Inconsciente, e agora?!

Inconsciência do piloto……é um dos piores pesadelos que os passageiros de um avião de aviação geral de lazer podem enfrentar.

Ok, você acaba de descolar para pequeno voo que o seu amigo Piloto que lhe andava a prometer há já algum tempo “…vamos pela costa até Peniche, sobrevoamos Santa Cruz, Tojeira e regressamos…meia horita!”.

O voo está a ir muito bem, sem turbulência e a visibilidade está espectacular. De repente, a meio caminho…o Piloto seu amigo desmaia ou fica inconsciente! Do nada, você está no banco da frente com dezenas de botões pela frente, com outros tantos mostradores a indicar não sei o quê e a enfrentar o maior desafio que alguma vez teve na vida.

Tem agora de controlar o avião, levá-lo para uma Pista mas Esperevocê nem sabe onde está!!nem para onde há-de voar essa máquina!!piorrr!! nem como mexer nela!!”.

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Muitos Pilotos que eu conheço, voam regularmente com pessoas amigas não-pilotos em voos de lazer. Familiares, esposos, esposas, filhos ou simplesmente amigos e que usualmente não tem qualquer experiência de voo e sendo ou não a primeira vez, existe uma real desorientação espacial relativamente ao local sobre o qual se encontram e pior….para onde é o quê?!

Apesar de ser uma partida de muito mau gosto, este vídeo consegue descrever o que um passageiro poderá experiênciar quando se apercebe que o seu Piloto desmaiou.

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Felizmente que o estado de “inconsciência” ou desmaio não é muito frequente ou pelo menos não são relatados com muita regularidade.

Que me lembre, houve apenas um voo em Portugal, uma aeronave de aviação geral, há já um par de anos atrás. Não respondendo aos chamamentos dos Controladores de Tráfego Aéreo de Lisboa e voando uma rota que divergia da que estava inicialmente planeada foi interceptado pelos F16 da Defesa Aérea. Concluiu-se que o piloto teria tido um AVC ou por qualquer razão teria simplesmente ficado inconsciente. Seguia em voo solo. Prosseguiu em voo estabilizado com rumo Oeste (estava com certeza em autopilot) até ter ficado sem combustível mergulhando depois no Oceano.

Também mais recentemente houve uma notícia do caso de uma passageira de uma aeronave de aviação ligeira espanhola cujo piloto/marido teve um AVC em pleno voo. Depois de instruída pelo ATC que era também “felizmente” piloto, presente na Torre de Controlo nas proximidades, a passageira conseguiu “controlar” a aeronave, rumar até ao aeródromo, descer a aeronave até ao inicio da Pista para aterrar, mas no momento decisivo a poucos metros do inicio de Pista não aguentando a pressão teve o acidente, saindo no entanto ilesa.

P51107-114336Não se sabe ou pelo menos que se possa provar ( grato ao GPIAA pela amabilidade da informação! ), se algum dos acidentes mortais acontecidos em Portugal nos últimos anos pudesse ter tido origem nalguma inconsciência ou desmaio momentâneo do Piloto. Por isso, embora o risco seja pequeno ele é no entanto, real e complexo.

Os passageiros, poderão em caso de emergência assumir o controlo e trazer a aeronave para uma aterragem e até bem sucedida…mas não é fácil!

Para o passageiro não-piloto que voa “à boleia” frequentemente é aconselhável pedir um briefing sobre “o quê, está onde e para que serve” (e quem sabe um pequeno treino, mesmo que seja no chão para sentir os comandos) para que possa aumentar significativamente as hipóteses de ter sucesso no controlo de voo ou até aterragem bem sucedida numa situação de emergência. Além de que, um conhecimento ligeiro sobre a máquina onde vai voar, alivia o stress e “medos” relativos ao voo e até pode fazer um “figurão” a contar aos amigos ou família o seu voo com mais pormenor.

Sugiro de seguida algumas dicas essenciais para o passageiro não-piloto que voa com alguma frequência e também para o piloto que usualmente vai acompanhado de passageiros não-pilotos, deverão considerar para uma maior tranquilidade durante o voo:
(ATENÇÃO: Não sendo instrutor, não tendo experiência ou à-vontade suficiente para o fazer, nunca em situação nenhuma perca a sua consciência situacional ou Situation Awarness ao ensinar o seu passageiro. Em primeiro lugar e acima de tudo está o Piloto, a segurança da sua aeronave e dos seus passageiros. É sua sempre a responsabilidade!)

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Empurrar o piloto para trás dos comandos (passageiro).
Aprenda como deve em caso de urgência puxar o banco do Piloto para trás (caso o equipamento ou aeronave o permita). O piloto continuará seguro mas livre de tocar nos botões e liberta o manche do peso do seu tronco. Os pilotos inconscientes ou desmaiados, devido à posição recta da cadeira caem para a frente e em muitos casos havendo convulsões, podem incontrolavelmente puxar e empurrar o manche fazendo o avião voar descontroladamente.

Saiba como utilizar o rádio (passageiro).
Como no exemplo dado em cima, muita ajuda que se possa ter numa situação de emergência como esta, serão os Controladores ou outros Pilotos que voem nas redondezas e ouçam a sua transmissão. Aprenda a mudar de frequência no rádio do avião, a activar o PTT (Press To Talk. Botão que ao carregar tem linha aberta para falar na frequência do Controlo Aéreo), aumentar e baixar o volume do rádio. Peça para lhe explicar onde está o rádio e não o confundir com o transponder!!

Saiba como ler a altitude e o rumo para onde a voar (passageiro).
Aprenda a saber qual a janela que mostra onde está o rumo que está a voar e caso haja GPS saber minimamente como funciona para “…ir directo para a Pista mais próxima!”.
Peça para lhe mostrar qual a “janelinha” da altitude ou da altura, como manter ou variar a “altura” mexendo (apenas com autorização (!!) expressa do Piloto) gentilmente nos comandos do avião.

Interpretar a atitude do avião (passageiro).
Mexendo no manche e nos pedais acontecem coisas distintas…peça autorização (sim, autorização!!) para “mexer” nos comandos e sentir a variação de atitude… o quê faz o quê…isso não vai o vai fazer pilotar o avião mas serve para perceber como fazer quando tiverem que lhe recomendar uma acção através do rádio. Além disso ajuda a estar mais focado quando realmente precisar. Ao mexer nos comandos veja as janelas/mostradores e como eles variam a informação.
Não se esqueça que será apenas em emergência e que em momento algum poderá tocar quer no manche quer nos botões sem ordem ou autorização (!!) do Piloto.

Reconhecer um aeródromo de uma perspectiva aérea (piloto).
Identificar aeródromos do ar é um desafio, falo por experiência própria que já tenho algumas horas de voo como passageiro. A desorientação espacial tem um papel importante na estabilidade do próprio passageiro. O piloto pode “jogar” ao jogo de descobrir os aeródromos ao longo da sua rota ou dar referências no terreno…para além da simpatia seria óptimo para distrair. Pode, além disso ensinar a olhar para uma carta e identificar quais os aeródromos que estão por perto e apontar com o dedo a sua direcção.

O voo estabilizado e a final para a Pista (piloto).
Se até para um aluno-piloto estabilizar um avião é complicado até ter tido uma mão cheia de horas de instrução, agora imagine para um passageiro em pânico, com apenas uma mostra que tenha tido algures no tempo. Poderá à medida que vai evoluindo na rota de lazer que está a fazer, explicar e fazê-lo sentir a dar uma larga volta mantendo uma altitude segura sobre uma Pista ou até fazê-lo voar em linha recta.
Não explicar de todo, a complexidade dos circuitos de tráfego pois em caso de emergência ele não irá fazer um circuito standard….e só o iria confundir. Mostre-lhe ou descreva as suas acções numa final longa, dando espaço e fazendo correcções ligeiras e descrevendo a “potência” do motor. O foco aqui será o controlo do avião, a importância do alinhamento na final da pista e potência.
Repito uma vez mais, não sendo instrutor ou não tendo experiência ou à-vontade suficiente para o fazer, nunca em situação nenhuma perca a sua consciência situacional ou Situation Awarness ao ensinar o seu passageiro. Em primeiro lugar e acima de tudo está o piloto e a segurança da sua aeronave.

A Potência (piloto).
Aterrar com a meia potencia será o ideal…explique como funciona a manete da potência e a importância de não deixar o avião entrar em stall na final mas também não ir full power ao chegar à Pista.
Acima de tudo explique a importância da altura em relação à pista e que a qualquer altura poderá até meter potência e dar uma volta e tentar aterrar de novo agora ligeiramente mais baixo. Ajude a ter serenidade e que o principal será ter o avião nivelado e focar um ponto na pista para tocar com as rodas. Não será fácil repito, mesmo para um aluno-piloto quanto mais para um passageiro ter essa sensibilidade.
Não esqueça que o importante aqui será o passageiro ter serenidade para “…já que chegou à final de uma pista”, explicar como aterra um avião. Nunca em circunstancia alguma deverá nestes treinos ser o passageiro a aterrar a sua aeronave. O Piloto Comandante da aeronave é o único responsável pela segurança de todo o conjunto, aeronave, piloto e passageiros!!

Avião aterrado (piloto).
Pronto, avião aterrado agora é só fazê-lo parar. Explicar como se corta a potência e como se actuam os travões da aeronave…não vale a pena dizer-lhe como se rola uma aeronave no chão pois o importante e fundamental já estaria feito, a aterragem. Explique que, se conseguiu falar com alguém no rádio, provavelmente terá veículos de emergência nos caminhos de rolagem à espera que pare o avião para o ajudar e ao piloto, por isso a ultima coisa que há a fazer será desligar a chave da avião.

No caso de uma emergência, o passageiro não-piloto com o Piloto inconsciênte deve agarrar no microfone ou nos auscultadores do piloto carregar no PPT  e dizer ao Controlador, “Estou no avião (indicativo), estou a voar perto de (local ou algum ponto no terreno significativo) e o piloto desmaiou. Eu não sou um piloto. Por favor, ajude-me.” Diga-o calmamente pois se o disser “atabalhuadamente” do outro lado não se vai perceber e provávelmente terá que repetir tudo o que disse e assim perder tempo. Tente manter a calma.

CHECKLIST para o passageiro
Um Checklist de emergência escrito especificamente para o passageiro não-piloto deve estar sempre dentro do avião visível e ao alcance do banco da frente a qualquer altura. Este Checklist deve incluir procedimentos básicos para lembrar o passageiro que se tornaram “pilotos” à força e quais os procedimentos a ter em conta.

Na minha modesta opinião talvez não fosse mau haver escolas em Portugal que oferecessem mini-cursos de adaptação e familiarização ao voo com uma mão cheia de horas teóricas e práticas além destes, outros aspectos sobre Segurança Aérea que aqui possa não ter referido (caberá dentro da nossa legislação? não sei, mas já os há noutros Países!)… quem sabe não fosse uma oportunidade para ganhar mais uns alunos/adeptos para o próximo curso de pilotagem.

Bons e seguros voos.

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José Rocha