Viagem de Quicksilver

Não me lembro, não sei, confesso.

Nem sei do ano em que isto foi, quanto mais da data exacta, mês, dia, etc., da minha primeira viagem em Quicksilver para fora do ninho, Benavente, numa viagem até à Lagoa de Óbidos onde havia festança para a maralha (pouca ainda) dos ultraleves.

Mas vocês podem calcular, aproximadamente, claro, se vos disser que Benavente era ainda Pedro Glória e Fernando Rodrigues e a presidir à festa em Óbidos estava o velho Ribeiro Couto do INAC, com seus jogos de aterragens de precisão, lançamento de bolas de trapo do ar para um alvo inscrito no solo …and so on.

Seria 93…acho eu.

O Quick tinha dois depósitos, o normal de quatro galões e um outro incrustado no banco do acompanhante com outro tanto, munido de uma bomba de combustível de automóvel (mini?), sonda e indicador de quantidade.

Não me recordo se tínhamos ainda o Rotax 582 que partiu a cambota mais tarde acabado de atravessar o Tejo e já sobre terra firme em frente a Alverca cidade (não sei se Alverca gare), um pouco a sul da pista local e sem possibilidades de lá chegar, ou…ou se era já o Rotax 618 com que substituímos o 582 partido.

Retomando a viagem a Óbidos, pelas nossas contas, tínhamos combustível para as duas pernas sem necessidade de reabastecer, mas em todo o caso, amigos que seguiam de carro, levavam consigo mais vinte litritos e a respectiva bomba manual.

Viagem com uma brisa de nariz, coisa pouca, quase nada, conferindo referências no solo, eu e o João Jorge, comissário de bordo da TAP como eu, aluno (muito bom) em Benavente, mais tarde morto inglório em aventura de pilotaço daqueles que infelizmente todos conhecemos, junto a Porto Alto, no Outono de 1993, avistámos o Castelo a menos de uma hora de voo e aterrámos já com um ventinho do mar mas sem problemas.

Dia bem passado, convívio, demonstrações, tarde a avançar e lembro-me do comandante Tó Rocha que tinha vindo com um X-AIR, se não me engano, à vertical da pista nos dizer que estava uma ventosga lixada.

Na volta ficou o João Jorge para o automóvel e embarcou comigo o João Leitão, outro comissário de bordo da TAP e igualmente aluno em Benavente.

O tal vento que o Tó Rocha anunciara havia aumentado tocando o Quick tendencialmente de cauda mas entalado entre a empanagem e a asa esquerda. Sentíamos o solo a deslizar muito depressa e mantínhamos um pouco mais de motor a fim de garantirmos velocidade-ar e sustentação, tentando não nos aproximarmos muito da Serra de Montejunto.

Atravessámos o Tejo entre o Carregado e Vila Franca, abaixo, portanto do que queríamos e rumámos a Benavente.

Começando a perder altitude para o circuito vimos que toda a mata de sobro era uma revolução, agitada por um vento muito agressivo.

Fiz o vento de cauda a que me havia habituado, entrei para a perna base e…o vento arrastou-nos bem para fora do alinhamento da pista, impossibilitando a final e com a ramagem dos sobreiros num alvoroço.

Nada de sobressalto.

Havia combustível suficiente, decidi meter nariz ao vento, subir, cruzar a pista para um novo vento de cauda mas mais largo, e preparar uma final mais comprida mas não muito para não ficar muito mais tempo no ar com vento bem de frente.

O acompanhante estava amedrontado e agarrava-se aos tubos de olhos bem abertos.
Quando ia a cruzar a pista, ainda baixo, meti nariz ao vento, motor, atitude de voo horizontal e o avião desceu como um helicóptero.

O pendura levantou os dois braços num gritado “hurra aterrámos!”.

Foi necessário muito cuidado nas voltas do chão para que o vento não nos engasse.

Olhámos relógio. Tínhamos saído de Óbidos 25 minutos antes!!

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José Brás. Foto Luís Malheiro