ADERIR FAZ A DIFERENÇA

Por vezes é difícil de perceber. Há marcações, stopbars, e fraseologia referência nos rádios, mas ainda assim verificam-se incursões na pista por parte de aeronaves modernas com tripulações numerosas. Nos cockpit, encontramos tripulações altamente profissionais e treinadas de acordo com procedimentos de operação padronizados (SOP – Standard Operating Procedures). No entanto, há um enorme problema, que leva a incidentes sérios – a distracção!

Olhando para o ano de 1981, a Federal Aviation Administration (FAA) introduziu duas regulamentações que visavam proibir as tripulações de executar tarefas não essenciais durante as fases críticas do voo, que incluía o movimento das aeronaves no chão. Alguns anos depois, a Fundação para a Segurança em Voo publicou um artigo onde referia que 72% de 76 acidentes ou incidentes graves ocorridos entre 1984 e 1997 podiam ser atribuídos à falta de um “ambiente estéril” (Sterile Flight Deck). Ainda que esta estatística não se refira exclusivamente às incursões na pista, o problema básico aplica-se da mesma forma.

Mais de 30 anos depois da tentativa da introdução do conceito de ambiente estéril, a EASA (European Aviation Safety Agency) publicou a sua opinião sobre estes procedimentos. Define os movimentos no chão por parte de aeronaves como fases não-críticas, mas insiste que esta fase do voo deve ser tratada como crítica, alargando os procedimentos de ambiente estéril às operações no chão. No entanto, esta opinião ainda não está incorporada nas regulações nacionais, o que leva a que as companhias aéreas não tenham os seus procedimentos padronizados de acordo.

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Olhando para a fase de rolagem de uma aeronave, há uma diferença significativa se a compararmos com outras fases de voo – durante a rolagem a aeronave pode parar instantaneamente. Este facto é uma boa razão para que a fase de rolagem não seja considerada uma fase crítica do voo. No entanto, olhando ao possível resultado dos acidentes ligados a esta fase, que podem resultar de incursões na pista,  a severidade resultante é uma das razões chave para se tratar a rolagem como uma fase crítica, ainda que não seja assim definida pela EASA.

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À luz da estimativa de uma média de 2 incursões de pista por dia na zona europeia, o EUROCONTROL publicou o “Plano Europeu para a Prevenção de Incursões na Pista” (EAPPRI). Para tornar este plano um documento efectivo, as partes interessadas foram convidadas a participar no seu desenvolvimento. Uma dessas partes, a European Cockpit Association, que representa cerca de 38 mil pilotos, contribuiu com a experiência dos pilotos, ganha ao longo das suas operações de dia a dia.

Olhando mais de perto para as recomendações aos operadores no EAPPRI, podemos verificar que o conceito de ambiente estéril deve ser promovido, recomendando que se evite a posição de “cabeça baixa” durante a rolagem. Será isto implementado pelas companhias aéreas e as suas tripulações?

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Em Outubro de 2010, um Boeing 737-800 da Turkish Airlines rolava para posteriormente descolar do Aeroporto de Dublin. Ao aproximar-se da pista em uso, um Airbus 319 da German Wings encontrava-se na final curta para aterrar. Com o A319 a uma milha de aterrar, a tripulação vê que o B738 ultrapassou o ponto de espera da pista e decide borregar. O A319 sobrevoou o B738 cerca de 500 pés acima, cerca de 30 segundos depois do último ter passado o ponto de espera. O relatório da investigação indica que o comandante do voo da Turkish afirmou estar ocupado com tarefas necessárias para a descolagem enquanto rolava, obrigando-o a ter o olhar direccionado para baixo.

Outro exemplo semelhante, ocorrido também em Dublin, ocorreu em Maio de 2011, quando um A321 da Monarch entrou na pista em uso quando um B738 da Ryanair descolava desta, levando a uma descolagem abortada para que a colisão entre ambas as aeronaves fosse evitada. Mais uma vez, o relatório de incidente indicou como causa “a possível distracção com tarefas no cockpit durante a rolagem”.

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O que poderá então ser feito para reduzir este tipo de incidentes e acidentes?

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Em primeiro lugar, cabe às companhias aéreas providenciar procedimentos padronizados de operação que sejam o espelho das recomendações da EAPPRI, tendo em conta a informação da FAA e da EASA. O conceito de ambiente estéril deve ser implementado como padrão durante a rolagem e, simultaneamente, os SOPs devem fazer com que todas as acções necessárias antes da descolagem sejam realizadas enquanto a aeronave se encontrar parqueada. Acções como mudar os sistemas de protecção de gelo, verificar os controlos de voo, completar os cálculos de massa e centragem, não devem nunca ser feitos enquanto a aeronave rola. O mesmo é certamente verdade para os items posteriores ao voo, como completar o relatório ou a preparação antecipada para o voo seguinte. Ainda assim há numerosos exemplos em que este tipo de acções estão exactamente alocadas para a fase de rolagem de uma aeronave.

Se nos perguntarmos o porquê dos procedimentos estarem assim construídos, existe uma resposta simples: todos os minutos em que uma aeronave está a operar, custa uma determinada quantia monetária. Multiplicando hipoteticamente dois minutos adicionais de trabalho preparatório no parqueamento, antes de começar a rolar, enquanto os motores já estão a trabalhar, pelo número de voos de uma determinada companhia… rapidamente se somam várias horas de operação de aeronaves diariamente. Dependendo do tipo de aeronave e dos seus custos de operação, isto pode tornar-se extremamente dispendioso.

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Mas, por vezes, a distracção tem outra origem. Há alguns aeroportos na Europa em que é comum ser dada a autorização de voo enquanto a aeronave está a rolar. Isto pode interferir com a capacidade dos pilotos monitorizarem o progresso da aeronave. Algo assim aconteceu-me em Varsóvia, no início do ano de 2013. Estava na aproximação à pista sob neve intensa, com um tecto baixo de nuvens e tive de borregar após uma rajada de vento inesperada, sendo que o trem do lado esquerdo chegou a tocar a pista. Enquanto me preocupava com os controlos na subida, o controlo de tráfego aéreo questionou o motivo pelo qual tinha borregado – podem imaginar que essa explicação não estava no topo das minhas prioridades nesse momento.

Há outra questão com as recomendações, mesmo que estas sejam inseridas nos SOPs: o problema da não adesão aos mesmos. Entre as razões para isto, está a complacência dos próprios pilotos. Não é fácil de lidar com este assunto. Com horários apertados, operações no chão que tornam os atrasos dispendiosos e horas de descanso obrigatórias que podem alterar planificações, explica-se a necessidade de por vezes apressar as coisas e a pressão existente nas tripulações. Mas, mesmo sem estas pressões, os pilotos tendem por vezes a apressar as suas tarefas, especialmente na fase final do seu horário de trabalho.

A complacência afecta a segurança de voo, especialmente em locais com os quais os pilotos estão bem familiarizados. Se os aeródromos são os mesmos todos os dias e os voos são rotineiros sem sobressaltos, os pilotos por vezes “esquecem” o seu profissionalismo face à monotonia.

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Em conclusão, há 3 coisas a fazer:

– As recomendações publicadas devem estar espelhadas nos padrões de actuação das companhias. Isto pode custar algum dinheiro, mas é certamente necessário por questões de segurança;

– O controlo de tráfego aéreo deve reconhecer o conceito de “ambiente estéril” e os seus procedimentos devem estar construídos de forma a distrair os pilotos o mínimo de tempo possível;

– Por último e talvez o ponto mais importante, os pilotos e todos os outros profissionais da aviação não devem aceitar a complacência. Hoje em dia as probabilidades de haver um acidente são relativamente baixas. Mas a severidade dos acidentes é especialmente alta. Portanto, os movimentos de uma aeronave no chão devem ser considerados como uma fase crítica do voo.

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Há uma grande oportunidade de melhorar a segurança na aviação… se todos em causa aceitarem a segurança de voo, não como uma exigência mas como uma atitude profissional necessária.

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Tradução e adaptação João Queirós. 04Mai16. As fotos deste artigo são meramente ilustrativas.

Artigo original  HINDSIGHT MAGAZINE Wolfgang Starke by EuroControl sob autorização para o cavok.pt

Nota: Este artigo contem links embebidos em palavras ou frases a bold, que reencaminham para outros sítios da web de interesse para o assunto do artigo