Readback / hearback – eis a questão

Quando as palavras são o único meio de expressão, pilotos e controladores precisam ouvir mais atentamente as comunicações e ter atenção ao que estão a transmitir.

Os Controladores Aéreos são ensinados a executar tarefas e fornecer os serviços que são descritos entre outros, na “Bíblia” do Controlador, o Documento 4444  da ICAO, Air Traffic Management.

Quando os Controladores estão envolvidos em litígios e são chamados a comparecer em tribunais por causa de acidentes aéreos são acusados de, por vezes não fazerem o suficiente no decurso de situações que levaram a acidentes ou na ajuda às tripulações. Mas há também pessoas na comunidade da aviação que lhes fazem sentir todos os dias que tentam e muitas vezes são cruciais na assistência que prestam aos voos.

Santa CruzAs responsabilidades do Piloto/Controlador, descritas no Documento 4444 da ICAO preveem um grau de redundância seja nas comunicações, seja nas tarefas distintas e isso seria por si só uma garantia de segurança. Esta sobreposição (tal como nos erros quando fazemos o readback/hearback) em muitos casos, reduz a possibilidade de potenciais falhas relacionadas com a segurança aérea.

Embora os acidentes a que vou me referir neste artigo estejam associados ao tráfego comercial e a transportadoras aéreas, há conclusões e ensinamentos que têm o potencial para melhorar e facilitar a vida de todos os que voam no espaço aéreo pois são matérias comuns ao Tráfego Aéreo Geral.

O que se vai abordar neste artigo é apenas uma análise e não uma atribuição ou condenação de qualquer piloto ou controlador. Este será o meu ponto de vista combinado com os factos dos acidentes, dados fornecidos e conhecidos das investigações realizadas e ainda na experiência de trinta anos de Controlo de tráfego Aéreo.

Falha de comunicação

Os controladores de tráfego aéreo que na altura controlavam o Avianca Airlines 52, que caiu perto do aeroporto Kennedy em Janeiro de 1990, como resultado de falta de combustível, fizeram tudo de acordo com os procedimentos que regem os Serviços de Tráfego Aéreo e normas de separação que foram ensinados a providenciar.
O Avianca 52 estava em espera há já 73 minutos quando o Controlador perguntou aos pilotos quanto tempo eles poderiam ainda ficar em espera. O Piloto Comandante respondeu: “cerca de cinco minutos!” O NTSB National Transportation Safety Board, (Agência Federal Independente encarregue da investigação dos acidentes de tráfego aéreo civil nos Estados Unidos) concluiu que os Controladores de Área deveriam ter informado os pilotos da dimensão dos atrasos motivados pela meteorologia, mas ainda assim, um bom planeamento e Situation Awarness, Consciência Situacional por parte dos pilotos deveria ter conduzido a uma avaliação da situação e um desvio para o alternante, enquanto tinham combustível suficiente para fazê-lo.

Apesar de tudo o que está escrito para estas situações ter sido cumprido pelos Controladores Aéreos podemos perguntar-nos se o Controlador da Aproximação que aceitou o voo Avianca 52 do Controlador da Terminal e que coloca o voo Avianca 52 em espera, teria conhecimento da situação, tornando-o assim responsável? Será que o Controlador de Aproximação de seguida, fez tudo o que podia para agilizar um vector radar mais curto para o ILS e trazê-lo ainda mais próximo da final para aterrar?

Quase sem excepção, cada acidente grave que envolve o Controlo de Tráfego Aéreo leva a uma mudança nos procedimentos seja localmente seja ao nível organizacional.

CAVOK.ptMuitas vezes, é o que você não diz mas pretende dizer

Como os Controladores de Tráfego Aéreo são obviamente incapazes de ler a linguagem corporal dos pilotos, é imperativo que o seu treino vá também no sentido de como reconhecer através de uma transmissão, se um piloto se encontra ou está perto, de uma situação insustentável.
Ter uma noção básica do que um piloto deve saber e, em certa medida, o que um piloto tem de fazer a fim de manter um voo seguro e levantar algumas bandeiras de advertência quando ouve ou vê algo que parece “não estar certo”.

Muitas vezes não é o que os pilotos dizem, mas o que eles não dizem que deve induzir um Controlador a fazer perguntas, apesar de não ser essa a sua tarefa ou responsabilidade.
Pode ser que nada esteja errado, mas… por outro lado, uma questão (por exemplo, “confirme o seu combustível restante?“) pode fazer a diferença na maneira como o controlador interage com o aviador. A questão levantada pelo Controlador pode causar um efeito de reflexão/reacção ao Piloto e este dar-se conta da gravidade da situação, distraído que está com outro tráfego, no caso do Avianca 52 com as voltas da espera e assuntos de companhia. Uma questão apenas e poderá ser vital de como o Controlador alterará a segurança do voo, tratando-o de uma forma totalmente diferente.

Falta de conhecimento ATC

Mas agora vamos ver para o outro lado da moeda. Quais as matérias que são ensinadas a um individuo no seu treino para se tornar Piloto? É-lhe feita durante o seu curso alguma abordagem sobre como um controlador processa a separação de aeronaves? Para além um ensinamento superficial sobre legislação aérea e outras matérias generalistas sobre espaço aéreo ou procedimentos radar, não há um aprofundamento de matérias sejam teóricas sejam posteriormente práticas aos pilotos para além do standard.

O Documento 4444, Gestão de Tráfego Aéreo ou o Anexo 11, Serviços de tráfego Aéreo ambos da ICAO prescrevem os mínimos de separação e os serviços de tráfego aéreo a utilizar no exercício das suas funções. Essas normas e standard’s são prescritos e projectados para dar ao controlador de tempo suficiente para corrigir uma possível “perda de separação” antes que se torne em acidente. São chamados os “mínimos de separação” que usam no desempenho das suas funções.

Os controladores ainda assim são obrigados a comunicar qualquer “perda de separação” conhecida. Na maioria dos casos, fazem uma notificação voluntária de perda de separação, não esperando daí qualquer acção punitiva (excepto em casos de negligência). Serve antes como posterior medida correctiva de procedimento ou até aprendizagem (entrar em modo de proficiência acompanhado de outro Controlador Instrutor) e em casos mais graves ser chamado a fazer formação complementar.

A terceira habilidade do tríptico do piloto é Comunicar (todos se lembram dos dois primeiros: Voar e Navegar). Uma parte importante no “comunicar” é ouvir mas também….falar. Temos também nesta “habilidade” o elo mais fraco, o interface Controlador/Piloto que é o único que nós temos…o rádio.

É grave que um piloto não entenda uma instrução ou autorização ATC ou tenha cometido um erro de “read-back“, mas os controladores são ensinados escutar ( hearback ) de volta à procura de erros. A palavra ou frase mal entendida por um controlador e não corrigida é igualmente um erro grave. Os controladores são ensinados a ouvir atentamente o que os pilotos dizem. Uma frase, um pedido ou instrução transmitida por qualquer piloto ou controlador ao qual não foi dado o “entendido, copied” é uma comunicação incompleta e assim sendo não é comunicação de todo.

Estudo de um caso

O caso que se segue é um pequeno resumo da colisão entre um Metroliner Fairchild (SkyWest vôo 5569) e um Boeing 737 (USAir vôo 1493) na Pista 25 Esquerda em Los Angels.
Aconteceu bem depois do pôr-do-sol em Fevereiro de 1991, quando o Metroliner rolou para a posição de espera na pista. Instruído a manter posição enquanto aguardava o tráfego que, aterrado noutra pista cruza-se para o estacionamento.
Neste ponto, a tripulação bem treinada, ouviu atentamente as instruções detalhadas do controlador. Foi-lhe dada entretanto autorização para alinhar na Pista 25 Esquerda daquele aeroporto cujo sistema de pistas e taxiways é bastante complexo.

Numa situação ideal, nesta fase o Piloto Comandante teria pousado a mão sobre as alavancas de potência ficando a aguardar uma autorização explícita de descolagem pelo Controlador da Torre de Controlo.
Entretanto a próxima transmissão seria feita por outra aeronave Boeing 737 que reportava 5 milhas na final mas…não foi dado o “entendido” pelo controlador da torre. Isso por si só deveria ter levantado uma série de bandeiras vermelhas na parte da tripulação Metroliner. Eles deveriam ter questionado a Torre se o tráfego já teria cruzado a pista e se a torre lhes dava autorização para descolar…”Será que a torre esqueceu de nós??”.

Na verdade a torre tinha-se esquecido deles. Afinal, há uma aeronave na final para a pista em que estamos alinhados, que está a voar a cerca de duas milhas e meia por minuto e não foi…repito, não dado o entendido da posição pelo Controlador da torre.

O Boeing 737 na final chama novamente a Torre e é ignorado pela segunda vez.

Aqui a tripulação Metroliner deveria uma vez mais ter chamado a Torre e pedido para uma descolagem imediata. Deveriam pelo menos ter verificado se a aeronave que estava a cruzar a Pista estava já fora e reportado. Eles não tinham recebido qualquer transmissão.
O Boeing 737 na final chama a torre uma terceira vez e é-lhe dado o entendido e “autorização para aterrar Pista 25 Esquerda”!!

Aqui a tripulação do Metroliner teria rolado rapidamente para fora da pista, mas…isso não aconteceu.
A tripulação Metroliner confiou que o Controlador garantiria separação entre si e qualquer outro tráfego a aterrar. Mas …isso não aconteceu.

Um acidente como este não deveria ter acontecido se os pilotos do Metroliner fossem treinados para entender que existem cenários ATC com um potencial de os colocar numa situação comprometedora.

Say Again ?!?!

Escuta activa

Todos nós, como Controladores mas também Pilotos, somos ensinados a ouvir atentamente o que está acontecer ao nosso redor, a fim de manter o mais alto grau de Consciência Situacional possível.
Os pilotos encerrados que estão num casulo a que chamam de cockpit ou apenas a ponta extrema de uma grande máquina de voadora, às vezes esquecem-se de manter o Alerta Situacional de como o outro tráfego está a ser tratado pelo Controlo de tráfego Aéreo e como é que, no quadro geral, poderão ou não estar envolvidos. Ouvir atentamente o que está a acontecer ao nosso redor, a fim de manter o mais alto grau de Consciência Situacional possível.

Hoje em dia, as transportadoras aéreas, escolas de voo, bem como os departamentos de voo das empresas (operações, por exemplo) dedicam uma grande parte à formação da tripulação, que inclui comunicação e tomada de decisões que são projectados para melhorar o conhecimento da Consciência Situacional. Uma parte importante é a interacção ou no caso acima mencionado, a falta dela entre um Piloto e um especialista em Controlo de Tráfego Aéreo.

Hoje, tanto Pilotos como Controladores de Tráfego Aéreo fazem obrigatoriamente cursos de CRM, Crew Resource Management ou TRM ou Team Resource Management para melhorar o desempenho do factor humano nas várias vertentes fazendo parte integrante de uma equipa, alertado para Consciência Situacional e ajuda na tomada de decisão. A experiência de outros e os erros por vezes catastróficos de outros ao serviço da Segurança de Voo, Safety.

Muitas vezes tenho dito e repetido aos Controladores de Tráfego Aéreo em instrução, mesmo tratando-se do Serviço de Informação de Voo, que existem pormenores na mensagem que um Piloto transmite que deverão ter em atenção pois pode revelar o quão o piloto está ou não confortável com a situação ou à “procura” de uma ajuda em determinadas situações de tráfego, apesar de ser sua a responsabilidade e da sua aeronave em espaço aéreo Golf.

Dou sempre o exemplo simples de, ao dar uma informação de tráfego a duas aeronaves que estão em aproximação frente a frente e em que uma delas tem o sol a “bater” às 12 horas cuja visibilidade é ou pode ser reduzida a mais de cinquenta por cento e adicionalmente  tratar-se de um voo de instrução ou um voo solo, a procura do tráfego, o manter altitude e encontrar uma solução para o desvio…tudo isso pode levar um piloto menos experiente a perder a Consciência Situacional e em ultimo caso tomar atitudes menos “lógicas” levando ao erro e ao acidente.

Fazer uma escuta activa é portanto fundamental na Segurança de Voo e ajuda a manter a Consciência Situacional elevada evitando erros.

Traduzido e adaptado por José Rocha
Artigo original aqui