-37 no ar – a escola estava situada no circuito de aterragem da 32 da Base Aérea nº 1, em Sintra – por mim parava tudo, pois logo punha as fuças no ar em patética contemplação.

Em casa, e por via de meu Pai ser Oficial Navegador da Força Aérea, e embora ele não me influenciasse especialmente nessa matéria, a Aviação era tema de conversa e o próprio círculo dos seus amigos era composto, naturalmente, por muita gente do ar, desde camaradas seus e respectivas famílias, a pessoal navegante da muito desejada TAP.

Por outro lado, e porque ele esteve durante muitos anos nos A.T.A.M. – Agrupamento dos Transportes Aéreos Militares, voando os velhos Douglas DC-6 A e B e, a partir de 1971, os 2 Boeing 707, gostava de preparar as suas viagens com tempo na secretária do seu escritório, e para isso me pedia “ajuda” para o preenchimento dos Planos de Vôo. Eu não só ficava inchado que nem um peru, como ele aproveitava para me ir dando noções muito básicas de Navegação, as quais em mim despertaram o especial interesse por esta disciplina aeronáutica, e me foram particularmente úteis quer na disciplina de Geografia no Curso Complementar dos Liceus (antigos 6º e 7º anos), nos capítulos da Cosmografia, fazendo-me ter assinaláveis classificações, quer muito mais tarde, no Curso de Ultraleves.

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Filho de Aviador que era, adorava ir levar o meu Pai para as suas missões ou, ao invés, ir ter com ele às suas chegadas ao então Aeródromo Base nº 1, hoje Aeródromo de Trânsito nº 1, vulgo, Aeroporto Militar de Figo Maduro, para poder subir àquelas gloriosas máquinas e ver os “cockpits” que me fascinavam, mesmo que nunca neles (ou noutros) tivesse voado.

Tal marco acabou por só ter lugar em 18 de Agosto de 1968, quando num Domingo relativamente encoberto, o meu Pai me levou até Alverca para que o seu camarada de tripulações várias, Major (ao tempo) José Ferreira Infante e que era Instrutor de Pilotagem na Mocidade Portuguesa nas horas vagas, me “baptizasse” finalmente, pois que já tinha quase 11 anos de idade e ainda estava completamente “terreno”…

Devo dizer que o meu nervosismo e excitação eram tantos, que depois de um curto vôo de 18 minutos no Auster D-5 e de matrícula CS-ANA, e à saída do dito… vomitei de enjoado que estava! Mas recuperado, confirmei que era mesmo aquilo que eu queria e gostava!

Tal gosto veio a ser reforçado logo nos dois anos subsequentes, quando por via de uma Comissão de Serviço em Moçambique, o meu Pai é destacado para a Base Aérea nº 10, na cidade da Beira.

Essa Base Aérea era constituída por 2 Esquadras, uma de PV-2 (que iam, de quando em vez, deitar umas “ameixas” no Norte de Moçambique), e outra de Nordatlas 2502 (aqueles que tinham um reactorzinho na ponta das asas para auxiliar a corrida de descolagem em pistas curtas), a qual tinha por missão assegurar o transporte de pessoal militar e carga ao longo das diversos Aeródromos Base e Aeródromos de Trânsito espalhados pela então Província Ultramarina.

Acontece que nas férias escolares e sempre que se previsse que a missão não viria a comportar especiais riscos de segurança, eu procurava “atrelar-me” ao meu Pai e respectiva tripulação, e foi assim que não só muito fruí do gozo de voar, como fiquei a conhecer aquele território desde o Rovuma ao Limpopo…

Mas havia um problema insolúvel e que frustrava determinantemente o meu desejo de vir a ser piloto profissional, fosse militar ou civil: desde os 4 anos de idade que tinha a sentença lida, quando um Médico Oftalmologista do Hospital Militar Principal da Estrela me determinou “óculos para uso permanente”, pois que “O rapaz tem quase tudo o que se pode ter: estigmatismo e miopia !”.

Ou seja e à época, não só não era cirurgicamente resolúvel, como para se ser profissional eram necessário 10/10 e sem correção. Donde, o assunto estava (quase) arrumado…

Restar-me-ia tirar o “brevet” ligeiro, vulgo, PPA, para poder ter o gozo de vir a ser piloto, mas… amador…

Só que como a família não tinha especiais recursos financeiros, ficou-me na mente aquela coisa da Mocidade Portuguesa… Poderia ser por ali que eu viesse a tirar o “brevet”…

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UNX

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Entretanto e para quem não saiba, a legislação estipulava, ao tempo, uma coisa ilógica e inexplicável: as idades mínimas para se tirar o “brevet” eram de 16 anos para o Paraquedismo, de 17 anos para o PPA e… de 18 anos para se tirar a Carta de Condução ! E para esta última, era necessário que um tipo fosse à Conservatória do Registo Civil para que os Pais o emancipassem, já que a maioridade era atingida apenas aos 21 anos…

Aliás, esta figura da “emancipação” tinha duas variantes: Emancipação Plena ou, mais restritivamente, Emancipação para Efeitos de Carta de Condução !!! Mas fosse como fosse, tirar a Carta de Condução requeria mais idade que… saltar dos céus !!!

Ora, e como atrás referi, 17 anos era, então, a idade mínima para se tirar o “brevet” de Pilotagem. Eu completava 17 anos em Outubro de 1974, mês em que se iniciava um mais um curso na Mocidade Portuguesa. Moderadamente metódico como sou, tratei de toda a documentação prévia e lá fui eu ao Palácio da Independência, no Rossio, inscrever-me e pagar (600 escudos !) para o curso que se iniciaria em Outubro. Só que… tudo isto se passou quando ? Exactamente no dia 24 de Abril de 1974. Digamos que nesta matéria… foi azar !!! Perdi os 600 escudos e não iniciei curso algum, já que a Mocidade Portuguesa foi extinta por Decreto no dia seguinte !

Esse sonho “desabou” e, portanto, não o pude então realizar, considerando os elevadíssimos custos que tirar num qualquer Aeroclube tal desejo comportava.

Assim me mantive uns quantos anos, até que… apareceu a classe dos Ultraleves.

E porque tenho o privilégio de ter como Compadre e Primo (somos casados com Primas direitas) o internacionalmente conhecido Fernando Rodrigues, pioneiro em Portugal desta Aviação, desde cedo o homem me começou a assediar para que me tentasse. Fui pondo o argumento do custo, numa altura da vida em que o rendimento disponível é para ser muito bem gerido. Só que o gajo tanto me martelou, tanto me martelou, que eu acabei a não resistir à tentação.

E lá me inscrevi, e lá cursei, e lá me “brevetei”. Hoje em dia, tenho o sonho realizado e sou co-proprietário daquela que denomino como “A Mais Linda Máquina de Guerra Que Cruza Os Céus de Portugal”, vulgo, o “Spirit of Benavente”. Um Best of Sky Ranger, de matrícula CS-UNX, que muito, mas muito gozo me dá operar, e que me tem proporcionado belas “esvoações” na paisagem portuguesa, para além de me permitir o convívio com Gente-do-Ar, comunidade caracterizada por um muito são espírito de convívio e camaradagem.

Claro está e como em tudo na vida, já houve momentos excepcionais, outros muito bons, e outros bons. Espero nunca vir a experimentar alguns sofríveis, maus ou péssimos. (fica corrida a escala de classificações da Escola Primária…).

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UNX

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Mas de todos, um há que é único ! Absolutamente único ! É o dia em que na aprendizagem e sem aviso prévio, de repente, o Instrutor determina que um gajo é “largado”.

No meu caso foi tal o momento, que não resisti a dirigir, no dia seguinte, e por mensagem electrónica, a todos os envolvidos na minha aprendizagem – a saber, Álvaro Matos, Fernando Rodrigues, José Lino e Luis Santos (“Nini”), mas também o Comandante Joaquim Oneto, o Major Rui Sarmento (já falecido, infelizmente) e o Luis Gaspar –, um resumo do que foram as minhas emoções e os meus sentimentos.

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É essa a mensagem que aqui partilho e que teve lugar em 01 de Junho de 2006, já lá vão mais de 10 anos !

Porque é mesmo único !

Valeu a pena !

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João Manuel Taveira. Foto André Cassio.