Voar ultraleves em Inglaterra

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O Clima não parece favorecer a prática do vôo em ultraleve em terras de sua magestade. Embora com bastantes dias de Sol, é com a oferta diversificada de frio, vento, chuva, grazino, gêlo e neve que São Pedro escolhe brindar estas ilhas durante grande parte do ano. Acompanhem-me neste breve vôo sobre a terra onde nasceu o motor a jacto, o pneu com câmara de Ar e a locomotiva a vapôr.

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Por Mike Silva

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São Sete horas da manhã. O céu acordou fortemente nublado nesta manhã de meados de Novembro. Fiz a habitual viagem de 30 Km até à pequena quinta agrícola situada a Oeste de Tamworth, onde diversos entusiastas guardam os seus ultraleves no meio de tractores e alfaias agrícolas. Graças a uma lei inglesa que permite descolar durante 28 dias por ano a partir de qualquer terreno particular desde que tenha autorização do dono, os campos de Aviação nascem como cogumelos por todo o Reino Unido. Assim, o “vício” de voar, baixa os custos de hangaragem para o preço equivalente a um volume de maços de tabaco por mês. Os “ 28 dias” são um preciosísmo que raramente alguém controla.

Apesar de estarmos em Novembro, e o céu carregado de nuvens até perder de vista, os prognósticos da Meteorologia são estaveis. Pelo menos até lá para a tarde. Diz que vai piorar, que vai haver vento e chuva… Mas agora está calminho. Outros amigos começam a chegar aos poucos, carregados com os seus sacos com mapas, capacetes e o habitual jerrycan de 20 litros. Tiro o pendular de dentro do celeiro onde dormem alguns tractores e um Chipmunk pintado com as côres da RAF. Alguns dos ultraleves são SSDR, uma classe que permite ao proprietário construir o seu aparelho na garagem e voá-lo, inteiramente à sua responsabilidade e sem qualquer controlo técnico. Após um pré-flight criterioso, onde não escapa a verificação de eventual acumulação de gelo na parte superior da asa, sentamo-nos um pouco no bar improvisado onde aquece uma chaleira com água quente para o café. Riscamos os mapas com canetas de feltro, com os nossos apontamentos e rotas de Navegação. Eu quero ir para Sul, para o aeródromo de Bruntingthorpe, a maior pista civil do Reino Unido, com 3 Km de extensão. No caminho, vou encontrar um aeródromo de planadores que tenho de sobrevoar a uma altitude segura, e uma GVS ( Gas Venting Station): Uma válvula de escape de um gasoduto que por vezes expele chamas com dezenas de metros de altura, para libertar a pressão. Não convém nada passar por cima daquilo com um “ trapo e tubo”. Tenho de fazer dois trechos, um desvio até ao depósito de água de Nuneaton, por causa do espaço aéreo A de East Midlands.

A manga continua flácida. Escolho à semelhança dos outros amigos que já descolaram, usar a pista 03. Que mais não é do que um excerto relvado deixado por plantar por entre uma plantação enorme. A descolagem ocorre sempre com o pensamento numa possível falha de motor, verificando constantemente possíveis locais de aterragem num ângulo de 30 graus para cada lado à minha frente. Abro momentaneamente a viseira do capacete pois embacia rapidamente durante o taxiamento. Mal comece a andar mais depressa,acabará por desembaciar. A corrida para a descolagem sobre a relva parece-me um bocado “ esponjosa”, devido ao orvalho matinal. De Inverno opta-se por retirar aqueles “ sapatos”que cobrem as rodas, por causa a acumulação de ervas e terra. À medida que ganho altitude e o extenso campo verde fica para trás, começo a localizar-me . Lá está a central térmica de Rugeley a Noroeste, e as montanhas do Peak Disctrict a Este. A visibilidade está muito boa, com as nuvens a 3000 pés e consegue-se ver ao longe a chuva a cair como se fôsse um chuveiro. Mas não existe turbulência. Um autêntico “ vôo para grávidas” em pleno Inverno. Os melhores vôos que tenho feito, têm sido de Inverno!

Apercebo-me ao longe de um parapente, e dou-lhe bastante espaço para manobrar. Hoje vôo em espaço aéreo G numa grande extensão, e toda a instrução e operação de ultraleves é fortemente vocacionada para “ olhar lá para fora” em vez da crescente e preocupante “ moda” de estar com o nariz colado nas televisões do “ tablier “. Todos nós temos “ápes” nos nossos telemóveis, e um “aipéde” está ao alcance de qualquer puto de 15 anos. Mas grande parte dos entusiastas, onde orgulhosamente me incluído, prefere manter a eucaristia e a magia do vôo inadulteradas com tecnologia desnecessária. Tudo o que use pilhas pode falhar. Olhar lá para fora, para o mapa e para a bússula nunca falham . Voar de ultraleve , e sobretudo num “ trapo e tubo”, tem a ver com um conjunto de sensações que não estão disponíveis noutro tipo de aviação. Cruzo-me com o parapente a motor . Ambos seguimos a linha comboio ( O verdadeiro vôo VFR “ I Follow Railways”), dando a esquerda a este importante ponto de referência. Uma técnica que permite voar em segurança , seja a que altitude fôr. O piloto de parapente a motor não precisa de licença de pilotagem. Nem os de Foot Launched Vehicles ( FLV) Eles é que decidem se quer tirar um curso ou não. Normalmente impera o bom-senso, e não conheço nenhum praticante desta forma livre de Aviação que não tenha frequentado um curso. A taxa de acidentes com este tipo de aeronaves é praticamente nula, um dos índices de segurança mais altos de toda a Aviação. Pouco tempo depois, aqui estou eu com Bruntinghtorpe à vista, tendo feito um pequeno desvio para não entrar no espaço aéreo A de East Midlands, nem sobre o movimentado Aeroporto de Leicester. A uma altitude considerável , passo por cima do campo de planadores de Husbands Bosworth, uma das maiores escolas de planadores do Reino Unido. Também não existe licença de pilotagem de planador, apenas um sistema de “ pontos” e de classificações que atribuem um “ endorsement” assinado por um piloto-instrutor num clube. Neste clube existem Chipmunks com motor Lycoming a rebocar planadores, mas em toda a parte a maioria dos planadores são rebocados por guincho, um sistema barato que pode ser atrelado a uma pick-up e levado para qualquer lado. Estes dois factores por sí só,arrastam centenas de praticantes e amantes do vôo para esta actividade. Experimentei diversas vezes esta forma suprema de Aviação, embora pessoalmente não aprecie o facto de se ter de esperar “ vez” atrás de outros praticantes após a aterragem, num conjunto de operações morosas de recuperação do cabo e consequente descolagem. Bruntingthorpe não tem rádio. Basta apenas um PPR, um telefonema antes de descolar. No entanto, este é um aeródromo onde aterram desde Boeings 747 a parapentes com motor! Mas graças ao procedimento de “Standard Overhead Join”, a uma altitude oficial para cada aeródromo, a segurança mesmo sem rádio é ultra-segura. Embora esteja no enfiamento da pista, não faço uma “ direct approach”: Sobrevôo a cabeceira da pista que pretendo utilizar para aterrar, e descrevo um circúito completo a uma altitude previamente estipulada pela administração do aeródromo . Isto permite-me aperceber do tráfego do aeródromo durante vários minutos, e durante estes vários minutos o tráfego no aeródromo irá aperceber-se de mim. Simples e eficaz. Apesar da pista de alcatroada de 3 Km de comprimento, opto por aterrar na “ pista” de relvado paralelo à pista principal designada de 06 R próximo do apron de estacionamento.

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O organismo que tutela a Aviação civil no Reino Unido (CAA) tem uma colaboração estreita com todas as organizações de Aviação Ligeira como a BMAA, BHPA ou LAA. Estas e outras organizações juntaram-se há uns anos, e elaboraram um documento conhecido por “ Red Tape Challenge”. Um documento que desafiou a CAA a melhorar certos aspectos da Aviação Geral, a que a mesma respondeu com a publicação de um certo número de medidas conhecida como CAP 1123.  Mas teme-se que esta  liberdade e autonomia que o Reino Unido goza em relação ao resto da Europa esteja em risco, estando permanentemente debaixo de fogo dos burocratas europeus, que tentam a todo o custo limitar e cercear a Aviação ligeira. Por exemplo, pretende acabar com ratings como o IMC, um pequeno e crucial curso que permite a um piloto sem rating em instrumentos lidar com condições meteorológicas adversas inesperadas. Nenhuma desta liberdade acontece no entanto sem a responsabilidade individual de cada um. Não sabemos o que o Futuro nos reserva. Entretanto, Gozemos o prazer incomensurável de taxiar um “trapo e tubo” de 50 cavalos por entre Boeings 747 e tristars, e estacionar entre um Super Guppy e um Buccanner…

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Pode ler aqui mais sobre o documento “Red Tap Challenge”

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