Automatizar o Controlo de Tráfego Aéreo

Conseguiremos alguma vez automatizar as tarefas dos Controladores de Tráfego Aéreo?

O elevador foi o primeiro meio de transporte que abdicou do condutor/operador. Hoje em dia, enviamos naves espaciais à volta do Universo e entramos em metropolitanos/comboios em Paris ou Toulouse que não necessitam de alguém que os conduza. As aeronaves voam pelo globo em piloto automático 99% do tempo. O melhor jogador de xadrez do mundo é um programa de computador. Cada vez mais, os robots assumem as tarefas não só em nossa casa, como em muitos outros aspectos do quotidiano.

Com toda a evolução no presente, seguramente devemos ser capazes de automatizar as tarefas dos Controladores de Tráfego Aéreo! Os Controladores de Tráfego Aéreo comunicam com os pilotos através de uma frequência VHF, sendo que, se alguém está a transmitir, os restantes elementos com a frequência seleccionada têm de aguardar, ou a mensagem será perdida.

No mundo moderno, quão absurdo é isto? Estivemos todos adormecidos nos últimos 50 anos?

Lembram-se dos esforços na tentativa de desenvolvimento do projecto ARC2000, por parte do centro EUROCONTROL em Brétigny, que permitiria enviar autorizações automáticas para as aeronaves, sem intervenção de um controlador? Do PHARE Demonstrations, que permitia trajectórias 4D automatizadas através de Datalink? Experiências de separação própria em voo livre? O futuro está ao virar da esquina e rapidamente estará sobre nós. Em Março de 2014, surgiram notícias sobre um A320 que se encontrava a efectuar o segundo voo de trajectória experimental “initial 4D” (i4D), como parte de um projecto SESAR.

Não fizemos esses testes já há 20 anos? O que nos está a atrasar este tempo todo?

Num nível inferior, automatizamos coisas que necessitem de processamento, transformação ou outro tipo de tratamento. Planos de voo, informação radar, atribuição de etiquetas, écrans de apresentação, métodos de introdução de informação, actualizações meteorológicas, páginas de informações de estado, entre outras. Basicamente, todo o (pré)processamento de informação que assiste o controlador em todo o processamento mental que este tem de executar.

As tarefas são desempenhadas de forma mais rápida, fiável e com menos custos. Uma grande ajuda.

A um nível intermédio, poderemos observar os algoritmos que começam a ajudar o controlador no tal processamento mental. Previsões, ferramentas de gestão de chegadas, alertas de conflito, ferramentas de gestão de fluxos – as ferramentas de apoio à decisão. Providenciam conselhos ao operador, que após receber essa informação irá decidir o que fazer com a mesma.

Mais uma vez, uma grande ajuda aos humanos que são notoriamente maus monitores. Uma máquina a analisar constantemente a separação entre duas aeronaves tem um enorme valor acrescentado. Ainda assim, os humanos são a peça central da parte mais intelectual da função.

Com toda a certeza, já providenciamos toda a automatização possível ao controlador para que este possa tomar apenas a decisão final. Será assim tão difícil assumir esta última parte também? As regras e procedimentos são claras e relativamente simples. O espaço aéreo de manobra é grande. O número de instruções que podem ser dadas a uma aeronave são limitadas. A fraseologia está padronizada. A máquina que informa sobre a separação das aeronaves não se vai cansar ou aborrecer ao fazer um turno da noite. Não se vai unir a outras máquinas para pedir um aumento de salário.

Então, no nível superior de automatização, poderão as máquinas assumir totalmente a tarefa do controlador? Tomar as decisões e executá-las?

Em 2001 houve uma apresentação por parte de um elemento da NASA, Heinz Erzberger, chamada O Conceito de Automatização Aeroespacial. Este, desenvolveu uma plataforma, a CTAS (Center Tracon Automation System), tendo provado que a criação de trajectórias livres de conflitos para as aeronaves é perfeitamente viável. Em seguida, questionou a possibilidade de falha do sistema automatizado: desenvolveu um sistema de backup (TSAFE) que iria monitorizar de forma independente as autorizações automatizadas e as trajectórias que as aeronaves seguiriam, podendo enviar alertas directamente para o piloto.

Este mesmo sistema, iria também monitorizar a separação entre aeronaves não sujeitas à automatização por não terem a tecnologia necessária (ou seja, estariam sempre os controladores envolvidos).

Seria o sonho dos engenheiros. Os controladores seriam gestores de sistemas, a realizar a extremamente difícil parte intelectual, as máquinas assegurariam um fluxo suave e lidariam com a trabalheira de comunicar as autorizações às aeronaves. Estaria assim criada uma situação benéfica – maior capacidade no espaço aéreo e mais segurança!

Que tal para uma mudança de paradigma? Não seria nada menos do que uma verdadeira revolução!

No entanto, o assunto provou ser mais difícil.

Podemos automatizar tarefas altamente determinísticas – ao fazer-se uma coisa, sabemos exactamente o que vai acontecer. Voar uma aeronave, por exemplo. Mas controlar mais que uma aeronave, por mais simples que possa parecer, é de uma natureza dinamicamente imprevisível.

Na parte teórica da apresentação referida acima, o autor falava exactamente sobre as cautelas a ter ao colocar-se a fasquia tão elevada, pois “não é possível determinar a fronteira entre uma série de problemas que podem ser resolvidos, daqueles que não podem”. Enquanto a gama de problemas que os controladores podem resolver é também limitada, esta é maior que a gama do CTAS (Center Tracon Automation System).

De realçar ainda que os controladores humanos são capazes de adaptar as suas estratégias de resolução de problemas  a situações completamente novas, uma capacidade que não está presente nos computadores.

Estávamos em 2001, podemos afirmar que são “reminiscências do passado”, mas sente-se que o puzzle ainda não foi resolvido.

Voltamos então a ter os humanos na questão. O humano tem a grande capacidade de se adaptar a situações inesperadas. Claramente é o seu melhor activo neste “jogo” e mantém-se indiscutível até agora. O humano sustenta o importante desafio da segurança ao responder habilmente a mudanças, baseando-se em boas estratégias de adaptação. Fornecem a resiliência que as máquinas não conseguem.

Será essa então, a maior barreira à automatização?

Permitam-me apontar uma falha conceptual no coração da indústria dos Serviços de Tráfego Aéreo: os Estados são responsáveis por assegurar que os Serviços de Tráfego Aéreo são providenciados no seu espaço aéreo. E, historicamente, os Estados não são conhecidos por inovar com sucesso. Claro, o programa SESAR europeu está a “queimar” dinheiro, mas a soberania do espaço aéreo mantém-se um obstáculo fundamental à inovação.

Além disso, o facto de em muitos casos, os serviços de navegação aérea serem um monopólio, leva ainda mais à falta de incentivo à inovação.

Podemos, no entanto, observar sinais de elementos do programa SESAR que estão a dar passos para a automatização da ginástica intelectual do controlador. Se virmos o actual European ATM Master Plan, podemos verificar que a palavra “automatização” aparece 13 vezes, maioritariamente associada à “Gestão de Conflitos e Automatização”.

Igualmente, este plano descreve a mudança significativa no papel dos Controladores de Tráfego Aéreo do futuro e no modo como estes vão encarar o tráfego. Ainda não se sabe qual será exactamente este papel e talvez seja melhor assim, já que irá derivar de uma evolução e não de uma revolução. É engraçado como se pode ser inovador e extremamente conservador ao mesmo tempo.

Recentemente, li um artigo que referia que era mais provável que os “trabalhadores de secretária” fossem automatizados, do que o pessoal da linha da frente. Isto é, claramente, ridículo, impensável e nunca irá acontecer.

Tradução e adaptação João Queirós. Março 2016. Fotos meramente ilustrativas por José Rocha e Unsplash. Republicado Novembro 2020.

Artigo original  HINDSIGHT MAGAZINE by EuroControl sob autorização para o cavok.pt

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