Lições e “Trambolhões” Take Two

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Artigo de Opinião

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Houve um programa organizado pela Força Aérea Portuguesa na Base do Montijo, chamado O dia da Força Aérea em 1987.

Para esse evento foram convidados mais de uma centena de pilotos e suas aeronaves de aviação geral e ultraligeira em Portugal.

Eu na altura, tinha uma aeronave ultraligeira pendular de 2 lugares e fui um dos felizes contemplados desse convite.

Era fim de semana, estava acompanhado de 2 amigos o Carlos Bernardo e o meu cunhado Mané (Domingos Ramos), um iria comigo na aeronave (Mané) e o outro levaria a viatura com o atrelado para a Base do Montijo, para depois podermos regressar juntos por estrada.

Lá preparámos as coisas em minha casa, ver se tudo estava bem, encher os tanques de gasolina, colocar a asa no suporte da viatura e atrelar o reboque com o triciclo. Combinámos fazer uma viagem, na altura enorme e acompanhar os nossos conterrâneos dos aviões grandes GA. Por isso fomos para o aeródromo de Tires, onde se concentraram muitas aeronaves, para ir em conjunto para a Base do Montijo.

Era de manhã pelas 09.00 quando chegámos a Tires e começámos a montar a aeronave. Isto dava um certo trabalho e era preciso força para montar a asa dado que era um bilugar, montámos o paraquedas da aeronave. Entretanto o tempo foi passando e fomos dos últimos a descolar do aeródromo de Tires, abrir a torneira do depósito nº 1, abrir o choke, puxar a corda e motor ligado. O dia estava muito bom, sol sem nuvens e a visibilidade era excelente.

O Mané, que ia comigo estava excitadíssimo, dado que era a primeira vez que voava numa aeronave ultraligeira e ao ar livre, vento, barulho e uma vista fantástica.

Lá nos dirigimos, atrás dos outros aviões com a potência máxima para não ficarmos para trás, para o Rio Tejo, atravessámos o Rio para a margem sul e seguimos na sua margem, passámos por cima da Ponte 25 de Abril até cerca de Almada. Em Almada e perto dos estaleiros da Lisnave, verificámos que as aeronaves que nos precediam, entraram no mar da palha directamente para a Base Aérea do Montijo.

Eu na altura, achei que aquilo era muita água demais para o meu gosto (o mar da palha é enorme) e tomei a decisão de abandonar a formação e dirigir-me, junto à margem sul do Tejo até chegar à Base Aérea do Montijo.

Devíamos ir a cerca de 1000 pés de altitude e estávamos a cerca de 500 metros da margem da refinaria, quando subitamente o motor da aeronave começou a acelerar muito e depois parou definitivamente.

Bem imaginem o “cagacen” que eu apanhei.. sobre a água, não sei se sabem um pendular a amarar é o chamado desastre pré-anunciado, com estampanço garantido e grande probabilidade de poder não sobreviver.  Claro que não tínhamos o principal, coletes de salvação, isto para as primeiras impressões.

Só que tudo acontece, muito muito rápido, começamos a perder altitude e ver a água a aproximar-se, no meio disto, porque raio parou o motor ?! e num flash lembrei-me que eu tinha o pendular mais aerodinâmico de todos e tinha colocado em vez de um depósito de 20 litros por gravidade, 2 depósitos de 10 litros, com uma torneira para mudança de depósito. Portanto tínhamos vindo no máximo e consumido demais.. era falta de gasolina no motor. Nessa época não havia indicadores de combustível, rádio ou qualquer outra coisa não ser ouvido..

Havia, ainda no entanto, outro problema eu tinha posto uma torneira de mudança de depósitos (aquelas que havia nas motorizadas) num local cerca do motor, que não tinha acesso do posto de pilotagem (era em tandem, piloto à frente, passageiro atrás e depois o compartimento do motor).

A cena posterior, foi digna de um filme cómico, não fosse a situação ser tão delicada, disse ao Mané, que estava ainda a leste do paraíso, olha tenho de sair do meu lugar, tirar o cinto de segurança e passar por cima de ti, não te preocupes é mesmo assim.. ele achou aquilo tudo fantástico e eu lá fui.

Tenho um bocado de problema com as alturas, tinha de ser, mas lá fui agarrado ao Mané que nem uma lapa e a tentar agarrar a porcaria da torneira, que estava no sítio errado e no momento errado.

Lá, finalmente, consegui mudar a posição da torneira, voltar a sentar-me aos comandos da máquina e a fazer freneticamente 2 coisas simultâneas a puxar a corda de arranque manual do motor n vezes com todas as forças e a olhar para a água a aproximar-se perigosamente..

A seguir, só me lembro de ouvir um ronco do motor a fundo, rasarmos a superfície da água no Tejo e começarmos a ganhar de novo altura..

Não disse nem pensei em mais nada, até aterrar na Base do Montijo, onde era tudo muito grande, aliás o pendular podia aterrar até a 90º na pista principal, tal era a sua dimensão.

O Mané, que se apercebeu da situação toda, achou tudo altamente excitante e giro, ninguém das outras aeronaves viu nada, portanto a nossa honra aeronáutica estava salvaguarda, lá aterrámos e eu fui imediatamente fazer 3 coisas wc.. fumar um cigarro e tomar uma bica.. completamente feito em água..

Esta foi a minha segunda experiência, na actualmente chamada aviação ultraligeira.

 

Lições a tirar:

Nunca voar, com transformações caseiras, não testadas numa aeronave

Nunca voar, sem que os principais comandos ou instrumentos, estejam ao alcance do piloto no seu posto de pilotagem

Nunca voar sobre a água, sem que todos os ocupantes tenham um colete de salvação

Nunca voar sobre a água, com cintos de segurança de entrelaçar, que com a água podem não se conseguir abrir

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David Ferreira

 

24 de Outubro de 2015