Aviões vs. vulcões – prelúdio à (in)segurança aérea

Os vulcões, senso lato, são capazes de despertar o fascínio e o pânico no Homem.

Se as torrentes de lava do Kilauea permitem uma visão única e impressionante do pulsar vigoroso e contínuo do globo, as erupções do Vesúvio, do Krakatoa e do Monte de Santa Helena constituem exemplos de demonstrações inequívocas da magnitude e da extensão dos diversos efeitos potenciais dos fenómenos vulcânicos.

Nas suas várias formas, o vulcanismo é um agente primário da geodinâmica e um possível responsável por efeitos catastróficos na vida terrestre.

Com uma capacidade de escala planetária para moldar e modelar a superfície da Terra, os vulcões são capazes de obliterar povoações dos mapas, redefinindo a topografia e reescrevendo a geografia (atente-se à mais recente erupção vulcânica em Cabo Verde); do mesmo modo, poderão ter tido um papel determinante no eclipse dos dinossauros.

Além da memória colectiva, parte integrante do espólio humano tragicamente aumentado pelos danos decorrentes de catástrofes vulcânicas, os registos geológicos são fontes profícuas na documentação do que as mesmas podem causar.

Nos tempos mais recentes, a aviação tornou-se também vítima das consequências severas do vulcanismo.

Felizmente raros, os incidentes com aeronaves em voo, como o British Airways Flight 9 (1982), o KLM Flight 867 (1989) e o incidente com um DC-8 da NASA (2000), lançaram um alerta muito preocupante e perturbador para os diferentes intervenientes na aviação.

As erupções do impronunciável Eyjafjallajökull (Islândia), do complexo vulcânico Puyehue-Cordón Caulle (Chile) e do Calbuco (Chile) acabaram de expôr a imensa fragilidade da actividade aérea face à actividade vulcânica.

Alguns dos aspectos relacionados com o vulcanismo concorrem para conferir contornos quase dramáticos aos efeitos nas operações aéreas: (i) a imprevisibilidade do início, da duração e da intensidade da actividade vulcânica, (ii) os efeitos sobre aeronaves em voo que sejam confrontadas com encontros inadvertidos com material expelido durante um evento vulcânico, (iii) o encadeamento quase exponencial de consequências em áreas múltiplas e distintas das actividades humanas.

Nesse sentido, os VAACs (Volcanic Ash Advisory Centres) surgiram para coordenar, disseminar e actualizar constantemente informação relativa a actividade vulcânica pertinente para a aviação e para providenciar aconselhamento técnico perante fenómenos vulcânicos que tenham repercussões na segurança aérea.

Em 2008, a ICAO estabeleceu o European and North Atlantic Volcanic Ash Exercises Steering Group (EUR/NAT VOLCEX/SG), para que os fornecedores de serviços e os utilizadores de espaço aéreo relevantes nas Regiões EUR e NAT organizem regularmente exercícios que, de forma continuada, melhorem a resposta a erupções vulcânicas e validem os procedimentos e os planos de contingência regionais relativamente às mesmas.

Portugal, através da NAV, E.P.E., já esteve no foco da organização de um desses exercícios (Volcanic Ash Exercise VOLCEX 13/02), que teve por base a simulação de uma erupção no vulcão das Furnas (São Miguel – Açores).

Além de ser parte fundamental das regiões EUR e NAT (especial e particularmente em função da FIR Oceânica de Santa Maria), o nosso país inclui território insular com vulcanismo activo e com potencial para gerar consequências nefastas no fluxo regular do tráfego aéreo nessas regiões aéreas.

Por todo o mundo, nomeadamente em zonas sensíveis do ponto de vista vulcânico, existem grupos de trabalho que procuram soluções para mitigar os riscos da actividade vulcânica na actividade aérea

O Met Office, basicamente o congénere britânico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, está a instalar, no Reino Unido, uma rede de sensores LiDAR (Light Detection And Ranging) para detecção e monitorização da presença das denominadas “cinzas vulcânicas” no ar.

Os especialistas de organismos como o NILU (Norsk institutt for luftforskning Norwegian Institute for Air Research), têm criado soluções como o AVOID (Airborne Volcanic Object Identifier and Detector), sistema que, tal como a designação evidencia, permite identificar e detectar, em voo, material de origem vulcânica.

No seguimento da erupção islandesa de 2010, o NILU, a Easyjet e a Airbus concertaram esforços para o reforço do desenvolvimento e para a implementação mais rápida possível de tecnologias como o AVOID.

Contudo, assistiu-se novamente ao esmorecimento do ímpeto inicial, à medida que o assunto acompanhou o vulcão na perda de força activa e de significância.

Dada a feliz raridade da ocorrência de fenómenos vulcânicos com consequências na actividade aérea, parece aplicar-se uma filosofia reactiva (ao invés de uma postura proactiva), sustentada num bem português “depois da casa roubada, trancas à porta”.

Assim, a refrega aviões vs. vulcões só volta à ordem do dia quando um Eyjafjallajökull volta a fazer das suas!…

Pedro Neves Cruz. 28 de Outubro de 2015.