Vento de 360, com 35, rajada de 42, boa aterragem!

Vento de 360, com 35, rajada de 42, boa aterragem!

Assustador? Sim! Evitável? Claro! Mas há dias assim…

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Muito se tem escrito sobre o facto de nesta aviação (de lazer), nunca estarmos obrigados a voar. E estamos todos de acordo. Embora, de vez em quando, lá “esticamos a corda”, e depois podermos – com alguma propriedade – dar conselhos aos outros…

Perante uma situação limite, há sempre noções, conceitos e regras que são reavivadas, reaprendidas, ou pelo menos, recordadas, encerrando por isso, alguma pedagogia. O que vos partilho nas próximas linhas, apenas o pode ser porque se decidiu voar, quando as condições não o aconselhavam.

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28 de Março de 2009, a APAU organizou mais um evento, neste particular o “Rio Tejo… da Fronteira até á Foz”. Está-se mesmo a ver que para “apanhar” o Tejo Internacional, se colocaram as aeronaves em Castelo Branco, tendo como destino previsto, Cascais.

As previsões meteorológicas davam Sky Clear tanto para 27, dia da subida até Castelo Branco, como para o dia 28, dia da efectiva descida ao longo do Rio Tejo. O único dado preocupante era o vento que teimava em aparecer em todas as previsões para sábado, dia 28. Ponderados os prós e os contras, o comandante (eu) decidiu efectuar a missão. Lá se foi a aplicação daquela máxima que nos diz (ensina) que mais vale estar no chão a querer estar a voar, que estar no ar a querer vir para o chão.

E lá fomos para Benavente numa bela sexta-feira de céu limpo e vento fraco. Muito fraco, por sinal.

Ok, as previsões para sábado talvez estivessem um pouco… inflacionadas!

Verificações, bagagem, combustível, plano de voo, piloto e acompanhante a bordo, ultimo contacto com o destino para avaliar as condições á chegada. Start-up. Descolámos em direcção a Castelo Branco, onde nos esperaria hangaragem e gasolina – o Aeroclube local a saber receber – jantar e pernoita.

Viagem, perdão, passeio sem história de maior, sem “buracos”, chegada a Castelo Branco 7 minutos antes do ETA, arredondamento na parte arredondada da pista, dando a sensação que a dita (pista) acabava de descer, aterragem e magnetos off. Que bela passeata. A acompanhante desfrutou do voo, da paisagem e claro, da companhia.

Tínhamos passado à vertical de Ponte de Sôr, Abrantes ali ao lado, Nisa à direita, Vila Velha de Ródão estava logo ali, mas isso fica para amanhã, que Castelo Branco deve aparecer algures á nossa frente. Sim, que apesar de o meu pequeno e fiel GPS de mão apontar para o destino, o planeamento estava feito na carta, à boa maneira aeronáutica. E não falhou. Lá estava Castelo Branco.

Jantar irrepreensível – para quem gosta de maranhos – ambiente calmo e companhia bem-disposta, há que “aterrar” na cama e ganhar as necessárias energias para o dia seguinte. Ultima olhada para a previsão, mantinha-se a possibilidade (quase certa), de sermos acompanhados por um teimoso e crescente vento de quadrante norte.

A manhã acorda fresca, limpa de nuvens, mas as árvores que espreitamos da janela do quarto, já mexem. Afinal as previsões pareciam estar certas.
Um bom e retemperador pequeno-almoço sempre com o olho no exterior, a tentar ler a intensidade do vento, serviu de mote a um primeiro briefing. Confirmavam-se as previsões. 10 Minutos de autocarro foram suficientes para nos levar do hotel à pista.

Preparações da máquina, 360, bagagem a bordo, eis que começam a chegar os que não tendo vindo no dia anterior, não quiseram deixar de estar presentes à partida. Madrugaram portanto. E sim, vieram acompanhados desse elemento previsto, o vento. Ainda assim, suportável. O pior era as previsões…

Briefing operacional, mantendo o cenário de um vento crescente de quadrante norte. Dirimidas as necessárias (outras) questões logístico-operacionais, pudemos começar a levantar voo, de forma organizada, para seguir o trajecto definido pela organização. Cabe aqui uma nota de reconhecimento ao elevado nível organizacional evidenciado neste evento. Tínhamos a “papinha” toda feita, era desfrutar e tirar as imprescindíveis fotos – sem retirar o olho do painel, claro.
O percurso, ainda que de fácil execução – era seguir um rio – tinha elementos de paisagem de rara beleza, todos devidamente relevados no “roadbook” da actividade. Por questões de segurança, as aeronaves mais lentas, saíram em ultimo lugar – para evitar ultrapassagens, ou seja, saída tardia e menor velocidade, o tempo foi passando.E o vento, aumentando!

O primeiro destino, o Aeródromo de Tancos, estava já ali, o percurso propunha uma volta pelo belo do Castelo de Almourol antes de entrar em circuito de aproximação a Tancos, mas a intensidade do vento aconselhou(-me) a pedir autorização para não cumprir essa pequena volta, aprumando directamente a Tancos, à pista que estivesse mais alinhada com o vento.

Já com o setup da final e a concentração em alta, eis que uma ave de grande porte se coloca à frente da aeronave – seguramente não estava na mesma frequência que nós – obrigando este cidadão armado em comandante a executar uma manobra de fuga para cima. Foi-nos ensinado que as aves quando se assustam, fecham as asas e “picam”. Como não tinha buzina, meti motor e toca de puxar o manche. Onde está a ave? Não sei, não a vi mais, mas também não a senti. Melhor assim. E a pista, será que depois desta manobra, ainda tenho ângulo para colocar o estojo no chão? Claro que sim, graças ao vento que tal como as previsões anunciavam, estava mais forte. Para quem viu, parece ter sido uma aterragem exemplar, considerando os cerca de 30 nós de vento, ainda por cima não enfiado (forma airosa de dizer cruzado). Para quem a fez, com a agravante de ser em piso asfaltado, um sacrifício. Manche ao batente, parabéns Skyranger. Percebes mais disto que eu.

Segue-se alguma confraternização com o pessoal voador, militares da base e outros aeronautas que, inteligentemente, foram por terra. Acreditaram nas previsões. E fomos almoçar a um belo de um restaurante sobranceiro ao rio. Que bela almoçarada, não fora a constante apreensão derivada das condições que o vento apresentava. Colocava-se a pergunta, sigo a voar para Cascais, ou vou de Comboio? Até aqui as coisas não tinham corrido mal, mas o ar soprava um pouco mais forte e estava aos comandos da aeronave provavelmente mais leve de todo o grupo (um tubo e tela).

Ouvidas várias opiniões e considerando as condições meteorológicas, decidi – sim, que a decisão é minha – descolar de Tancos, mas não prosseguir para Cascais, ou seja fazer rota directa a Benavente e assim evitar as milhas adicionais até Cascais, considerando que algumas delas seriam feitas contra o vento, resultando numa velocidade terreno bastante mais baixa, com grande e desnecessário esforço físico.

Motor em marcha – depois das necessárias verificações – autorização para a descolagem, perna de subida, sim, o raio do vento estava forte, ele era manche a um lado e ao outro. Ok, isto vai dar trabalho. Estabilizados em rumo e altitude em rota quase directa a Benavente, tenho o meu campo de visão “afinado” para a frente. Velocidade ar no arco de segurança (65 a 70 nós), GPS a marcar 110 (!!!!). Grande empurrão! Relembro que o Skyranger tem manche central, não havendo apoio para o braço, pelo que o corpo do cidadão (eu) era apoiado em certa medida, no manche – que não parava quieto.

Benavente estava avisada de que algumas aeronaves tinham borregado a opção Cascais, e preparava-se para receber estes “malucos” que teimaram em voar num dia de céu totalmente limpo… de nuvens. Quase nem houve tempo para mudar de frequência rádio, irra que as coisas aconteciam depressa. Vamos lá pensar como é que, nestas condições, se põe o conjunto no chão e em segurança. A preparação mental assentava na possibilidade de vários borregos, que iriam servir para ler as condições de pista e finalmente aterrar. Estávamos bem de combustível, todos os ponteiros (temperatura, pressões e afins) estavam onde era suposto, a visibilidade era XXL, pelo que o aspecto físico e a minha airmanship seriam, de alguma forma, as limitações a ter em conta.

Lá fui ao longo desta curta, mas trabalhosa viagem, segurando o manche com a mão esquerda, por forma a descansar o braço direito, que iria seguramente, ser muito solicitado nos circuitos e nos previstos borregos.

Não estando totalmente seguro de ter reserva de capacidade para lidar com esta mistura de condições adversas – vento forte, cansaço físico, pista em uso nunca por mim utilizada – chamo Benavente, preparando-me para o que aí vinha. E sim, tinha combustível para muitos borregos.

Benavente, boa tarde, CS-UKH, vindo de norte, a 7 milhas do campo para aterrar”.

Ainda hoje recordo com alguma emoção, a voz calma, segura e eficaz de um dos instrutores do campo de voo imediatamente reconhecido, que de forma clara responde, “CS-UKH, boa tarde e bem-vindo, vento de 360, com 35, rajada de 42. Pista em uso, 36, chame no vento de cauda”.

A voz segura do outro lado do rádio,estabilizou-me os níveis de adrenalina. Ok, estamos em casa! A boa notícia é a de que não terei que lidar com vento cruzado. Nem tudo é mau! Concentração em alta, temos ajuda. Esqueci-me de avisar a passageira para a possibilidade de borregos, “ElectricalPumpOn”, vento de cauda anunciado, replica Benavente:”CS-UKH, circuito normal para a 36, limpo de flaps, manténs 120 km/h de velocidade até ao chão, vais encontrar duas descendentes fortes, uma por cima dos cabos de alta tensão, outra na cabeceira da pista, boa aterragem”.

Este Piloto Instrutor acabava de garantir a minha aterragem. Concentrado e com as sábias indicações a servirem de GPS, aproximo-me à vertical dos cabos, e o palerma do avião “atira-se” para o chão, motor a fundo, manche atrás e mesmo assim a descer. Mau, isto é mesmo forte. Acaba a descendente, um autêntico coice, potência retirada (já estávamos na VNE) e manche à frente. Ufa, que se não fosse avisado, teria passado por baixo dos cabos… Ainda tínhamos outra descendente para negociar, por isso vim alto para a cabeceira da pista. Gerida da melhor forma esta segunda dose – já com a experiência da primeira – eis que estamos por cima da pista, a tal 36, onde nunca tinha operado. A partir daqui, foi “à heli”, olhos à frente e ao lado,manche e potência para trazer o bendito do Skyranger, quase na vertical até ao chão. Aterragem em poucos metros, para não ser de marcha atrás, recebo a cereja em cima do bolo: sempre de forma calma, agradável, segura, mas com autoridade, “CS-UKH, vai até ao fim da 36, se não conseguires voltar para o taxiway, mantém o avião aproado ao vento, que nós vamos aí buscar-te.” Levantando uma “perninha”, lá consegui taxiar até á placa.

Porque tudo correu bem, foi a aula mais completa que tive em aviação. Aprendi muito sobre os limites, os meus e os do avião – que são muito maiores que os meus – e lá fui rever os tais conceitos, noções e regras que explicam por que há limites á operação de aeronaves.

Ou seja – porque tudo correu bem – fiquei mais Piloto. Mas depois disto, e apesar de teoricamente saber mais um pouco do que sabia, já recusei a mim próprio o voo, apenas e só porque as condições não eram as melhores.

Aprendi a decidir melhor.

Não estive sozinho nesta aventura e presto a minha homenagem a todos os meus companheiros que “teimaram” (tal como eu), em participar no evento. Um grande número de aviões rumou a LPCS, onde aterraram de forma irrepreensível em dia de operação limitada pelas condições meteorológicas. Grandes pilotos.

Duas palavras finais, uma para o Piloto Instrutor que com as suas indicações – e da forma como o fez – me garantiu um “tu és capaz”, e outra para a minha acompanhante e esposa, que apesar de todo o conteúdo desta narrativa, desfrutou da viagem, tirou fotos e, como o plano inicial era até Cascais, “exigiu” o resto, ou seja Benavente / Cascais.

Umas semanas – e alguns voos locais – depois, lá estávamos para cumprir o prometido. Voo que, curiosamente, também encerra alguma história, mas para outra oportunidade, claro.

Portanto, Bons Voos!

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Por Nuno Franco.

Artigo escrito para o “Desafio CAVOK.pt de Março 2016 – Experiências com fenómenos meteorológicos”