Decisão…a paranóia!

Recentemente em conversa na internet com um companheiro aviador entrámos na temática dos acidentes.

Veio à baila um acidente nos Estados Unidos em que a AOPA fez a reconstrução vídeo.

Um piloto a voar um Cirrus SR-22 foi instruído a entrar no circuito de caixa para o vento de cauda em Melbourne, Florida e logo de seguida foi autorizado a aterrar sem ter sido informado sobre outra aeronave, um Cessna que se encontrava numa final directa, straight-in, para a mesma pista.

No momento em que o Cirrus estava na perna base, a torre tentou corrigir o conflito, instruindo o piloto do Cirrus a fazer uma volta apertada à direita em direcção à pista.
O resultado foi um acidente fatal devido a um stall/spin.

[spacer height=”20px”]

meu amigo aviador escreveu no chat:

Eu posso garantir-te que o controlador se esqueceu do Cessna que estava a fazer o straight-in quando instruiu o Cirrus a aterrar. Não conheço nenhum controlador que instruísse uma aeronave a aterrar no vento de cauda sabendo de antemão que o iria instruir mais tarde para seguir outra aeronave na final da Pista.
A resolução desta situação teria sido fácil se o Controlador tivesse dito ao Cirrus para continuar para Norte, fazer uma volta de 270 para se juntar à Final da Pista 09R quando estivesse livre do Cessna a aterrar na Pista 09L… ou então tê-lo borregado.
Ao gritar “Faça uma volta apertada à esquerda” foi possivelmente a coisa mais estúpida que se poderia dizer a uma aeronave que se prepara para aterrar…

Eu concordei com ele.
O controlador provavelmente esqueceu-se do Cirrus e a instrução “Faça uma volta apertada à esquerda” foi uma má decisão.

A AOPA concluiu que o problema foi um erro na comunicação mas  enquanto que isso pode ter sido um factor que contribuiu para o acidente, não é o controlador que é responsável pelo voo…mas sim o piloto!!

Apesar do stall/spin ter como consequência o acidente, este não terá sido necessariamente um problema de voo per si.

Parece-me que o erro do piloto do Cirrus foi, tentar agradar ao controlador, que comanda com uma voz imperativa, que aparentemente sabe o que está a fazer do outro lado da frequência.

Uma melhor opção poderia ter sido, o piloto simplesmente meter potência, estender o vento de cauda e depois ir directamente para a final….ou fazer uma (mais suave) volta… ou qualquer outra coisa, desde que o piloto não colocasse o Cirrus em stall.

É uma pena os pilotos sentirem a necessidade compulsiva de cumprir as instruções de pessoas (ATC’s ou AITA’s) que não voam e nada sabem sobre como voar.


[spacer height=”20px”]

Se dermos um passo para trás e olhar noutra perspectiva para o Cirrus, torna-se evidente a loucura de abdicar da autoridade Piloto Comandante e dar o poder de decisão para outra pessoa que não sabe do seu perfil do voo nem da configuração da sua aeronave.

Mas por alguma razão esta tendência de “desresponsabilidade” parece estar no nosso DNA e talvez por isso ignoramos essa tendência, pondo-nos em perigo. Cepticismo e uma desconfiança paranóica nem sempre são uma coisa má.

Neste caso, a acção mais inteligente teria sido simplesmente dizer “não é possível cumprir, vou seguir para o norte e fazer 180 de volta em direcção ao vento de cauda” e deixar o Controlador de Torre lidar com a minha decisão.

Quando estou a dar instrução de pilotagem presto muita atenção a estes pormenores porque são uma experiência de aprendizagem vital para o aluno que podem salvar a sua pele, depois de eu deixar o cockpit e ele iniciar os seus voos solo.

Quase que apostaria que reencaminhou este artigo com o vídeo para uma mão cheia de pilotos amigos e até algures no tempo irão discutir e identificar qual foi a falha fatal deste acidente. A maioria vai culpar o controlador pela desastrosa decisão que tomou, outros culpam o piloto por ter feito o avião entrar em stall/spin. Mas que ambos cometeram erros não tenhamos dúvidas!!

Se olharmos para a situação de um ponto de vista ainda mais amplo, eu acho que a questão está simplesmente no tentar cumprir uma instrução do controlador quando a acção mais correcta teria sido aperceber-se da situação e não seguir a instrução porque seria inseguro e disso informar imediatamente o Controlador.

Mas claro que isto é tudo em teoria. Eu não posso afirmar a pés juntos qual a decisão que tomaria quando ao virar da esquina me pedissem para “Faça uma volta apertada à esquerda”. Poderia pensar que estaria eminente uma colisão por estar em rota com outra aeronave e que estaria prestes a atingi-lo… às vezes uma acção imediata é necessária!!


[spacer height=”20px”]

Há uns tempos atrás, estava eu a ter instrução na Caixa Acrobática em Borrego Springs e a meio de uma figura (um 45 graus up-line) o instrutor chamou-me pelo rádio e gritou: “Tráfego, volta à direita AGORA” e eu simplesmente executei. Correu bem pois não hesitei… um Bonanza totalmente alheio ao que estava a acontecer, cruzou a apenas alguns metros da minha aeronave o nosso espaço aéreo que estava assinalado em NOTAM e perfeitamente conhecido de sempre naquele espaço aéreo. Se eu me tivesse atrasado um segundo na manobra que me gritaram para voltar eu provavelmente estaria morto.

Noutra situação, estava eu a rolar para fora do estacionamento em São Paulo Airport/ Congonhas no Brasil há um par de meses atrás e o Controlador de Ground deu-nos um percurso para rolagem onde era necessário cruzar uma pista mas na instrução que recebemos não incluía a autorização para o cruzamento. Isso era estranho, pois em países estrangeiros é vulgar usarem palavras ou fraseologia um pouco diferentes da FAA. Eu perguntei ao outro piloto para confirmar com o Controlador se estávamos de facto autorizados a cruzar a pista. O Controlador respondeu afirmativamente. Ufaaa!!
Ainda assim, pressenti que algo que não estava bem. Olhamos um para o outro, eu actuei o travão de estacionamento, ambos concordamos que não iríamos iniciar a rolagem até que estarmos totalmente convencidos de que o Controlador sabia exactamente onde estávamos.
Para encurtar a história, as nossas desconfianças estavam correctas e o Controlador estava completamente baralhado sobre a nossa localização, apesar de nós termos especificando a intersecção exacta várias vezes que iríamos cruzar.

[spacer height=”20px”]

Com certeza que vai ouvir todo o tipo de conselhos sobre situações criticas ou emergentes.

Alguns dizem que não se deve apressar nada, outros vão dizer-lhe para tomar uma acção imediata, actuar decisivamente é de facto fundamental.

Seria excelente se houvesse uma única “melhor estratégia” para cada situação, mas como muitas coisas no mundo da aviação, há momentos em que apenas uma resposta à situação pode salvar a sua vida… e outras decisões podem acabar em situações irremediáveis.

O verdadeiro truque é saber qual é qual.

Estar vigilante diria eu, seria a melhor estratégia.

[spacer height=”20px”]

Tradução e adaptação por José Rocha. Artigo original AQUI. 28 de dezembro de 2015. Fotografia por Ahmed Saffu, Luís Malheiro, Cedric Dhaenens e Varshesh Joshi.

Nota Cavok.pt – O artigo publicado é da responsabilidade do seu autor e não compromete ou vincula o CAVOK.pt aos conteúdos, ideias ou intenções. O autor do artigo não recebe, nem irá receber qualquer compensação directa ou indirecta, referente à opinião expressa. O CAVOK.pt não interfere ou analisa o conteúdo pelas ideias, opiniões ou intenções mas apenas ajusta a formatação gráfica do mesmo.