Carga de trabalho máxima

Quantificar a carga de trabalho tem um sentido intuitivo para a maioria das pessoas.

Geralmente, os operacionais do Controlo de Tráfego Aéreo conseguem dizer quando a sua carga de trabalho é “alta”. Mas, o que é isso significa?

Afirmei na Revista Hindsight 8, em 2009 que num Aeroporto Europeu bem conhecido, eu subiria a carga de trabalho até cinquenta e cinco aeronaves por hora nalguns sectores de aproximação. Um grupo de controladores ofereceu-se para tentar fazê-lo e comprovando as minhas previsões, conseguiram. Mais tarde previ que o mesmo aeroporto, iria suportar uma carga até sessenta ou mais aeronaves por hora… e é precisamente isso que se verifica hoje em dia.

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Então, vamos lá calcular a sua carga máxima de trabalho?

Uma vez mais, num artigo da Revista Hindsight de 2007, fiz uma graçola que para determinar a sua carga de trabalho máxima, o operacional deveria falar primeiro com o seu sindicato e não com um especialista em factores humanos. Aparentemente, eu não tinha na altura muita confiança nos estudos que suportavam as minhas conclusões. (…)

A teoria da medição da carga de trabalho hoje em dia inicia-se onde tinha parado há algum tempo atrás. Dê uma espreitadela na escala de medição da carga de trabalho da NASA TLX. O formulário utiliza uma série de termos psicológicos, nomeadamente: exigência mental, demanda física, demanda temporal, desempenho, esforço e frustração, os quais são quantificáveis através de escalas, para o indivíduo melhor definir o que experiênciou.

TLX scaleAs pessoas são convidadas à “introspecção” ou “olhar para dentro” e a reflectir sobre a sua própria experiência subjectiva. Como foi a exigência mental? Bem, uhhh, pensando bem, eu diria isto: cruzinha. Como foi o seu desempenho? Uhhh, eu não sei, bem… aqui, cruzinha.  Sentiu-se frustrado? Aaaargh, já que faz essa pergunta, um pouquinho: cruzinha.

Assim que a cruzinha é inserida na escala, imediatamente o psicólogo chega ao seu número final. Porque a escala tem espaços e a sua cruzinha produz um numero,  um número diferente de zero (normalmente até sete ou nove ou outro numero arbitrário). A cruzinha para o psicólogo significa um número e os números são bons, fazem toda a avaliação parecer uma ciência. Os espaços deixam de ser subjectivos e passam a ser números. Não são apenas a sua opinião. Eles são dados objectivos, dados psicológicos objectivos!

Hã???!  Sim, os psicólogos chegam mesmo a fazer estatísticas sobre esses dados!

Para os mais cépticos, um grupo de trabalho em Oklahoma, realizou uma análise de variância com os dados provenientes duma dessas escalas. Os dados vieram de uma experiência/estudo feita com controladores de tráfego aéreo, destinado a demonstrar que as fitas de progresso de voo seriam desnecessárias.

As escalas de carga de trabalho são, em linguagem técnica, ordinais. Ou seja, elas colocam por ordem (isto é menos do que isso, ou mais do que isso). Não é uma escala de proporção. Se por exemplo se medir a “carga mental” com uma escala ordinal, nunca pode dizer que a diferença entre 1 e 2 é tão grande quanto a diferença entre 4 e 5. Ou que a diferença entre 2 e 4 é duas vezes maior que a diferença entre 3 e 4. A questão é que só se podem fazer análises estatísticas imaginárias sobre escalas de razão.

Bom, mas não importa!! O tal grupo de trabalho, usou uma escala para medir a distância entre o lado esquerdo da escala e onde os controladores tinham colocado a sua opção, a sua cruzinha. Uma pergunta sobre alguma categoria psicológica não comprovada… carga mental? O que é a carga mental? O espaço, tornou-se numa cruzinha, uma cruzinha tornou-se uma distância do lado esquerdo da escala, medido em quaisquer unidades da régua, a distância do lado esquerdo da escala tornou-se um número, o número tornou-se num ponto de dados numa análise estatística e, finalmente, a análise estatística tornou-se prova de que as fitas de progresso de voo eram um desperdício de tempo para todos.

 Ok, certo!!!  Isso é chamado de alquimia: a alquimia psicológica.

Mas o pior é que os números, as escalas geram aquilo a que o meu colega Jim Nyce chama de um redução estratégica. A redução do individuo, do operacional, do controlador. As escalas produzem números e “provas” de estatística para que os seus gestores ou engenheiros sintam mais confiança para agir com base nela. Como a eliminação das fitas de progresso de voo, ou a re-sectorização da aproximação no aeroporto, que referi à pouco, para que o operacional possa fazer tudo sozinho, conseguindo ainda ter cinquenta e cinco aviões para articular…ou sessenta!

Mas onde se enquadra o controlador, neste contexto? O que aconteceu com a sua experiência real de carga de trabalho? Bem, foi-lhe perguntado exactamente sobre isso. E o resultado das respostas com um espacinho, preenchido com uma cruzinha deu essa conclusão…

OK, acho que percebeu onde quero chegar!!

Felizmente, os gestores ou grupos de trabalho hoje em dia não estão realmente apenas interessados em descobrir a carga de trabalho máxima.

O que é mais importante para eles são as transições de carga de trabalho e em particular, partindo da carga de trabalho baixa (também conhecido como “subcarga”) até chegar à carga de trabalho alta (reparem que não disse máxima!!).

No controlo de tráfego aéreo, o oposto também tem gerado muita preocupação, saindo de um pico de tráfego ou passando de alto a baixa ou muito baixa carga de trabalho, foi provado ter efeitos negativos sobre a vigilância do controlador com consequências por vezes graves.

Este tipo de estudos é mais interessante e talvez mais importante. O que mostra não são os números (55 por hora ou 60), mas antes os padrões.

Estes estudos mostram como as tarefas e desempenho se inter-relacionam, interligam e interagem (este tráfego diminui após este pico de tráfego, neste horário, neste dia, nesses sectores), mas escondem padrões e possibilidades de acção e intervenção, omitem diferentes maneiras de agir, para gerir a fluidez do tráfego de outras maneiras, para reorganizar em diferentes horários ou em diferentes rotas.

Também ninguém precisa de estar certo ou errado. Em vez disso, o tipo de estudo e conclusões é que nos fornece dados para pensar, falar e experimentar.

Então e agora, como operacional o que faço?

Tenha uma saudável desconfiança de números produzidos pelos psicólogos e factores humanos que giram em torno da sua posição de trabalho.

A entreajuda entre gestor ou supervisor e o controlador em diferentes questões e padrões é fundamental para que juntos, possam idealizar a carga de trabalho, experimentá-la e ajustá-la. Não limitar a preocupação aos números máximos ou mínimos.

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E agora se você não se importa, vou parar de escrever/traduzir. Até porque não tenho um sindicato que me ajude a determinar o que acho que já excedeu a minha carga de tradução máxima para este dia.

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Tradução e adaptação José Rocha. 21Mar16.

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Artigo original Professor Sidney Dekker  HINDSIGHT MAGAZINE by EuroControl  autorização para o cavok.pt

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